O ressurgimento do interesse pela cultura tradicional chinesa aliada à presença massiva em plataformas nas redes sociais tem impulsionado um fenômeno de moda entre os jovens: o estilo Hanfu.
O termo refere-se à roupa do povo Han, existe há mais de três milênios e consiste nos estilos tradicionais de vestimentas usadas por essa etnia, que é majoritária na China.
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Essa tendência fashion capturou holofotes na potência asiática e inaugurou novas oportunidades de negócios para muitos em todo o país, incluindo serviços como maquiagem tradicional chinesa, sessões de fotos e aluguel de figurinos.
Confiança cultural entre a juventude
Um número crescente de pessoas na China, em especial jovens, têm redescoberto o orgulho de trajar esse estilo em público para refletir confiança cultural.
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Como Jin Yujin, de 29 anos, que tem cerca de 11 mil seguidores na principal plataforma social de estilo de vida da China, Xiaohongshu, o equivalente ao Instagram no Brasil.
Durante o Festival das Lanternas deste ano - evento que celebra o final das festividades do Ano Novo Chinês - Jin postou um vídeo que viralizou em que ela e um grupo de mulheres vestidas com os trajes tradicionais.
“Hanfu tem um charme único, pois seu design retrata o estilo chinês distinto. O crescente carinho por Hanfu entre as pessoas reflete um maior apreço pela nossa cultura, com mais e mais pessoas abraçando a beleza do nosso traje tradicional e se orgulhando de vesti-lo”, observou Jin em entrevista à Xinhua.
O fascínio de Jin por Hanfu começou em 2013, quando ela se juntou a uma sociedade Hanfu em sua universidade.
“Naquela época, Hanfu era muitas vezes percebida apenas como figurinos de dramas de TV”, recorda. Ela comenta que à época sentia vergonha de usar Hanfu em público.
Mas a vergonha foi deixada para trás nos últimos anos. Graças ao ressurgimento do interesse na cultura tradicional entre os jovens e a presença amplificada mídias sociais o estilo Hanfu capturou os holofotes e cada vez mais pessoas como Jin aderem à tendência.
Nicho de mercado em ascensão
Essa mudança cultural pode ser comprovada por números desse crescente nicho de mercado de moda.
Durante o feriado do Ano Novo chinês deste ano, era comum ver turistas vestindo Hanfu ao visitar locais de patrimônio cultural chinês.
Foi o caso do Templo e Cemitério de Confúcio e a Mansão da Família Kong em Qufu, Patrimônio Mundial da UNESCO, na província de Shandong, no leste da China.
O governo local de Qufu até concedeu entrada gratuita em locais culturais para aqueles vestidos com Hanfu durante o feriado.
A crescente popularidade dessa tendência da moda inaugurou novas oportunidades de negócios para muitos em toda a China, incluindo serviços como maquiagem tradicional chinesa, sessões de fotos e aluguel de figurinos.
Segundo dados da Qichacha, uma plataforma de dados de negócios na China, o país abriga quase seis mil empresas relacionadas a Hanfu, e esse número segue aumentando.
Em 2023, o número de novos negócios relacionados a Hanfu chegou a 2.686, um aumento de 355,25% em relação ao ano anterior.
Os múltiplos estilos Hanfu
A veste tradicional Hanfu, adornada com bordados intrincados, remonta à Dinastia Han (202 a.C.-220 d.C.). No entanto, o estilo evoluiu ao longo da história e deu origem a uma ampla variedade de designs observados em diferentes cidades chinesas hoje.
Por exemplo, em Suzhou e Hangzhou, no leste da China, as pessoas tendem a preferir o estilo Hanfu da Dinastia Song do Sul (1127-1279).
Em Pequim, os trajes das dinastias Ming e Qing (1368-1911) prevalecem, em sintonia com a arquitetura do Museu do Palácio e do Palácio de Verão.
Em Xi'an, capital da província de Shaanxi, no noroeste do país; e em Luoyang, na província de Henan, no centro da China, ambas capitais nacionais durante de antigas dinastias, há uma preferência por roupas tradicionais e elementos culturais que melhor incorporam a cultura da Dinastia Tang (618-907)
Acredita-se que as tendências da moda diversificadas sejam propícias à preservação e promoção de Hanfu.
Centro produtor de Hanfu da China
O condado de Caoxian, na província de Shandong, leste da China, é um dos maiores centros produtores de Hanfu na China. Lá ficam sediadas 10.797 lojas online Hanfu e 2.186 empresas relacionadas à indústria, com quase 100 mil pessoas envolvidas no setor.
Em janeiro, as vendas de Hanfu em Caoxian totalizaram aproximadamente 920 milhões de yuans (cerca de 128 milhões de dólares). Como 2024 é o Ano Chinês do Loong, ou Dragão Chinês, os designers usaram motivos de dragão e fênix para adornar tais trajes.
"Muitas pessoas escolheram Hanfu como presentes de Ano Novo para seus parentes e amigos", disse Li Zilei, um empresário da Caoxian, acrescentando que, além dos pedidos domésticos, também receberam pedidos do exterior.
Febre Hanfu para exportação
A febre de Hanfu também se espalhou para países estrangeiros como a Itália. Durante o Carnaval de 2024, que terminou dia 13 de fevereiro com o tradicional desfile de Veneza de trajes e máscaras, uma exibição dos trajes tradicionais chineses foi um dos destaques durante a folia.
Este foi o segundo ano seguido que um desfile de Hanfu ocorreu no Carnaval de Veneza. Um grupo de 22 voluntários italianos e chineses participou de um desfile na Piazza San Marco, no centro da cidade.
Alguns dias depois, no dia 19 de fevereiro, em Roma, capital nacional italiana, um desfile de Hanfu foi realizada no coração da cidade e atraiu mais de 200 moradores locais vestidos com trajes tradicionais chineses.
Interesse europeu a partir de uma polêmica
Em julho de 2022, a marca de luxo Dior esteve envolvida em uma polêmica quando internautas chineses a acusaram de apropriação cultural. A grife francesa copiou desenhos de uma roupa tradicional chinesa.
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A saia plissada de lã atraiu comparações com um item de vestuário chinês histórico conhecido como “mamianqun”, ou “saia de cara de cavalo”, apesar de ser descrito pela casa de moda francesa como uma “silhueta da marca Dior”.
O caso da saia rendeu até protestos do lado de fora de uma das lojas da marca em Paris. O ato foi organizado por estudantes chineses na capital francesa e recebeu a adesão de manifestantes de outras cidades francesas, além de alguns da Espanha e da Itália.
As saias "cara de cavalo" datam da dinastia Song (960-1279), embora tenham sido popularizadas entre as mulheres durante as dinastias Ming (1368-1644) e Qing (1644 - 912). O design apresenta laterais plissadas e aberturas na frente e atrás, tornando as peças adequadas para passeios a cavalo.
As saias são frequentemente usadas por membros da crescente subcultura “Hanfu” da China, juntamente com outras roupas que se assemelham às roupas tradicionalmente usadas pelos chineses de maioria étnica Han antes da dinastia Qing.
A saia da Dior integrou a coleção Outono 2022, que a grife descreveu como uma “exploração fascinante do passado, presente e futuro”. Embora a marca não tenha respondido às reclamações, silenciosamente parou de vender a peça no continente chinês.
Renascimento da cultura tradicional chinesa
Esse movimento de interesse por trajes tradicionais chineses sinaliza um movimento mais amplo, de renascimento da cultura tradicional chinesa.
Em novembro de 2022, após o chá tradicional chinês ter sido incluído na lista de patrimônio cultural imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o presidente chinês, Xi Jinping, destacou a importância em proteger o patrimônio cultural imaterial e promover melhor a cultura chinesa em todo o mundo.
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Ele comentou ainda que devem ser feitos esforços para incentivar a transformação criativa e o desenvolvimento inovador da cultura tradicional chinesa.
"Aumentar a coesão da nação chinesa e o apelo da cultura, aprofundar os intercâmbios e o aprendizado mútuo com outras civilizações e contar histórias da cultura tradicional para apresentar a cultura chinesa para o mundo", declarou.
O tema da cultura tradicional chinesa também é abordado em vários trechos do relatório apresentado pelo presidente Xi durante o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh), realizado em outubro de 2022 em Pequim.
O assunto também é tratado, de forma bem específica, no 14º Plano Quinquenal (2021-2025) para o Desenvolvimento Econômico e Social Nacional e Visão 2035 da República Popular da China. Esse documento serve de bússola para a China e reserva um capítulo inteiro para abordar a importância da cultura tradicional chinesa.