CHINA EM FOCO

BRICS+: Reconhecimento, equilíbrio e multilateralismo inclusivo

Em artigo, o professor associado da Universidade de Macau, na China, Francisco José Leandro, explica em três tópicos o que significa a expansão do bloco de países em desenvolvimento

Créditos: Presidência da República (Ricardo Stuckert) - Os líderes dos países do BRICS: da esq. para a dir.: os presidentes Lula (Brasil), Xi Jinping (China) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), o premiê Narendra Modi (Índia) e o chanceler Sergey Lavrov (Rússia)
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A Goldman Sachs estima que em 2050, o PIB da Ásia atingirá 90,6 biliões de dólares (exceto os mercados em desenvolvimento) e o PIB total mundial será de 227,9 biliões de dólares. Na mesma linha, o World Economic Outlook (FMI, 2023), estima que, em 2028, o PIB do BRICS (Paridade do Poder de Compra - PPC) atingirá 33,65% e o PIB do G7 representará 27,77% do PIB mundial. Portanto, parece que o futuro próximo será impulsionado pelo desenvolvimento econômico asiático e, dentro de cinco anos, o BRICS se tornarão uma força económica líder. No contexto deste cenário futuro, o BRICS anunciou a sua transformação em BRICS+, expandindo o seu número de membros de quatro (2009) para cinco (2011) e novamente para 11 (2023). O que deverá a comunidade internacional ler destes desenvolvimentos recentes? A resposta se desenvolve em três linhas de raciocínio.

Em primeiro lugar, o reconhecimento – O mecanismo BRICS começou com a reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos BRIC à margem da Assembleia Geral da ONU em 2006. Em 2009, foi elevado ao nível de cúpula para ser realizado uma vez por ano. Até 2023, os líderes do BRICS convocaram 15 reuniões formais de alto nível. Em abril de 2011, a África do Sul participou, pela primeira vez, da 3ª Cúpula do BRICS realizada em Sanya – China. Portanto, “BRICs” com letra minúscula “s” mudaram para “BRICS” com letra maiúscula “S”. Em março de 2013, os líderes do BRICS convocaram a 5ª Cúpula do BRICS em Durban – África do Sul. Esta cúpula também abriu uma nova porta para o diálogo entre os líderes dos BRICS e os líderes africanos. Em outubro de 2016, o grupo convocou a 8ª Cúpula do BRICS em Goa – Índia. À margem da cúpula, os líderes do BRICS mantiveram um diálogo com os líderes dos Estados membros da Iniciativa da Baía de Bengala para a Cooperação Técnica e Económica Multissetorial (BIMSTEC). Em 2022, a 14ª Cúpula do BRICS, presidida pela China, capitalizou a contínua expansão das áreas de trabalho, colocando novamente no centro do debate Sul-Sul o combate à pobreza e a inovação para a sustentabilidade, no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Finalmente, em Agosto de 2023, organizada pela África do Sul, a 15ª Cúpula do BRICS, presidida pelo Presidente Ramaphosa, foi comprometida com África. Uma ocasião perfeita para anunciar o alargamento à Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Irã e Etiópia.

Esta sequência de acontecimentos, que culminou com a adesão de seis novos Estados soberanos de África, América do Sul, Oriente Médio e Ásia Central, demonstra consistência, sentido de propósito, compromisso político e reconhecimento externo. Além disso, demonstra também que a comunidade internacional validou a existência do BRICS, como uma plataforma alternativa para novos padrões de cooperação Sul-Sul, bem como um mecanismo de equilíbrio, no contexto da construção de uma ordem económica global justa.

Em segundo lugar, equilíbrio – De acordo com o relatório preparado a pedido do Grupo de Trabalho de Comércio e Investimento do BRICS sob a Presidência da China em 2022, o BRICS é o bloco econômico mais importante do mundo, representando mais de um quarto do PIB global e 42% da população mundial. Em 2022, o BRICS representavam 23% dos fluxos econômicos globais, 18% do comércio global de bens, 25% do investimento estrangeiro e o seu PIB ultrapassou o G7. Em 2014, o BRICS criaram o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingente de Reservas. Estas instituições apoiam uma série de projetos, nomeadamente projetos de energias renováveis no Brasil, programas de modernização da rede ferroviária na Índia e novas estradas com portagem na Rússia. O NDB aprovou mais de 80 projetos e desembolsou aproximadamente 30 bilhões de dólares em empréstimos. O NDB é financiado pelos cinco Estados membros do BRICS de maneira igualitária, e todos os cinco membros têm igual direito de voto e não há veto de um voto. O NBD não impõe condições duras ao mesmo tempo que fornece financiamento de infraestruturas aos Estados membros e a outras economias de mercado emergentes e países em desenvolvimento. O NBD poderá se tornar um complemento às instituições financeiras internacionais presentes no sistema de Bretton Woods, assim, será possível aumentar a voz do BRICS na governança global.

