Um diálogo surdo está sendo travado nos bastidores da semana de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
É entre o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e a diplomacia brasileira, representada pessoalmente pelo presidente Lula.
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Em seu discurso diante do Conselho de Segurança da ONU, Zelensky fez um apelo ao Sul Global para que apoie seu "plano de vitória".
Depois de afirmar que "todos são igualmente importantes para a paz, sem exceções”, citou especificamente o Brasil, a Índia e os países da África e da América Latina.
Integrantes dos BRICs e governados por coalizões à esquerda e à direita, Brasil e Índia não aderiram às sanções à Rússia impostas pelo bloco da OTAN.
Pelo contrário, quando se trata de energia o comércio com Moscou se ampliou, por conta dos preços convidativos.
Alfinetada
A frase dedicada a Lula não menciona diretamente o presidente brasileiro:
Sabemos que alguns no mundo querem falar com Putin. Para se encontrar, para conversar, para falar. Mas o que eles poderiam ouvir dele? Que ele está chateado porque estamos exercendo nosso direito de defender nosso povo? Ou que ele quer manter a guerra e o terror acontecendo, só para que ninguém pense que ele estava errado? É uma loucura.
O endereço da frase é Brasília, por dois motivos.
Dias antes de viajar para Nova York, o presidente Lula conversou por telefone com Vladimir Putin e confirmou um encontro pessoal com o líder russo na cúpula dos BRICs em Kazan, Rússia, de 22 a 24 de outubro.
O segundo motivo é que, paralelamente à Assembleia Geral, os chanceleres do Brasil e da China estão buscando apoio ao plano de paz conjunto para a guerra da Ucrânia, de seis pontos, que não impõe condições prévias à Rússia.
O plano foi mencionado por Lula em seu discurso.
A ideia, apresentada oficialmente em maio, diz entre outras coisas:
As duas partes [Brasil e China] apelam a todos os atores relevantes a observarem três princípios para a desescalada da situação, a saber: não expansão do campo de batalha, não escalada dos combates e não inflamação da situação por qualquer parte.
O ex-chanceler Celso Amorim deve se encontrar na sexta-feira com um grupo de ao menos 20 países, que inclui Colômbia, Egito, Indonésia, México, Arábia Saudita, África do Sul e Emirados Árabes Unidos, em busca de apoio.
O plano já foi definido por Kiev como "destrutivo".
"Vitória" com mais guerra
O plano sino-brasileiro vai de encontro ao "plano da vitória" que Zelensky vai apresentar ao presidente Joe Biden, à vice Kamala Harris e ao candidato republicano Donald Trump, durante sua estadia nos EUA.
Zelensky acredita que, com apoio internacional, tem capacidade militar para encostar a Rússia contra a parede e obter "a paz pela força".
Para isso, teria de convencer os Estados Unidos a autorizarem o uso de mísseis de longo alcance contra a retaguarda das tropas inimigas, com profundidade, no território da Rússia.
Lobistas do Instituto para o Estudo da Guerra, baseado em Washington, argumentam que a política dos EUA impede a Ucrânia de atacar hoje 84% dos alvos realmente significativos, entre bases militares e paramilitares.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, esteve este mês em Washington para discutir o tema com Joe Biden.
Por causa da temporada eleitoral, é pouco provável que os EUA façam algo diretamente, mas podem delegar tarefa para aliados como o Reino Unido.
No caso, os britânicos é que dariam autorização para a Ucrânia utilizar mísseis Storm Shadow contra território russo.
Com 250 quilômetros de alcance, o míssil franco-britânico está sendo vendido como a arma que poderia mudar o curso da guerra.
Teria a capacidade de impedir a concentração de tropas russas, reduzir a supremacia aérea e dificultar a logística de abastecimento das tropas que hoje combatem em uma frente de cerca de mil quilômetros, dentro de território ucraniano.
Cada Storm Shadow custa 1 milhão de dólares. Os indícios é de que os EUA darão algum tipo de autorização, mesmo que limitada e indireta, a Zelensky.
No mapa abaixo, a área em vermelho é território hoje ocupado por tropas russas na Ucrânia; em amarelo, a região russa que seria atacada com os mísseis ocidentais. O argumento de Kiev é de que os ataques na retaguarda deixariam as posições russas frágeis. Moscou já advertiu que esse tipo de escalada seria uma declaração de guerra da OTAN.