Durante a campanha eleitoral, Donald Trump chegou a prometer que seria "ditador desde o primeiro dia". Assessores posteriormente disseram que tratava-se de um exagero retórico.
Quando o democrata Joe Biden perdoou antecipadamente integrantes de sua própria família, horas antes de deixar o poder, alguns aliados chegaram a dizer que era desnecessário. Agora, parece premonitório.
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Depois de duas semanas do republicano na Casa Branca, algumas vozes, mesmo amedrontadas, começam a denunciar que Trump está tomando uma série de decisões ilegais e inconstitucionais, sem que o Congresso de maioria republicana reaja.
A lista é longa, mas frequentemente começa com menção a Elon Musk, que não é um integrante oficial do governo mas buscou acesso a informações sigilosas do Departamento do Tesouro e mais recentemente tomou decisões sobre a USAID, agência do governo que prometeu demolir.
Um funcionário público com 35 anos de carreira renunciou depois que o secretário do Tesouro indicado por Trump, Scott Bessent, atendeu ao pedidos do chamado DOGE, Departamento de Eficiência Governamental -- que só existe no papel -- e deu ao bilionário Musk acesso a informações confidenciais.
Hoje, três sindicatos foram à Justiça contra Bessent alegando que "a escala da intromissão na privacidade dos indivíduos é massiva e sem precedentes".
Musk em um governo paralelo
Chuck Schumer, o líder da minoria no Congresso, denunciou a existência de um "governo paralelo" tocado por pessoas que não foram eleitas -- caso de Musk e de seu grupo de assessores.
No X, de sua propriedade, Musk assumiu para si a decisão de desmantelar a USAID, a fachada da CIA que "promove a democracia" e é apresentada pela mídia puramente como agência de ajuda humanitária.
É outra decisão ilegal. A USAID foi criada formalmente por John F. Kennedy e aprovada pelo Congresso. Só poderia ser desmantelada pelo Congresso.
Neste caso, o secretário de Estado Marco Rubio tirou o protagonismo de Musk, assumiu para si a USAID como uma divisão do Departamento de Estado, mas colocou no comando Pete Marocco. Ele e sua esposa foram identificados entre os que participaram da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Porém, o próprio Rubio mencionou uma ação claramente ilegal ao visitar El Salvador: que criminosos estadunidenses poderiam ser transferidos para cumprir pena naquele país, em um presídio de segurança máxima.
Por causa do caráter vingativo de Donald Trump, os republicanos estão aceitando bovinamente todas as decisões emanadas da Casa Branca, sem qualquer crítica pública. A mesma deferência é concedida a Musk, que tem uma poderosa ferramenta de denúncia com seus 200 milhões de seguidores no X.
Batalhas judiciais
O New York Times, bastião do liberalismo nos EUA, tem tratado Trump com a deferência geralmente dispensada a um presidente nos primeiros 100 dias de governo.
Porém, a oposição às decisões de Trump começa a se consolidar.
Um juiz federal já derrubou a decisão do presidente que pretendia cancelar a cidadania de nascidos nos EUA filhos de imigrantes. Outras ações abriram um rombo no congelamento total dos gastos federais determinado por Trump.
Nesta terça-feira, 4, agentes do FBI entraram com ações na Justiça para impedir a divulgação de seus dados pessoais, que a polícia federal estadunidense forneceu a pedido do Departamento de Justiça.
O governo Trump requisitou e obteve os dados de cerca de 5 mil agentes que atuaram na investigação da tentativa de golpe de 6 de janeiro. Seria o primeiro passo para uma vingança inaudita na História dos EUA.
Vários congressistas dos EUA estão definindo Trump como ditador a partir das decisões que ele tomou desde 20 de janeiro.
Depois da ação ilegal de Musk contra a USAID -- um cidadão não eleito, de um ente que não existe oficialmente, desmantelou uma agência governamental --, a deputada Ilhan Omar afirmou:
Estamos testemunhando uma crise constitucional. Falamos sobre Trump querer ser um ditador um dia. E aqui estamos. É assim que o começo de uma ditadura se parece, quando você destrói a Constituição e se instala como o único poder.
Quinn Slobodian, professor de História da Universidade de Boston, resumiu em entrevista ao New York Times, depois do perdão generalizado a todos os envolvidos no 6 de janeiro:
Uma sensação de impunidade total [por parte de Trump e aliados] e a concentração do poder estatal em uma pessoa certamente criam as condições para que o habitual empurra-empurra entre os poderes se concretize em algo mais próximo de uma ditadura.
Derrotada de maneira convincente nas eleições, a oposição a Trump começa a ser organizar através de ações na Justiça, o que deve desembocar em movimentos de rua.
Não por acaso, o atual presidente perdoou milicianos de movimentos de extrema-direita, que agora devem total lealdade ao ocupante da Casa Branca.