CHINA EM FOCO

China e Brasil: Cooperação em desenvolvimento sustentável e agricultura familiar

Evento em Brasília reúne lideranças acadêmicas, governamentais e sociais para debater o fortalecimento da agricultura familiar e o desenvolvimento rural sustentável

Fórum Brasil-China: Marcos para uma nova cooperação para o desenvolvimento compartilhado.Painel do Fórum Brasil-China: Marcos para uma nova cooperação para o desenvolvimento compartilhado realizado na Universidade de Brasília (UnB). Audiência e mesa da primeira atividade.Créditos: Brasil de Fato (Mauro Ramos)
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Qual a relevância do diálogo Brasil e China para um desenvolvimento mais equitativo e sustentável? Qual o papel da colaboração internacional no enfrentamento de questões como fome, mudanças climáticas e fortalecimento das comunidades rurais? 

Para responder a essas questões ocorre em Brasília (DF), nesta terça-feira (26) e quarta-feira (27), o "Fórum Brasil-China: Marcos para uma nova cooperação para o desenvolvimento compartilhado”

O evento reúne nesses dois dias lideranças acadêmicas, governamentais e sociais para debater o fortalecimento da agricultura familiar e o desenvolvimento rural sustentável. 

A iniciativa integra as ações do Centro Brasil-China para a Agricultura Familiar, criado em 2023 após um Memorando de Entendimento firmado entre a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade de Agricultura da China (CAU, da sigla em inglês). Essa parceria busca promover inovações práticas e teóricas voltadas à sustentabilidade e contribuir para a revitalização rural e o combate à fome.

Especialistas, representantes de movimentos sociais, acadêmicos e governantes dos dois países discutem temas como cooperação geopolítica, mecanização agrícola, segurança alimentar, agroecologia e transição ecológica.

Geopolítica para o desenvolvimento do Sul Global

O primeiro painel, realizada na tarde de terça, contou com a participação do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile; do presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann; da representante da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CAS, da sigla em inglês) Liang Yongmei; e do vice-presidente da TCL, empresa chinesa fabricante de equipamentos eletro-eletrônicos, Yue Haiping.

Cooperação Brasil-China como modelo para agricultura familiar

Brasil de Fato (Mauro Ramos) - João Pedro Stédile e Márcio Pochmann durante painel do fórum.

Durante sua fala, Stédile destacou a importância estratégica da parceria entre Brasil e China para superar desafios históricos da agricultura brasileira e fortalecer a soberania nacional frente às dinâmicas globais.

O líder do MST iniciou sua intervenção contextualizando o evento como parte de uma "longa caminhada" na construção de laços entre os dois países. Ele sublinhou o papel das universidades, dos movimentos populares e de governos progressistas, como o Consórcio do Nordeste e a gestão do presidente Lula, na promoção dessa cooperação.

"Vivemos uma crise estrutural do sistema capitalista, marcada pela incapacidade de atender às necessidades básicas da população, como trabalho, alimentação e moradia. Esse modelo predatório precisa ser superado com alternativas solidárias e sustentáveis, como a agricultura familiar", afirmou.

Stédile apontou que o Brasil sofre as consequências de uma economia historicamente dependente, moldada por séculos de colonialismo e influência dos Estados Unidos. Ele destacou os impactos negativos do agronegócio, descrito como "predador" e insustentável ambiental e socialmente, devido ao uso excessivo de agrotóxicos e à concentração de terras.

"O agronegócio só produz commodities para exportação e destrói a natureza. Já a agricultura familiar, baseada no trabalho dos camponeses, é o futuro do país. É ela que garante alimentos saudáveis e a preservação ambiental", enfatizou.

Defendendo o fortalecimento da agricultura familiar, Stédile ressaltou o potencial da parceria com a China para trazer avanços tecnológicos e mecanização ao campo brasileiro. Ele elogiou as máquinas agrícolas chinesas como soluções acessíveis e eficientes, capazes de aumentar a produtividade e reduzir o esforço físico dos trabalhadores.

