“Vamos aderir à política nacional fundamental de igualdade de gênero e proteger os direitos e interesses das mulheres e dos menores”. Essa declaração foi feita pelo presidente chinês, Xi Jinping, durante o discurso de abertura da vigésima edição do Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh). O evento político mais importante do calendário do país asiático teve início neste domingo (16) e prossegue até sábado (22).
O trecho que aborda a equidade entre homens e mulheres, embora breve, tem um enorme peso para quase metade da população do país mais populoso do mundo. Dados do 7º censo nacional da China, divulgado em novembro de 2021 pelo Departamento Nacional de Estatísticas (DNE), mostram que quase metade dos habitantes (48,76%) do gigante asiático são do sexo feminino.
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A fala de Xi consta do nono capítulo do relatório do 19° Comitê Central do PCCh, “Melhorar o bem-estar do povo e elevar a qualidade de vida”, na seção que aborda “Aprimorar o sistema de seguridade social”.
Na conferência em andamento no Grande Salão do Povo, na Praça Tiananmen, em Pequim, dos 2.296 delegados participantes, 619 são mulheres. A representatividade feminina desta edição do evento corresponde a 27% do total, quase um terço do total. Houve um aumento de 2,8 pontos percentuais em comparação com o 19º Congresso Nacional do PCCh, realizado há cinco anos, em 2017.
A fala sobre equidade de gênero de Xi ecoa uma frase do líder revolucionário chinês, Mao Zedong: "As mulheres conseguem segurar a metade do céu". Essa concepção sobre o papel feminino na sociedade da República Popular da China resume a visão maoísta sobre o feminismo, que pretende firmar a igualdade entre homens e mulheres e coloca o enfoque da libertação feminina na entrada das chinesas no mercado de trabalho e na contribuição efetiva para a construção do socialismo chinês.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido para alcançar a equidade de gênero na China. Dos 371 integrantes do atual Comitê Central do PCCh, apenas 30 são mulheres. Esses membros vão eleger o Politburo, formalmente conhecido como Birô Político. Trata-se da alta cúpula do partido, o órgão decisório que é formado por 25 pessoas, das quais sete integram o Comitê Permanente do Politburo, um grupo de sete indivíduos que comandam os destinos da nação e são liderados pelo secretário-geral, cargo ocupado por Xi e para o qual deve ser reconduzido para o terceiro mandato consecutivo durante este congresso.
“Uma mulher nunca foi escolhida para integrar esta poderosa cúpula. Onde estão as mulheres na política chinesa?”. O questionamento foi feito pela pesquisadora peruana Patricia Castro Obando, doutora em antropologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Peru, onde é docente no Departamento Acadêmico de Ciências Sociais, no setor de Ciência Política.
Ela fez uma análise sobre a presença feminina na política chinesa e publicou na página dela no Facebook na qual aponta que desde a fundação do PCCh, há mais de um século, apenas oito mulheres integraram o Comitê Central e sempre em razão de ligações com homens poderosos.
Integram essa lista de lideranças femininas da Nova China três esposas de antigos líderes do PCCh. Jiang Qing (1914-1991), quarta esposa de Mao Zedong (1893-1976), conhecida como Madame Mao; Ye Qun (1917-1971), mulher do vice-presidente e chefe militar Lin Biao (1907-1971); e Deng Yingchao (1904-1992), casada com o primeiro premiê da República Popular da China, Zhou Enlai (1898-1976).
A exceção é Wu Yi, que não se casou com ninguém porque permaneceu solteira para praticar a política. Antes de chegar ao Politburo, em 2002, que elevou Hu Jintao à liderança do PCCh,Wu foi vice-prefeita de Pequim, vice-ministra do Comércio Exterior e mais tarde vice-primeira-ministra.
Wu é conhecida como Dama de Ferro da China por ter sido uma personagem-chave nas negociações para a admissão do país na Organização Mundial do Comércio, em 2001. Durante a epidemia de SARs, em 2003, ela foi nomeada ministra da Saúde e liderou a campanha.
A ascensão de uma mulher para liderar o enfrentamento de uma crise sanitária foi repetida para a pandemia da Covid-19. Atualmente, quem comanda a política zero-covid é Sun Chunlan, a mulher de mais alto escalão da política chinesa que também é vice-primeira-ministra. Ela é a sexta mulher no Birô Político. Foi eleita pela revista dos EUA Time como uma das pessoas mais influentes de 2022.
