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“Extrema direita é uma onda mundial”, diz cientista político após eleições europeias

Em entrevista à Fórum, Horácio Lessa Ramalho avalia que os atuais governos da Europa precisam reavaliar estratégias para evitar uma “crise de governança generalizada”

Manifestação na França contra vitória da extrema direita nas eleições europeias.Créditos: Stephanie Lecocq/Reuters/Folhapress
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De BERLIM | Encerradas no último domingo (9), as eleições ao Parlamento Europeu deram um recado claro: a extrema direita está em ascensão na União Europeia, e o mundo deve prestar atenção ao crescimento da popularidade de figuras associadas ao neofascismo.

Os resultados são alarmantes, embora as previsões indicassem um cenário ainda pior. Os grupos supranacionais ultrarreacionários, como os Conservadores e Reformistas (ECR) e Identidade e Democracia (ID), além dos "Não Inscritos" – caso dos candidatos do Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda associada ao neonazismo – agora somam 145 assentos em um universo de 720, representando quase 20% do Parlamento Europeu, a única casa legislativa transnacional do mundo.

Na legislatura anterior, iniciada em 2019, os radicais de extrema direita ocupavam aproximadamente 125 de um total de 702 cadeiras. Esse crescimento se deve, principalmente, à expressiva votação que partidos e candidatos radicais tiveram na França, Alemanha, Itália e Espanha.

Embora a extrema direita tenha conseguido ocupar mais espaço no Parlamento Europeu, a maioria dos assentos ainda pertence a frentes de centro, centro direita e centro esquerda. O Partido Popular Europeu, a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, os Verdes/Aliança Livre Europeia e a Esquerda somam aproximadamente 408 cadeiras, o que representa 57% do total.

Em entrevista à Fórum, o cientista político Horácio Lessa Ramalho, especialista em relações governamentais e que acompanhou as eleições europeias in loco, analisa que, apesar da centro direita e centro esquerda terem mantido uma presença importante, houve um esvaziamento dos verdes liberais e da esquerda, acompanhado por um fortalecimento da extrema direita que deve "empurrar" o centro dominante para o radicalismo. “Esse crescimento reflete pressões locais em vários países, onde questões econômicas e sociais foram negligenciadas pelos governos centristas”, explica Lessa.

"O ponto é o que e para onde vai se mover. Apesar da centro-esquerda e da centro-direita, na natureza juntos, terem ganho, você tem um esvaziamento dos verdes liberais e da esquerda, e um crescimento da ultradireita na outra ponta. Esse centro-direita vai se mover mais ao centro? Essa é a grande questão para mim. Ou vai se mover mais à pressão da ultradireita? Eu acredito que eles vão se mover mais à direita, justamente pelas pressões locais em alguns países", opina.

A maior vitória da extrema direita nas eleições ao Parlamento Europeu ocorreu na França, onde o “Rassemblement National” de Marine Le Pen conquistou 32% dos votos, superando a coalizão do presidente Emmanuel Macron, que obteve apenas 15,2%. O impacto foi tão grande que Macron dissolveu o parlamento e convocou novas eleições.

Na Alemanha, o AfD, associado ao neonazismo, tornou-se a segunda força política, com 16% dos votos, superando os sociais-democratas do SPD, que compõem o atual governo alemão, ficando atrás apenas do CDU/CSU, da ex-chanceler Angela Merkel, que somou 30%. Na Itália, o Fratelli d’Italia, da primeira-ministra Giorgia Meloni, venceu com 28,5% dos votos.

Membros do AfD, da Alemanha. comemoram votação expressiva dos candidatos do partido nas eleições europeias (Foto: Reuters/Folhapress)

Para Ramalho, a ascensão da extrema direita nesses países é explicada, em parte, pela falta de resposta de governos locais para pautas como segurança e imigração, aliada a uma crise que pôs fim ao Estado de bem-estar social que perdurou em muitas dessas nações por décadas. O choque de realidade no pós-pandemia, que evidenciou as fragilidades nos sistemas de saúde desses Estados-membros da União Europeia, também contribuiu. Esses elementos, na análise do cientista político, somam-se ao temor dos cidadãos europeus de perderem seus empregos ou acesso à saúde, fortalecendo o preconceito contra imigrantes e ressuscitando ideologias ultranacionalistas.

"Os cidadãos europeus ficaram incomodados, nos últimos anos, com as flexibilizações para imigrantes e o preconceito acabou sendo banalizado. A gente acaba tendo um pouco disso também no Brasil, como em Roraima [onde há imigração de venezuelanos], no Canadá há problemas assim. Nos Estados Unidos há problemas assim. Muitos habitantes mais 'tradicionais' se sentem ameaçados em relação ao emprego, pela violência... E aí, diante de um Estado que não está entregando, ainda mais na Europa, onde o Estado de bem-estar social funcionou perfeitamente nas últimas três décadas, mas não funciona mais, há o ambiente para a ascensão da extrema direita. Eu acho que esse é o principal motivo", afirma o cientista político.

"Principalmente depois da pandemia [do coronavírus]. O sistema de saúde dos países da União Europeia foi colocado em xeque. O Estado não supriu todos. Não tinha nem condições. Descobriram no pior momento que o sistema de saúde não funcionava direito. Então, eu acredito que é muito efeito do pós-pandemia", completa.

Onda mundial

Horácio Lessa Ramalho chama atenção para o fato de que o crescimento da extrema direita na Europa não deveria ser encarado como uma novidade. Segundo ele, os sinais de que o radicalismo estava em ascensão existem há anos, mas foram ignorados pelos governos locais de centro e centro esquerda, a ponto de casos que antes eram isolados se tornarem, agora, uma "onda" a nível mundial.

"Já havia micro sinais disso [do crescimento da extrema direita], mas os líderes dos países simplesmente ignoraram os sinais do que estava acontecendo e agora virou uma onda. No Brasil, nós temos que observar como vai terminar essa onda. A onda termina agora em novembro nos Estados Unidos. O Donald Trump pode ganhar as eleições. Começa na Argentina [com a eleição de Javier Milei], vai para a Europa, volta para os Estados Unidos. Ou seja, é uma grande onda de extrema direita", analisa.

No Parlamento Europeu, essa "onda" de extrema direita deve surtir, a princípio, efeitos imediatos em políticas como as relacionadas ao meio ambiente, desenvolvimento sustentável e imigração.

"O centro vai ter que ceder para o que eles querem. Essas questões de mudanças climáticas, combustíveis fósseis, energias renováveis, tudo isso, acho, vão ser coisas questionáveis a partir desse momento. E a política de imigração, de fato, acredito que vão, pelo menos, segurar um pouco e fazer alguns gestos para este grupo [a extrema direita]", afirma.

Para Ramalho, os governos de países da Europa precisarão ceder em alguns pontos e reavaliar estratégias para formar uma "maioria mínima" que os sustentem e, assim, "evitar uma crise de governança generalizada".

Confira como ficou a nova composição do Parlamento Europeu e, abaixo, a corrente política de cada frente

Fonte: Parlamento Europeu/Divulgação
  • Partido Popular (Democratas-Cristãos): centro direita;
  • Aliança Progressista: centro esquerda/social democracia; 
  • Renovar Europa: liberais e democratas;
  • Verdes/Aliança Livre: causas ambientais;
  • Conservadores e Reformistas: extrema direita;
  • Identidade e Democracia: extrema direita;
  • Esquerda: socialistas e comunistas.