LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Entrevista de relator da OEA incomoda governo e diplomatas do Itamaraty

Relator especial da CIDH descumpre acordo e gera crise diplomática ao conceder entrevista durante missão oficial.

Pedro Vaca Villareal, da OEA.Créditos: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados
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A entrevista concedida pelo relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Pedro Vaca Villarreal, ao portal Metrópoles gerou incômodo no governo brasileiro e em diplomatas do Itamaraty. O colombiano havia se comprometido a não conceder entrevistas até o término da missão oficial, algo que é praxe para relatores internacionais, mas acabou rompendo esse acordo, gerando um mal-estar entre autoridades brasileiras e acendendo um alerta sobre os riscos de exposição indevida.

Quebra de acordo e vazamento de áudios

Segundo apuração, integrantes do governo estão particularmente contrariados porque, além da entrevista de Vaca, bolsonaristas divulgaram áudios e vídeos de reuniões com o relator, contrariando outro acerto feito com o Estado brasileiro, que previa apenas o registro por imagens. A exposição das falas do relator foi imediatamente capitalizada pelo campo bolsonarista para sustentar uma narrativa de censura e perseguição política no Brasil, transformando a missão em um episódio de disputa ideológica.

A co-diretora executiva da Artigo 19 Brasil, Raísa Cetra, alertou que essa preocupação já existia antes mesmo da visita. Segundo ela, havia um receio grande de que qualquer fala do relator fosse usada de maneira descontextualizada para alimentar a narrativa da extrema-direita. “A extrema-direita opera descontextualizando falas e misturando informações para viralizar seu discurso. Isso era esperado”, afirmou.

Ela também destacou que os protocolos de segurança e comunicação geralmente são definidos previamente, tanto com o Estado quanto com a sociedade civil. “O que se esperava era que não houvesse declarações durante a visita e se aguardasse um comunicado ao final. Inclusive, acredito que esse foi o acordo feito”, reforçou.

Raísa também explicou que esse tipo de protocolo é comum e tem razões estratégicas. “Isso em geral para resguardar a própria lógica da visita, que é a emissão de conclusões preliminares ao fim da visita, considerando que ela vai ter ouvido todas as partes, os relatores vão ter tido momentos de reflexões com seu staff, então a lógica em geral é que no fim eles emitam um comunicado de imprensa ou ideia em uma coletiva vai variar de instância para instância.”

Ela também destacou que a complexidade da relatoria de liberdade de expressão adiciona uma camada extra de cuidado. “Como é uma visita da relatoria de liberdade de expressão, também esse tipo de protocolo de comunicação é um pouco mais complexo. Então, essa relatoria varia de conduta também em função do seu próprio mandato, que é a liberdade de expressão, acesso à informação e a liberdade de imprensa.”

O papel da Artigo 19 e a preocupação com a liberdade de expressão

A Artigo 19 é uma organização internacional que atua desde 1987 na defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação. No Brasil, a entidade opera desde 2008, promovendo um ecossistema de comunicação mais equitativo e garantindo que vozes historicamente silenciadas tenham espaço para se expressar.

“Nosso trabalho é garantir que todas as pessoas possam se expressar livremente e que informações públicas estejam acessíveis. Mas isso precisa ser feito de maneira estratégica, para não fortalecer narrativas antidemocráticas”, explicou Raísa.

Erro estratégico e falta de percepção política

Vaca, que tem experiência no tema da liberdade de expressão, subestimou o impacto político de suas declarações ao afirmar que havia ouvido "relatos graves" durante os encontros, segundo fontes no governo. A fala, que era genérica e protocolar, não levou em consideração a politização da visita e o contexto no qual suas palavras seriam interpretadas, expondo sua imaturidade diplomática.

Para Cetra, o problema não foi apenas a fala do relator, mas o fato de que o debate sobre sua visita acabou sendo pautado pela extrema-direita, que se apropriou da narrativa. "Então acaba que eles conseguiram o que eles queriam, eles estão pautando o debate, a gente está falando sobre eles, a gente não está falando sobre o quanto o nosso campo precisa da proteção da liberdade de expressão para se expressar, para participar politicamente, para ter uma democracia ainda mais forte e essa, para mim, é uma das maiores preocupações sobre o como eles usam essa estratégia comunicacional de viralizar as coisas", criticou.

Vaca tenta amenizar declarações em nova entrevista

Diante da repercussão negativa de sua entrevista ao Metrópoles, Vaca concedeu outra entrevista, desta vez ao jornal O Globo, na qual tentou minimizar as declarações anteriores. Na tentativa de reforçar que sua presença no Brasil não significava um endosso a alegações de censura, ele afirmou:

— Eu, como relator de liberdade de expressão, monitorei toda a região e os estados autoritários são aqueles que não me deixam entrar. E aqui estamos diante de um Estado que me convidou, que me deu todas as facilidades para fazer meu trabalho e estou conversando com todos os atores da sociedade brasileira — declarou Vaca ao Globo.

Essa nova declaração foi vista como um movimento para distensionar o mal-estar diplomático, reafirmando que sua presença no Brasil foi facilitada pelo governo, em contraste com regimes que efetivamente restringem a atuação de relatores internacionais.

Governo tenta conter estragos e reforçar regras

A repercussão negativa forçou o governo a adotar uma postura mais cautelosa, buscando minimizar os danos. Nos bastidores, diplomatas e integrantes da articulação política expressam frustração com o ocorrido e avaliam formas de evitar novos ruídos em futuras visitas de organismos internacionais.

A percepção é que Vaca falhou ao não prever que sua fala poderia alimentar uma crise política desnecessária, e o governo agora trabalha para conter os estragos e impedir que o episódio se torne um precedente problemático para futuras visitas internacionais.

Expectativas para o relatório final da CIDH

Por enquanto, resta aguardar o relatório oficial da CIDH, que deverá trazer uma análise mais detalhada sobre a liberdade de expressão no Brasil. A expectativa é que o documento esclareça as questões levantadas durante a missão, mas o episódio já serviu de alerta para o governo sobre os riscos políticos envolvidos na relação com organismos internacionais em um cenário de alta polarização.

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