CHINA EM FOCO

China: jovens dos países do BRICS debatem herança cultural e inovação

Jornalista brasileiro radicado em Pequim relata evento realizado na cidade de Yichun, na província chinesa de Jiangxi

Mariana Canuto e o mestre Ren Jing.Mariana Canuto aprende a pintar com o mestre Ren JingCréditos: Rafael Henrique Zerbetto
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Organizado conjuntamente pela Academia de Estudos da China e do Mundo Contemporâneos (ACCWS, da sigla em inglês) e pelo Escritório de Comunicação do Governo Popular da cidade de Yichun, na província chinesa de Jiangxi, o evento "Turnê Inteligente em Jiangxi", do programa Diálogo de Jovens Lideranças Globais (GYLD, da sigla em inglês), teve como destaque a herança cultural e a inovação.

Realizado entre os dias 24 e 27 de outubro, logo após a reunião de cúpula do BRICS em Kazan, na Rússia, essa edição especial do evento contou com a presença de 14 jovens de dez países, a maioria deles oriundos de países membros do BRICS.

Por meio de um processo de descoberta e experimentação da rica e diversa vida cultural de Yichun, os participantes do evento não somente aprofundaram seus conhecimentos a respeito da cultura chinesa como também foram estimulados a refletir e debater a relação, aparentemente paradoxal, entre herdar a tradição e promover a inovação na área cultural, o que abre caminho para a reflexão sobre como fortalecer a aprendizagem mútua e os intercâmbios culturais entre os países membros do BRICS.

A morte dos sóis

Rafael Henrique Zerbetto - Lago sobre o Monte Mingyue

No primeiro dia do evento, os jovens visitaram o Monte Mingyue, um cartão postal da cidade conhecido não apenas por sua natureza exuberante, mas também por sua relação com uma antiga lenda chinesa sobre um dia em que dez sóis apareceram no céu ao mesmo tempo, tornando o mundo extremamente quente, fazendo as plantas secarem e se incendiarem.

Para salvar a humanidade e todos os seres vivos do planeta, o arqueiro chinês Houyi atirou contra os diversos sóis, “matando-os”, e deixando apenas um para nos fornecer a quantidade adequada de luz e calor. Como prêmio por seu grande feito, o arqueiro ganhou um elixir capaz de torná-lo imortal.

Sua esposa Chang’e bebeu o elixir e se tornou imortal, sendo obrigada a ir viver no céu, que é onde moram os imortais, e escolheu a lua como seu novo lar. Dizem que a subida de Chang’e em direção ao céu começou no Monte Mingyue, e suas lágrimas de tristeza por nunca mais poder ver Houyi deram origem ao lago no alto do monte.

Indústria cultural criativa

De lá, os jovens foram para um parque temático inspirado na lenda de Chang’e para conhecer o desenvolvimento da indústria cultural criativa promovido por essa lenda: do comércio de artesanato local às apresentações de danças e espetáculos teatrais, a cultura de Yichun tem sido transmitida às novas gerações de diferentes maneiras.

O uso de novas tecnologias e experiências imersivas tornam a história de Chang’e e diversas outras tradições culturais mais atrativas para os visitantes, o que ajuda a desenvolver o turismo local e aumentar a renda dos moradores, principalmente nos vilarejos. Particularmente interessante é o espetáculo de dança dramática sobre a Houyi e Mingyue, cheio de efeitos especiais, acrobacias e inovações que surpreendem o público.

"Um momento memorável do dia foi a dança dramática sobre Chang'e, e o parque temático em Ychun consegue ligar esta lenda histórica com o interesse dos turistas de hoje. O espetáculo apresenta uma riqueza de símbolos culturais valendo-se de um palco de alta tecnologia com artistas de alto nível. A viagem de Chang'e à Lua é um elemento importante da cultura chinesa," explica o cientista político Abdulla Alhemeiri, dos Emirados Árabes Unidos.

Rafael Henrique Zerbetto - Dança dramática conta a história de Chang’e

"Na tradição árabe, a lua tem diversos significados simbólicos em comum com aqueles apresentados na história de Chang'e, no qual a lua é associada a beleza, graça, amor, atração e deslumbramento. Essa combinação entre uma maneira inteligente de contar a história e o uso de simbologias universais torna Yichun um lugar que precisa ser visitado por quem busca uma compreensão profunda do patrimônio cultural da China", conclui Abdulla.

Água rica em selênio

Yichun também é conhecida por seu solo e suas águas ricas em selênio. Na vila de Wentang, famosa por ter a mais antiga fonte de água rica em selênio conhecida na China, com história de mais de dois mil anos, o desenvolvimento do setor de turismo combina atividades de passeio, diversão e cuidados com saúde e beleza, de acordo com o conceito “ver as montanhas, ver as águas e sentir nostalgia do campo.”