"Se a China trouxer fábricas de máquinas para o Brasil, isso representará uma verdadeira revolução na agricultura familiar. Precisamos de tecnologia acessível que seja fruto de parcerias solidárias, e não da lógica do lucro a qualquer custo", afirmou.

Stédile também destacou que a aliança entre Brasil e China é estratégica para enfrentar a hegemonia dos EUA.

"A China só conseguirá derrotar os Estados Unidos em parceria com os povos do Sul Global. Conte com o povo brasileiro para essa luta."

Encerrando sua fala, Stédile fez um apelo por um projeto de país que recupere a soberania nacional, promova o desenvolvimento sustentável e valorize os camponeses e trabalhadores marginalizados. Ele afirmou que a integração entre Brasil e China pode ser um exemplo de cooperação internacional baseada na solidariedade e no respeito mútuo.

"Este fórum é um marco importante para construir soluções concretas e avançar rumo a um modelo de desenvolvimento que coloque o bem-estar das pessoas e da natureza acima dos interesses do capital," concluiu.

Decadência ocidental e os desafios globais

Pochmann abordou as transformações históricas da modernidade e ressaltou a necessidade de um novo projeto que rompa com o modelo ocidental dominante dos últimos 500 anos. Segundo ele, a decadência do modelo capitalista ocidental exige uma reavaliação das bases que sustentam o desenvolvimento e a integração global.

"Estamos vivendo uma mudança de época. A modernidade ocidental, fundada na exploração da natureza e na lógica da acumulação, não tem futuro. Precisamos construir um projeto que desafie o presente e o passado, projetando soluções que respondam às crises climáticas, sociais e econômicas," afirmou.

O presidente do IBGE destacou que o modelo ocidental de modernidade, enraizado na exploração de recursos naturais e na acumulação de riqueza, gerou desigualdades extremas e uma crise climática sem precedentes. Ele questionou a viabilidade de um desenvolvimento sustentável dentro do capitalismo e apontou para a urgência de novas abordagens.

"Insistir nesse projeto de decadência não se apoia na inteligência humana. A mudança climática, os conflitos geopolíticos e a crescente desigualdade são sinais claros de que precisamos de um novo paradigma," disse.

O economista traçou paralelos entre o contexto atual e momentos históricos marcantes, como a Idade de Ouro do Islã e a Revolução Industrial, que moldaram diferentes projetos de modernidade. Para ele, o Brasil está em um ponto de inflexão, com a China assumindo o papel de principal parceiro comercial desde 2009, rompendo uma dependência histórica de Portugal, Inglaterra e, posteriormente, Estados Unidos.

"A ascensão da China como principal parceiro comercial do Brasil representa uma mudança significativa, especialmente no que diz respeito à integração econômica e à redefinição das rotas comerciais globais. Esta relação nos permite repensar nosso papel no mundo," afirmou.

Pochmann também discutiu os desafios do Brasil, como a desigualdade regional e a concentração populacional em áreas de baixo dinamismo econômico. Ele destacou o avanço de municípios voltados para o comércio exterior no interior do país, contrastando com regiões litorâneas economicamente estagnadas.

"Precisamos de um projeto nacional que dialogue com essa nova modernidade e enfrente as desigualdades históricas. A integração com a China e a América do Sul é crucial para reequilibrar o desenvolvimento do país," afirmou.

Encerrando sua fala, Pochmann enfatizou que a modernidade futura deve priorizar os direitos humanos e a cooperação Sul-Sul, rompendo com valores competitivos e exploratórios que caracterizaram os últimos séculos. Para ele, o Brasil tem a oportunidade de construir um projeto inovador que integre tecnologia, sustentabilidade e justiça social.

"O Brasil de 2050 já começou a ser desenhado hoje. Precisamos ousar fazer diferente, inovar e criar um projeto nacional que não seja a repetição do passado, mas um caminho para um futuro compartilhado e mais equitativo," concluiu.

Exemplo de desenvolvimento da China

Liang Yongmei, do Instituto de Economia Industrial da CAS, comentou o modelo de desenvolvimento adotado pela China.

