A visita de Estado do presidente chinês, Xi Jinping, no ano em que celebramos o cinquentenário das relações diplomáticas Brasil-China, encerra o ciclo de aproximação e aprofundamento das relações bilaterais que transformou a China no maior parceiro comercial do Brasil, e inaugura uma nova fase dessa relação, na qual o desafio é consolidar parcerias e intercâmbios.
O fato do Brasil ter sido o primeiro país a estabelecer uma parceria estratégica com a China, por si só, demonstra a importância e o potencial dessa relação bilateral, vista como um modelo para as relações Sul-Sul. Como membros fundadores do BRICS, Brasil e China passaram a desempenhar um papel cada vez mais central na defesa de uma ordem mundial multipolar, buscando dar maior protagonismo aos países emergentes.
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Mais que isso, as relações sino-brasileiras têm tamanha importância para os dois países, que a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), criada durante a primeira visita do presidente Lula à China, em 2004, e co-presidida pelos vice-presidentes dos dois países, se consolida como um mecanismo de cooperação bilateral único no mundo.
Amizade com mais de dois séculos de história
A primeira onda de imigração chinesa para o Brasil aconteceu no início do século 19, quando Dom João VI solicitou a importação de mudas de chá e de trabalhadores experientes no cultivo da planta, como parte de um ambicioso plano para tornar o Brasil um exportador dessa bebida milenar de origem chinesa.
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Mas a influência cultural da China em terras tupiniquins vai muito além: as caravelas portuguesas que viajavam entre Macau e Lisboa trouxeram ao Brasil as pipas e os fogos de artifício, a porcelana e a seda, a canja, a laca, as bandeirinhas coloridas de festa junina e muitas outras coisas, o que levou o antropólogo Gilberto Freyre a chamar o Brasil de “China tropical.”
Acredita-se, inclusive, que o pastel, iguaria típica do Brasil, tenha sido inventado por imigrantes chineses que vendiam comida nas ruas do Rio de Janeiro, sendo fruto da necessidade de adaptar pratos chineses aos ingredientes disponíveis e ao gosto dos fregueses.
Mesmo nos momentos em que Brasil e China tiveram pouco ou nenhum contato oficial, a China permaneceu no imaginário brasileiro: apesar da barreira da língua, sucessivas gerações de intelectuais brasileiros se interessaram por literatura, filosofia e arte chinesas.
Cúpula do G20 reforça uma parceria campeã
Dividida em três eixos, combate à fome, à pobreza e à desigualdade; desenvolvimento sustentável, enfrentamento às mudanças climáticas e transição energética; e reforma da governança global, a reunião do G20 mostrou o entrosamento entre Brasil e China, dois craques do time do Sul Global.
O ponto alto foi o lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, objetivo central da presidência brasileira no G20. “Este será o nosso maior legado. Não se trata apenas de fazer justiça. Essa é uma condição imprescindível para construir sociedades mais prósperas e um mundo de paz,” declarou o presidente Lula ao lançar a iniciativa.
“A fome e a pobreza não são resultado da escassez ou de fenômenos naturais. A fome, como dizia o cientista e geógrafo brasileiro Josué de Castro, ‘a fome é a expressão biológica dos males sociais’. É produto de decisões políticas, que perpetuam a exclusão de grande parte da humanidade,” afirmou Lula.
Xi, por sua vez, atentou para o sucesso de seu país em erradicar a pobreza extrema em sua população de 1,4 bilhão de habitantes.
“O caso da China prova que países em desenvolvimento podem se livrar da pobreza”.
O livro "Superar a Pobreza", do presidente Xi Jinping, recentemente lançado no Brasil, nos ajuda a aprender com a valiosa experiência chinesa.
“Redução da pobreza sempre foi uma prioridade e uma tarefa central que eu estava determinado a entregar”, afirmou Xi durante a cúpula do G20.
No segundo eixo do G20, a China é o grande parceiro da transição energética do Brasil e do mundo, liderando os setores de automóveis elétricos, geradores eólicos, células fotovoltaicas e fornecendo tecnologias e serviços.
E no terceiro eixo, Brasil e China têm defendido reformas na ONU e no sistema de Bretton-Woods, defasados e incapazes de atender às necessidades do Sul Global. Tanto Xi quanto Lula são enfáticos na defesa de uma ordem mundial multipolar e inclusiva, criticam a hegemonia do dólar e as sanções unilaterais, e buscam dar voz aos emergentes nos fóruns internacionais.
A Rota da Seda encontra o Caminho do Peabiru
Inspirada na antiga Rota da Seda, uma rede de caminhos que interligava a Eurásia e serviu não apenas para o comércio, mas também para ricos intercâmbios que beneficiaram todos os povos ao longo das rotas, a iniciativa Cinturão e Rota, proposta por Xi Jinping em 2013, tem sido o motor de crescimento de diversos países.
Muito além do financiamento de obras de infraestrutura, a iniciativa estimula intercâmbios, cooperações e compartilhamento de recursos e informação nas mais diversas áreas, além de dar visibilidade aos países participantes e facilitar seu acesso ao mercado chinês.
O porto de águas profundas de Chancay, no Peru, foi inaugurado no dia 14 de novembro. Além de ser uma vitrine da iniciativa Cinturão e Rota, Chancay é o primeiro porto inteligente e verde da América do Sul, incorporando modernas tecnologias que reduzem custos e otimizam as operações. Ligando Chancay a Shanghai em apenas 23 dias, o novo porto reduz o custo logístico em pelo menos 20% e metaforicamente interliga a Trilha Inca e a Rota da Seda.
A mudança do centro de gravidade da economia mundial, do Atlântico para o Pacífico, torna imperativo para o Brasil a busca por um novo Caminho do Peabiru que torne as exportações brasileiras mais competitivas nos mercados asiáticos. Ao mesmo tempo, a interligação Sul-americana pode favorecer o surgimento de cadeias produtivas transnacionais explorando a complementaridade das economias da região, o que ajudaria a expandir e consolidar o Mercosul e sua relação com a Ásia.
Futuro Compartilhado
A contribuição da China para o desenvolvimento econômico brasileiro pode ir muito além das trocas comerciais e da interligação de infraestruturas. A internacionalização da indústria chinesa abre oportunidades imensas para o Brasil: somente a recém inaugurada fábrica da BYD gerou cerca de 10 mil empregos, sendo que parte de sua produção é exportada, gerando superávit para o Brasil.
Outro ponto que merece atenção são as cadeias de produção e venda de máquinas agrícolas, que no Brasil focam no agronegócio, mas na China possuem uma vasta gama de empresas focadas em equipamentos para agricultura familiar dispostas a explorar o mercado brasileiro, o que pode ajudar a expandir e baratear a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, aumentar a renda das famílias do campo.
O sucesso do projeto CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), talvez a mais bem sucedida parceria científica da história do Brasil, encorajou a busca por cooperações em outras áreas. Nos últimos anos, Brasil e China firmaram acordos em setores como biocombustíveis e desenvolvimento de vacinas e medicamentos, que podem resultar em produtos e tecnologias benéficas para toda a humanidade.
Em um mundo cada vez mais interligado, no qual os desafios são globais, a construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade e a Iniciativa de Civilização Global, propostas pelo presidente Xi Jinping, sinalizam o compromisso da China com o desenvolvimento conjunto e a busca pela prosperidade comum de todos os povos do mundo.
Com a visita de Xi Jinping encerrando com chave de ouro as comemorações dos 50 anos de relações diplomáticas, é hora de olhar para o futuro. O aprofundamento das relações Brasil-China é o caminho natural que resulta da complementaridade das duas economias e da inserção dos dois países no Sul Global.
Trabalhando juntos em busca de soluções para os desafios mundiais e buscando o desenvolvimento conjunto e a prosperidade comum, Brasil e China devem estreitar ainda mais a amizade e a cooperação, construindo um belo futuro compartilhado.
* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há oito anos.
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum