INSEGURANÇA ALIMENTAR

Fome global atinge 295 milhões em 2024; Brasil avança na erradicação da insegurança alimentar

Relatório da ONU alerta para crises alimentares impulsionadas por conflitos, clima e economia, enquanto Lula lidera nova aliança internacional contra a fome até 2030

Relatório da ONU alerta para crises alimentares impulsionadas por conflitos, clima e economia, enquanto Lula lidera nova aliança internacional contra a fome até 2030
Fome global atinge 295 milhões em 2024; Brasil avança na erradicação da insegurança alimentar.Relatório da ONU alerta para crises alimentares impulsionadas por conflitos, clima e economia, enquanto Lula lidera nova aliança internacional contra a fome até 2030Créditos: Depositphotos
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Mais de 295 milhões de pessoas em 53 países e territórios enfrentaram níveis graves de insegurança alimentar em 2024, aponta o Relatório Global sobre Crises Alimentares 2025, divulgado nesta sexta-feira (16) pela FAO — agência da ONU para Alimentação e Agricultura. O documento revela que conflitos armados, eventos climáticos extremos e choques econômicos são os principais motores dessa crise, que afeta 22,6% da população analisada globalmente.

No prefácio do relatório, o secretário-geral da ONU, António Guterres, faz um alerta contundente: a fome não é um problema restrito a regiões ou períodos específicos, mas uma “cicatriz gravada na vida de milhões ao redor do planeta”. 

Segundo ele, o aumento consecutivo da fome aguda, que atingiu mais de 295 milhões de pessoas no ano passado, é impulsionado por conflitos, tensões geopolíticas, caos climático, vulnerabilidades ambientais e crises econômicas, marcando não semanas ou meses, mas anos e vidas inteiras.

A fome catastrófica atinge níveis recordes em países como Gaza, Sudão, Iêmen e Mali, levando famílias à beira da inanição. O deslocamento forçado também se intensificou, com mais de 95,8 milhões de pessoas expulsas de suas casas, sujeitas a condições de insegurança alimentar muito superiores às populações residentes. 

Enquanto isso, extremos climáticos — secas, enchentes e outras alterações no clima — devastam colheitas, interrompem cadeias produtivas e agravam a crise global de segurança alimentar.

Guterres destaca que a fome e a desnutrição se espalham mais rápido do que a capacidade de resposta internacional, enquanto cerca de um terço dos alimentos produzidos globalmente é perdido ou desperdiçado. 

Além disso, há uma redução drástica — prevista em até 45% — dos recursos financeiros para assistência humanitária, comprometendo a sobrevivência de milhões, sobretudo crianças vulneráveis.

Para o secretário-geral, trata-se não apenas de uma falha dos sistemas, mas de uma “falha da humanidade”. Ele conclama governos, empresas e líderes mundiais a mobilizarem financiamento, inovação e solidariedade para construir sistemas alimentares resilientes e acessíveis a todos.

Leia aqui o relatório em inglês

Brasil: avanço histórico, mas desafios persistem

No Brasil, o ano de 2023 marcou o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República e um avanço significativo na luta contra a fome.

Dados oficiais indicam que a insegurança alimentar severa caiu 85%, de 17,2 milhões para 2,5 milhões de pessoas, reduzindo a proporção da população nessa condição de 8% para 1,2%. Isso representa que 14,7 milhões de brasileiros deixaram de passar fome.

Contudo, cerca de 8,7 milhões ainda vivem em insegurança alimentar grave, e 3,9% da população estava subnutrida no triênio encerrado em 2023. Grupos vulneráveis, como mães solo negras, continuam entre os mais afetados pela insegurança alimentar, que atinge cerca de 27% da população geral.

No campo político, o Brasil liderou um movimento internacional ao propor a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada durante a Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, em novembro de 2024. 

Composta por 148 membros — incluindo 82 países, organizações multilaterais, instituições financeiras e entidades filantrópicas — a Aliança visa erradicar a fome e a pobreza extrema até 2030, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

O Brasil, sob a liderança de Lula, assumiu o compromisso de custear metade das despesas da Aliança até 2030 e instalará escritórios em Brasília e Roma para coordenar ações. A governança envolve um Conselho de Alto Nível e um mecanismo de apoio independente sediado na FAO, com funcionamento previsto para meados de 2025.

Entre as metas da Aliança estão:

  • Alcançar 500 milhões de pessoas com programas de transferência de renda em países de baixa e média-baixa renda;
     
  • Expandir refeições escolares de qualidade para 150 milhões de crianças em regiões com pobreza infantil endêmica;
     
  • Arrecadar bilhões em créditos e doações por meio de bancos multilaterais para financiar as iniciativas.

Durante a abertura da Cúpula de Líderes do G20, no dia 18 de novembro de 2024, Lula lançou oficialmente a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Em seu discurso, ele ressaltou que a fome é fruto de decisões políticas que perpetuam exclusão e injustiça.

Lula destacou que, em um mundo que produz quase 6 bilhões de toneladas de alimentos por ano, é inadmissível que 733 milhões de pessoas ainda estejam subnutridas. 

Desde o lançamento, a Aliança tem ampliado suas adesões, incluindo organismos da ONU como FAO, FIDA, OIT, UNICEF e Programa Mundial de Alimentos (WFP), além de bancos multilaterais como Banco Mundial, AfDB, ADB, BEI e BID. A iniciativa permanece aberta a novos membros comprometidos com a erradicação da fome e pobreza extrema até 2030.

A crise global da insegurança alimentar

O relatório da ONU detalha que conflitos são o principal motor da fome em 20 países, afetando 140 milhões de pessoas. Eventos climáticos extremos impactam mais de 96 milhões em 18 países, enquanto choques econômicos atingem 59 milhões em 15 países, apesar de uma leve melhora nessa última categoria.

Crianças são especialmente vulneráveis: em 2024, cerca de 37,7 milhões entre 6 e 59 meses sofreram desnutrição aguda, concentradas em países como Sudão, Iêmen, Mali e Faixa de Gaza — onde 100% da população enfrenta insegurança alimentar.

Outro dado alarmante é o retorno da fome extrema em campos de refugiados no Sudão, um fenômeno não registrado desde 2020, que sinaliza uma emergência humanitária crítica.

Fome nas duas maiores potências mundiais

Os dados sobre insegurança alimentar são bem diferentes nas duas superpotências globais. Nos Estados Unidos, a fome atingiu em 2023 seu nível mais alto em quase uma década, afetando cerca de 18 milhões de famílias, ou 13,5% da população, segundo relatório oficial do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). A situação é ainda mais grave nas zonas rurais, onde a taxa chega a 15,4%.

Este relatório, publicado em setembro de 2024, é baseado nos dados da Pesquisa de Segurança Alimentar do Current Population Survey (CPS-FSS) de 2023, conduzida pelo Escritório do Censo dos EUA. Ele fornece uma análise abrangente da segurança alimentar nos lares estadunidenses, incluindo a prevalência de insegurança alimentar em diferentes regiões, como áreas urbanas e rurais.

Além disso, o estudo destaca que, em 2023, 5,1% dos lares dos EUA (aproximadamente 6,8 milhões) enfrentaram insegurança alimentar muito baixa, caracterizada por padrões alimentares interrompidos e redução na ingestão de alimentos devido à falta de recursos financeiros. A taxa de insegurança alimentar foi particularmente alta em áreas rurais, atingindo 15,4% da população rural.

Cortes em programas de assistência alimentar, como o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP, conhecido como LFPA em inglês), têm prejudicado o acesso a alimentos para populações de baixa renda, agravando a insegurança alimentar.

Já a China retirou mais de 700 milhões de pessoas da pobreza extrema desde 1981, segundo dados do Banco Mundial e do governo chinês. O país asiático foi responsável por mais de 75% da redução global da pobreza extrema nesse período.

Além disso, o governo chinês anunciou em 2020 a erradicação da pobreza absoluta no país, com base em sua própria linha de pobreza nacional, que é mais alta que o critério internacional de US$ 1,90 por dia utilizado pelo Banco Mundial. 

Segundo a definição chinesa, pobreza extrema é caracterizada por uma renda per capita inferior a 4.000 yuans por ano (aproximadamente US$ 1,52 por dia), além de falta de acesso a serviços básicos como saúde e educação.

O sucesso da China na erradicação da pobreza extrema é atribuído a uma combinação de fatores, incluindo reformas econômicas, investimentos em infraestrutura rural, programas de transferência de renda e políticas de desenvolvimento direcionadas. Essas ações resultaram em melhorias significativas nos padrões de vida da população e contribuíram para o crescimento econômico sustentável do país.

Este cenário global evidencia a complexidade da fome e da insegurança alimentar no século XXI, exigindo ação coordenada e solidária de governos, organizações internacionais e sociedade civil para garantir dignidade e direito à alimentação para todos.

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