Aos 72 anos, Sun já ultrapassou a idade de aposentadoria. O início da carreira dela no PCCh começou na cidade portuária de Dalian, onde foi chefe do partido, passando pela província de Fujian e município de Tianjin, sempre na costa leste.
“Assim como Wu Yi, ela é conhecida como Dama de Ferro 2 por ser implacável em suas decisões. Espera-se que seu assento seja preenchido por outra mulher”, torce Patricia. Ela aponta que nesta vigésima edição do congresso, a favorita é Shen Yiqin, secretária do partido em Guizhou, no sudoeste do país. A única mulher entre 31 chefes regionais do partido, no comando de uma província.
A professora descreve que Shen, de 62 anos, do grupo étnico Bai e a primeira mulher a ocupar o cargo mais alto em Guizhou, tem uma ampla rede de contatos. Ela também não é esposa de um líder, mas trabalhou com Li Zhanshu, atual presidente do Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional e o terceiro membro do Politburo; Chen Min'er, secretário do PCCh em Chongqing (um dos quatro municípios administrados pelo governo central do país, junto com Pequim, Xangai e Tianjin), que já ocupou cargos de liderança em propaganda, segurança e na escola do partido.
Outra possível candidata, segundo Patricia, é Yu Hongqiu, também de 62 anos. Ela é a única mulher entre oito vice-secretários da Comissão Central de Inspeção Disciplinar, órgão que lida com o combate à corrupção, e tem experiência nos sindicatos que o partido controla.
Patricia observa que além da esfera Han, há outras políticas que se destacam, como Bu Xiaolin (grupo étnico mongol), Xian Hui (grupo étnico Hui) ou Li Bin (grupo étnico manchu). Em consonância com a figura Han Shen Yueyue, à frente da Federação das Mulheres da China, que passa por uma renovação.
Patricia comenta que desde 2000, existem cotas de gênero na política chinesa. O mais alto registra 20% de mulheres em órgãos de nível local ou distrital. Ela explica que essas políticas de cotas são atribuídas a setores como educação, cultura, saúde, mas nunca à economia, transporte ou portfólios da indústria.
“Onde estão as mulheres líderes? A gestão e administração dos órgãos governamentais já é território das mulheres, mas na base. Conforme você se move em direção ao topo, eles desaparecem. As políticas chinesas sustentam metade do céu, mas esse céu não lhes pertence”, provoca a pesquisadora.
A também pesquisadora Tings Chak, do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e do Dongsheng (Vozes orientais), um coletivo internacional de pesquisadores interessados pela política e sociedade chinesas, foi bom ouvir o secretário-geral do PCCh, Xi Jinping, mencionar a equidade de gênero no relatório apresentado ao 20º Congresso Nacional.
Tings ressalta que a China conquistou grandes avanços na questão de gênero, especialmente desde 1949, em indicadores como expectativa de vida, pobreza, saúde e educação.
Ela, que é chinesa, cita como exemplo a liderança do país no que diz respeito à equidade de gênero em termos de matrícula de mulheres no ensino superior. Em 2020, na classificação feita pelo Fórum Econômico Mundial, a China ficou na primeira colocação do mundo nesse aspecto.
“Em termos de saúde da mulher, um estudo recente da revista Lancet destacou os principais ganhos das últimas sete décadas, especialmente na mortalidade materna e infantil. Com relação à participação na política, cada vez mais mulheres estão ingressando no Partido ou assumindo posições de liderança”, elenca Tings.
Ela observa ainda que nas organizações de base do PCCh, a paridade de gênero já foi quase atingida, e cita o aumento da representatividade feminina na conferência em curso, de quase um terço: 27% ante 24% no 19º Congresso Nacional.
“Essa proporção é a mesma da do Congresso dos EUA, e muito acima do Congresso do Brasil, que é cerca de 14%. É claro que ainda há muito trabalho a ser feito. Como em todo o mundo, a falta de representação das mulheres na política está ligada a uma variedade de questões estruturais, desde atitudes patriarcais até a falta de sistemas de apoio social. O cuidado infantil e dos idosos, por exemplo, é uma das grandes questões que temos agora, e faz parte do trabalho e do caminho que nos espera” reflete.