O russo Aleksander Kubyshkin se entusiasmou com a qualidade da água rica em selênio, que pode ser bebida direto da fonte, e com a diversidade de negócios criados em torno dela: “O fato de que os moradores não precisam ferver a água [chineses têm o hábito de beber água quente] também é bom, contribui para o meio-ambiente e economiza recursos.”

Rafael Henrique Zerbetto - O etíope Zelalem Abebe experimenta água rica em selênio direto da fonte.

“Após minha visita ao Monte Mingyue, eu aproveitei a fonte de água rica em selênio ao explorar a vila de Wentang. O selênio é essencial para a saúde humana, influencia o metabolismo dos hormônios da tireóide e tem efeito antioxidante, o que reduz o risco de diversas doenças”, afirma o etíope Zelalem Abebe, professor de ciência e engenharia de materiais da Academia Chinesa de Ciências.

“É interessante notar que os moradores locais, que residem ao pé do Monte Mingyue, incorporaram a água rica em selênio em sua vida diária. Isso pode ser um fator que ajuda a explicar a baixa incidência de certas doenças, como o câncer”, observa.

Artes marciais desde a infância

Rafael Henrique Zerbetto - Mestre de artes marciais demonstra suas habilidades.

No vilarejo de Baima, na vila de Nanmiao do distrito de Yuanzhou, as crianças começam desde cedo a aprender artes marciais. Registros históricos comprovam que o povo desde local já era conhecido por suas habilidades em artes marciais desde a dinastia Ming.

Desde 2010, as artes marciais de Yuanzhou-Nanmiao são patrimônio cultural imaterial de Jiangxi. Reunindo uma diversidade de estilos, a maioria deles categorizados como artes marciais do sul da China, elas são ensinadas a todos os alunos da escola primária local.

O treinamento busca fortalecer o corpo e a mente por meio de rotinas fáceis de aprender, sendo útil tanto para defesa pessoal quanto para manter uma rotina de exercícios. Os velhos mestres de artes marciais de Baima se movimentam como se fossem jovens de 20 anos.

“A China investe muito dinheiro em infraestruturas públicas para criar um ambiente cultural que todo mundo pode aproveitar”, observa a indiana Prakruti Ramesh, pesquisadora da universidade Tsinghua.

“A disponibilidade de parques, jardins e outras estruturas públicas de alta qualidade permite que as pessoas pratiquem pequenas atividades criativas que enriquecem a vida cultural”, afirma Prakruti, que mora em Pequim, uma cidade grande, e aproveitou a visita para pesquisar as condições da infraestrutura urbana em cidades menores.

Capital dos fogos de artifício

Rafael Henrique Zerbetto - Wanzai, a capital dos fogos de artifício

Na cidade antiga de Wanzai, onde encontra-se preservado um raro conjunto arquitetônico tradicional da região ocidental de Jiangxi, os jovens talentos estrangeiros tiveram a oportunidade de visitar casas ancestrais de famílias locais e experimentar as tradições culturais, entre elas a técnica de fabricação de tecidos a partir de uma planta da região e a degustação do chá de Wanzai.

Conhecida como “Capital dos fogos de artifício” por sua longa tradição na fabricação desse tipo de produto, a cidade emprega cerca de 200 mil pessoas neste setor. Para desenvolver o turismo histórico-cultural através da indústria criativa, a cidade antiga agora realiza belas apresentações de fogos de artifício aos sábados, que atrai muitos visitantes.

Cultura chinesa

A última atividade do grupo na cidade foi uma visita ao Museu de Yichun e à Galeria de Arte de Yichun, duas instituições que conservam e transmitem às futuras gerações o patrimônio cultural local. A brasileira Mariana Canuto, professora de língua portuguesa na Universidade Jiaotong de Pequim, se entusiasmou com a oportunidade de aprender técnicas de artes chinesas como impressão, recorte de papel e pintura.

“Foi muito especial ter a chance de aprender com o mestre Ren Jing, um artesão rural muito conhecido em Yichun. Ele me ensinou sua técnica para pintar telas. Como artista, foi emocionante conhecê-lo e aprender com alguém que promove a cultura chinesa de uma forma tão única e bela. O mais importante é que ele me presenteou com a tela que pintamos juntos!”, recorda Mariana.

“O programa GYLD foi lançado no fim de 2020 e até agora atendeu cerca de 300 jovens talentos de diferentes áreas, vindos de mais de 80 países, por meio de intercâmbios culturais profundos e interações regulares. 'Entender a China e se comunicar com o mundo' é o slogan e o objetivo original de nosso projeto”, afirma Sun Ming, vice-presidente da ACCWS.

“Podemos dizer que as muitas atividades sob a estrutura do programa GYLD se tornaram uma nova ponte para os intercâmbios entre jovens da China e do mundo”, conclui.

* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há oito anos.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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