“A estratégia de priorizar o desenvolvimento da indústria pesada permitiu que a China estabelecesse rapidamente um sistema econômico-industrial nacional relativamente completo e independente em um período de tempo curto”, disse.

Já Yue Haiping, vice-presidente da TCL, comentou sobre a estratégia da empresa para atuar no mercado latino-americano.

“Construímos bases de expansão estáveis no cenário global, validando grandiosas experiências. O mercado brasileiro é uma estratégia importante para a TCL, que segue 3 princípios nas suas colaborações na América Latina: respeito, transparência e honestidade”, comentou.

Estratégia Tecnológica para a Agricultura Familiar

Brasil de Fato (Mauro Ramos) - Painel debate estratégia tecnlógica para a agricultura familiar.

O segundo painel, “Estratégia Tecnológica para a Agricultura Familiar na Cooperação Brasil-China” abordou desafios e soluções tecnológicas e contou com a presença do  presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera; de Ceres Hadich, coordenadora nacional do MST; de Miriam Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM); do representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Arnaldo Brito; do coordenador do Centro de Agricultura Familiar Brasil-China, Sérgio Sauer.

A China foi representada pelo conselheiro agrícola da Embaixada da China no Brasil, Wu Changxue; e pelo professor da Universidade Agrícola da China (CAU, da sigla em inglês) Dr. Zao Zhang.

Pansera chamou a atenção do crescimento da economia chinesa desde a década de 1980 graças ao esforço contínuo do país asiático.

“Nos anos 80, a economia chinesa era muito intensa, com um PIB nominal equivalente ao do Brasil. Hoje, no entanto, o PIB da China é de 7 a 8 vezes maior, representando um crescimento impressionante. A história que se conta sobre a China, desenvolvendo a tecnologia e as fábricas pesadas, mostra um esforço contínuo do país”, destacou.

Sauer ressaltou o impacto do uso de equipamentos para ampliar as áreas de cultivo da agricultura familiar.

“Menos de 5% da média nacional das áreas de cultivo conhecidas como agricultura familiar têm acesso a tratores. E o trator, vale destacar, é considerado o equipamento inicial, essencial para impulsionar a mecanização e o desenvolvimento da produção”, observou.

Míriam observou a questão de gênero no uso de equipamentos agrícolas.

“A tecnologia se desenvolve dentro de um contexto marcado pela divisão social, sexual e internacional do trabalho. As novas tecnologias precisam considerar não apenas o olhar sobre os corpos masculinos nos seu desenvolvimento, mas trazer as perspectivas das mulheres para esse processo de produção tecnológica”, sublinhou.

Brito enfatizou a necessidade de ampliar os recursos  para a agricultura familiar no orçamento do governo federal.

“Quando dizemos que a agricultura familiar precisa estar no orçamento do governo brasileiro, estamos afirmando que ela tem a missão de produzir alimentos. Isso nos leva a refletir sobre o modelo de agricultura familiar que desejamos. Essa estratégia passa pela necessidade da Reforma Agrária, pelo desenvolvimento do meio rural e pela garantia da permanência da juventude no campo."

Zao Zhang comentou sobre a importância da produção do Brasil para a China.

"A produção brasileira é muito importante para a China, tem uma complementaridade de oferta e demanda desse mercado, principalmente na área da agricultura familiar. A China tem interesse em expandir essa relação em toda a América Latina."

Sobre o Fórum

O "Fórum Brasil-China: Marcos para uma nova cooperação para o desenvolvimento compartilhado”, é organizado em parceria com o Instituto Taihe, a Associação Internacional para a Cooperação Popular (Baobab/IAPC) e o MST, o fórum reflete a crescente aproximação entre Brasil e China nesse campo.

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Com patrocínio da Fundação Banco do Brasil (FBB) e apoio de instituições como a Secretaria Geral da Presidência da República, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Finep, o fórum busca consolidar parcerias que impulsionem a sustentabilidade agrícola e a inclusão social, alinhando-se aos desafios contemporâneos do Sul Global.

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