GOLPE NA BOLÍVIA?

Bolívia: “General inventa mal-estar após ser destituído e tentativa de golpe não vai dar em nada”

A frase é do sociólogo boliviano Pablo Montenegro, que falou à CNN Chile sobre a invasão do Palácio Quemado, em La Paz, por tropas lideradas pelo general Zúñiga

O sociólogo Pablo Montenegro em sua participação na CNN Chile.Créditos: Reprodução/Youtube CNN Chile
Escrito en GLOBAL el

No começo da tarde desta quarta-feira (26) o mundo voltou seus olhos para La Paz, a capital da Bolívia, quando homens do Exército boliviano liderados pelo general Juan José Zuñiga ocuparam a Praça Murillo, travaram as portas do parlamento e invadiram o Palácio Quemado, a sede do governo.

As imagens eram assustadoras. Chegando ao Brasil por meio de transmissões ao vivo de canais estrangeiros e das redes sociais, mostravam os militares uniformizados forçando a entrada na sede de governo.

O presidente Luís Arce, o ex-presidente Evo Morales e uma série de ministros e personalidades bolivianas passaram a denunciar a tentativa de golpe de Estado. Logo os chefes de Estado de toda a América Latina também declarariam seu rechaço à ação militar.

Os meios de comunicação bolivianos correram para a Praça Murillo e só conseguiram ouvir algumas frases de efeito de Zuñiga. “Vamos recuperar essa pátria”, foi uma dessas frases.

“Haverá um novo gabinete de ministros, é certo que vai mudar, mas nosso país não pode continuar como está”, foi outra frase do general pescada pelos meios de comunicação. As frases, sem um contexto mais amplo, dão a entender que uma verdadeira tomada do poder estaria em curso. No entanto, à CNN Chile, o sociólogo boliviano Pablo Montenegro explicou que não é bem por aí.

“Me surpreendi [com os fatos] porque apesar da nossa longa história de golpes de Estado, acreditava-se que essas tentativas já estavam superadas nos anos 70 e 80, mas veja você. Tecnicamente trata-se de um golpe de Estado, pois estamos falando de um chefe militar. Nada menos que um ex-comandante do Exército que está mobilizando tropas para assediar o Palácio do Governo, mas não creio que tenha respaldo institucional”, disse Montenegro.

E, de fato, não parece ter. Nas redes sociais, até mesmo Jeanine Áñéz repudiou a ação militar. Áñez é a ex-presidente do parlamento que foi alçada à Presidência da Bolívia após o golpe de 2019, quando o então comandante do Exército exigiu a renúncia de Evo Morales.

Evo foi acusado de fraudar as eleições à época. A narrativa se espalhou pelos meios de comunicação e foi apoiada por uma série de políticos de extrema direita, entre eles Luis Camacho, governador do departamento de Santa Cruz e forte aliado do agronegócio brasileiro e do bolsonarismo. Um político com histórico antiindígena e de aproximação com a extrema direita que hoje está preso.

Não demorou para que Morales fosse deposto por um motim das polícias apoiado pela inatividade do Exército. Morales teve de sair do país e a então presidenta do parlamento, Jeanine Áñez, assumiu a presidência.

Entrou o ano de 2020 e a presidenta em exercício tinha a obrigação de convocar eleições. No entanto, Luis Arce, ex-ministro da economia de Morales, a derrotaria com folga no pleito de acordo com as pesquisas. Áñez tentou ‘aproveitar a pandemia’ para ir adiando o processo eleitoral ao infinito, enquanto promovia o desmonte do Estado Plurinacional. Mas foi justamente o povo camponês e indígena quem pressionou pela realização das eleições. Seu principal instrumento de protesto foram justamente os bloqueios de rodovias.

“O governo tem uma grande responsabilidade pelo que fez Zúñiga, e o digo por uma razão: Zúñiga nunca deveria ter sido o comandante do Exército porque foi o número 48 do seu curso. Não deveria sequer ter ascendido a general. Mas o governo, como queria um general dócil e que estivesse a sua disposição, promoveu esse coronel que nunca teve uma carreira destacada, para ser Primeiro General e depois Comandante do Exército. O objetivo era ter um general afim à sua linha política para evitar o que ocorreu em 2019, quando o comandante de então pediu a renúncia de Evo Morales. E agora esse general medíocre tentou um voo próprio”, avaliou Montenegro.

Para o sociólogo, o general Zúniga sempre teve um “verniz populista” e buscou se mostrar não só como um líder militar, mas como um líder político.

“Não vejo que tenha apoios importantes nem mesmo dentro das Forças Armadas, porque tampouco tem uma plataforma. Ele tentou se justificar hoje dizendo que as Forças Armadas são maltratadas e que é preciso pôr fim ao ‘estado de caos’, mas essa é uma plataforma muito vaga. No fundo, o que vemos é o incômodo de um comandante insubordinado que não consegue aceitar que foi destituído do cargo”, explica o sociólogo.

Zúñiga deu uma série de declarações raivosas contra Evo Morales nos últimos dias, inclusive ameaçando-o de ser preso pelas Forças Armadas. Também deu opiniões políticas. Mas na Bolívia é proibido que militares, especialmente os de alta patente, se envolvam com política. Tendo isso em vista, Luís Arce o destituiu do cargo na noite da última terça-feira (25).

“Por ser um comandante com aspirações políticas, obviamente lhe caiu muito mal a destituição. Isso acaba não só com sua carreira militar, mas com qualquer possibilidade de ter uma carreira e um futuro político. Na minha opinião, ele está inventando esse mal-estar nas Forças Armadas, com esse discurso, quando na realidade os militares têm sido um ator privilegiado de todo o processo político que vive a Bolívia desde a ascensão do MAS. Zúñiga não tem uma plataforma própria e o que lhe dá um pouco de visibilidade é o ambiente de crise generalizada e um ar que dizem existir na Bolívia de fim de ciclo de governos do MAS. Honestamente, não creio que vá dar em nada, duvido que as Forças Armadas vão apoiar”, finalizou.