AMÉRICA LATINA

Regime de Daniel Ortega expulsa embaixador brasileiro da Nicarágua

Em entrevista à Fórum, Mónica Baltodano, ex-comandante da Frente Sandinista de Libertação Nacional, explica por que Lula está certo em enquadrar ditador nicaraguense

Daniel Ortega, presidente da Nicarágua.Créditos: Cesar Perez/Presidência da Nicarágua
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Breno de Souza da Costa, o embaixador do Brasil na Nicarágua, acaba de ser expulso do país nesta quarta-feira (7) pelo regime de Daniel Ortega como forma de retaliação ao Governo Lula, que congelou as relações entre os dois países na tentativa de negociar a libertação de um bispo católico crítico daquele governo.

O bispo Rolando José chegou a ficar mais de 500 dias preso antes de ser expulso da Nicarágua no último mês de janeiro. Quando a pedido do Papa Francisco Lula tentou interceder a seu favor, foi ignorado pelo presidente nicaraguense.

À Folha, um alto funcionário do Itamaraty teria dito, sob anonimato, que o aviso do regime de Ortega para que Souza da Costa deixasse o país já tinha sido feito duas semanas atrás. O Ministério das Relações Exteriores chegou a questionar o governo de Manágua sobre a decisão, mas ainda não obteve resposta.

O mesmo funcionário afirmou que o estopim para a expulsão foi o fato de o diplomata não ter comparecido ao ato de celebração dos 45 anos da revolução sandinista, que elevou Ortega ao poder. A ausência teria irritado as autoridades. A diplomacia brasileira promete reagir caso a expulsão se concretize. O embaixador, que ocupa o cargo desde 2022, foi notificado acerca da expulsão mas ainda não deixou o país.

Ditadura neoliberal fantasiada de revolução

Em abril de 2023, a Revista Fórum entrevistou a comandante Mónica Baltodano, ex-combatente da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), figura central na derrubada do ditador Anastasio Somoza em 1979 e atual perseguida política da ditadura de Ortega.

Naquele momento, ela estava no Brasil para denunciar uma nova escalada de perseguição a opositores iniciada em fevereiro de 2023 por Ortega, que ordenou a desnacionalização de 94 opositores, ela inclusa.

Ao longo da entrevista, bastante extensa, ela detalhou a história da Revolução Sandinista, sua contribuição para o desenvolvimento da sociedade nicaraguense e o processo político que colocou Ortega como o principal líder do partido e, consequentemente, do país.

“Acreditamos que o respaldo que Ortega ainda recebe, mesmo que pelo silêncio, de esquerdas de outros países, segue sendo um ponto a seu favor. Ainda que não haja uma manifestação contundente dos partidos e dos governos de esquerda, ele sente que pode navegar fraudando o discurso de que é um paladino contra o imperialismo. É fundamental que as esquerdas internacionais condenem, de forma clara, o regime de Ortega como um regime criminoso e antidemocrático. Só colocando-o contra a parede é que o fará ceder e abrir espaço para uma transição. A história já nos mostrou isso. Foi assim que derrotamos Somoza. Em 1978, a Organização dos Estados Americanos rompeu com Somoza e o ditador passou a ser um pária. A vitória do sandinismo em 1979 nunca foi resultado das armas. Nunca tivemos a maioria das armas. Nossa vitória foi o resultado da somatória de apoio popular, da guerrilha e de um amplo isolamento internacional do regime”, avaliou.

“Ortega faz um discurso mentiroso, como se fosse de esquerda. Aplica as políticas neoliberais mais brutais com um discurso supostamente anticapitalista e anti-imperialista. Ou seja, governa com o grande empresariado e entrega o país às mineradoras. Atualmente, 40% das terras do país estão em concessão justamente para essas empresas. Mineradoras canadenses, dos EUA, da Europa e de outros lugares. Ele faz um governo que na prática é totalmente de direita, mais neoliberal do que seus antecessores dos anos 90, mas fraudando uma imagem de sandinista, de revolucionário e anti-imperialista. O regime mostra claros sinais de debilidade que podem ser vistos na escalada de repressão dos últimos anos. Ele sabe que está fraco e não tem respaldo da população. Por que proíbe que nos manifestemos? Porque sabe que somos a maioria. Por que não deixa que nos expressemos? Porque sabe que nosso ponto de vista tem impacto. O regime se sustenta somente pela repressão e pelo financiamento das burguesias interna e externa. Dessa maneira, as perspectivas de uma nova explosão social estão sempre presentes”, completa.

Clique aqui e leia a entrevista na íntegra.