Desde a sua criação, o BRICS tem trabalhado na cooperação setorial em muitas áreas, nomeadamente - ciência e tecnologia, comércio, banco, investimento, energia, agricultura, saúde e luta contra o crime transnacional. Atualmente, a cooperação setorial abrange mais de 30 áreas temáticas. Entre elas, como insistiu o Presidente brasileiro, Lula, novamente em Joanesburgo, está a criação de uma moeda única. O que testemunharemos num futuro próximo é provavelmente o reforço da desdolarização, em particular no que diz respeito aos acordos comerciais bilaterais e multilaterais em moedas diferentes do dólar. O BRICS tem mantido uma posição muito clara contra a hegemonia do dólar, tirando partido do seu excedente da balança de pagamentos comerciais (em 2022, o BRICS como um todo registaram um excedente comercial de 387 milhões de dólares). O Presidente Xi, ao discursar na cúpula, apontou claramente a direção para as novas áreas de cooperação, nomeadamente economia digital, economia verde, cadeia de abastecimento (…) inovação (…) inteligência artificial, educação e intercâmbios culturais e interpessoais.

É verdade que os países desenvolvidos ainda são dominantes na governação global. No entanto, os países BRICS conseguiram fazer com que o mundo percebesse que a voz dos países em desenvolvimento não pode mais ser ignorada. Este alargamento reforça essa ideia. Todas estas razões permitem-nos antecipar que o BRICS não vai existir sem a China e a sua existência, bem como este último alargamento, tem o potencial de orientar o desenvolvimento global e de procurar uma nova era de equilíbrio, particularmente em toda a arquitetura financeira global.

Por último, multilateralismo inclusivo – Os cinco Estados membros estão dispersos geograficamente e os 11 membros continuarão a estar. As suas 11 economias encontram-se em diferentes fases de desenvolvimento e revelaram frequentemente discrepâncias ideológicas e numa série de questões bilaterais. No entanto, o que o recente alargamento demonstra é claro: apesar de todas as diferenças e de todos os desafios que a constituição de um bloco econômico deste tipo implica, o BRICS abriu a porta a seis novos Estados soberanos, sem condições prévias, em relação aos seus sistemas políticos ou resiliência econômica. Suas diferenças foram mitigadas para promover continuamente novas possibilidades, abordagens inovadoras e aprofundamento e diversificação ao longo do tempo. O BRICS reforçar o seu apelo político, atraindo mais estados, expandindo mercados e promovendo a cooperação Sul-Sul. Os seus mecanismos internos e interações externas tornaram-se uma inspiração para apoiar níveis mais elevados de cooperação multilateral nas esferas regional e global.

O Secretário-Geral das Nações Unidas, dirigindo-se à Cúpula do BRICS, declarou: “Cheguei à cúpula do BRICS com uma mensagem simples: num mundo fraturado e dominado por crises, simplesmente não há alternativa à cooperação” (Guterres, ONU, 2023). Na verdade, a cooperação entre unidades políticas diferentes, que não partilham as mesmas características políticas e econômicas, é provavelmente arriscada, mas é certamente um sinal da sua vontade de promover níveis mais elevados de multilateralismo inclusivo. O BRICS+ afirma um novo nível de influência política e econômica, de uma forma que apanhou muitos céticos desprevenidos. Abster--se de intervir nos assuntos internos de outros membros e procurar encontrar o “maior fator comum” entre eles parecem ser elementos-chave para o sucesso. Eles caminham juntos em um caminho mutuamente benéfico e em que todos ganham. No entanto, este maior fator comum é provavelmente a principal causa de uma espécie de descolonização econômica, pois é a primeira vez na história que uma iniciativa se desenvolve como alternativa a Bretton Woods e, ao mesmo tempo, pressiona por reformas a nível Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio e Banco Mundial.

Quando, em 2001, a Divisão de Investigação de Investimento Global da Goldman Sachs publicou: “Construir BRICs Econômicos Globais Melhores” e cunhou o acrônimo para os quatro países (BRIC), não podiam imaginar que esta organização iria remodelar a economia mundial. Em 2003, seguiu-se outra investigação orientada para o BRICs, realizada pela Goldman Sachs. Desta vez (2003), em “Sonhando com os BRICs: O Caminho para 2050”, (Global Economics Paper No: 99), Goldman Sachs (página 2) declarou: “Se as coisas correrem bem, em menos de 40 anos, as economias do BRICs juntos poderiam ser maiores que o G6 (França, Alemanha, Itália, Polônia, Espanha e Reino Unido). Em 2025, poderão representar mais de metade do tamanho do G6. Atualmente (2003), valem menos de 15% (…)”. Na verdade, não acertaram no número, mas certamente anteciparam corretamente a importância do BRICS em termos da economia global e do impacto transformacional da sua existência. Como o Presidente Xi mencionou no seu discurso na 15ª Cúpula do BRICS: “A vitória é assegurada quando as pessoas unem as suas forças; o sucesso é garantido quando as pessoas se unem”.

* Francisco José Leandro é professor associado da Universidade de Macau, na China

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum