Em dezembro de 1989, os Estados Unidos invadiram o Panamá para promover "mudança de regime", depois de fracassarem na tentativa de depor pelas urnas o general Manuel Antonio Noriega.
Noriega, ex-agente da CIA, foi acusado por supostamente permitir o uso do território panamenho por cartéis colombianos de tráfico de cocaína. Ele refugiou-se na embaixada do Vaticano, acabou preso, deportado e morreu nos Estados Unidos, de câncer.
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Àquela altura, Noriega tinha abraçado as ideias nacionalistas de Omar Torrijos, um herói panamenho -- que, assim como Noriega, comandou as forças militares locais.
Foi Torrijos quem liderou a campanha pela soberania panamenha, enfim obtida a partir de negociações finalizadas no governo de Jimmy Carter (1977-1981).
Torrijos morreu em um acidente aéreo até hoje mal explicado, em 1981, aos 52 anos de idade.
Um país criado pelos EUA
O Panamá foi uma "invenção" dos Estados Unidos. Washington rachou o território da Colômbia com o objetivo de assumir o controle do istmo e concluir a construção do canal.
Posteriormente, pagou à Colômbia para que o país reconhecesse a independência do vizinho.
O canal era visto como de absoluto valor estratégico pelos Estados Unidos, uma vez que reduziu em semanas o tempo de navegação entre os portos estadunidenses das costas Leste (Nova York, Baltimore) e Oeste (Los Angeles, Long Beach).
Em retrospectiva, a derrubada de Noriega é vista hoje como ação de Washington para acabar com a influência dos militares nacionalistas do Panamá sobre o governo civil -- quando a invasão aconteceu, a entrega do controle do canal aos panamenhos já estava prevista, para 1999, como de fato aconteceu.
Desde a invasão, os governos panamenhos são aliados próximos de Washington.
O atual presidente, José Raul Molino, foi eleito por uma coalizão que vai da direita à extrema-direita.
O Panamá chegou a ceder uma vaga de sua representação na OEA à líder da oposição venezuelana, Maria Corina Machado, num favor a Washington.
Hoje, é um dos países que participam do bloqueio econômico ao governo Maduro. O Panamá reconhece Edmundo González Urrutia como "presidente eleito" da Venezuela.
Por isso, políticos panamenhos estão perplexos com as declarações mentirosas de Donald Trump de que o canal é operado pela China.
Reação unânime
Mulino, em uma postagem nas redes sociais, disse que o canal continuará sendo panamenho e negou interferência chinesa.
Trump tem dito que os navios estadunidenses pagam mais que outros para fazer a travessia, outra mentira.
Hoje, 40% dos contêineres que viajam entre as costas do Atlântico e do Pacífico dos Estados Unidos usam o canal.
Se porventura os EUA voltassem a controlar o canal, aí sim poderiam usá-lo para dificultar a passagem de mercadorias chinesas.
Martín Torrijos, filho de Omar Torrijos, que governou o Panamá entre 2004 e 2009, também reagiu a Trump:
O que é inegociável e o que posso assegurar é que o Panamá seguirá sendo dono de nosso canal depois que terminar o governo Trump.
Na Cidade do Panamá, sindicalistas queimaram a bandeira dos Estados Unidos em protesto pelas declarações de Trump, renovadas no dia de sua posse.
Porém, as Forças de Defesa do Panamá, que o general Noriega comandava quando foi derrubado, foram estrategicamente extintas depois da invasão de 1989.
Em retrospectiva, não parece ter sido um acaso.
Assim como aconteceu em 1989, hoje os EUA levariam horas para assumir militarmente o controle da extinta "zona do canal".
No passado, Washington teve uma base militar na área, de onde monitorava toda a América Latina.
Ficava instalada ali a chamada Escola das Américas, onde foram treinados torturadores que serviram às ditaduras militares que imperaram na região dos anos 60 aos 80, alinhadas aos EUA na Guerra Fria contra a União Soviética.