ARMADOS ATÉ OS DENTES

Gastos com defesa explodem na Europa

Após décadas de cortes, os membros europeus da Otan vão gastar 1,90 trilhão de reais com armamento este ano; novos gastos impõem desafios para o orçamento de vários países, muitos deles endividados

Créditos: Canva - Crescem gastos com defesa na Europa
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A frase "Siga o dinheiro" ("Follow the money", em inglês) tornou-se popular durante o escândalo de Watergate, que levou à renúncia do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon em 1974. Embora a frase não tenha sido documentada nas investigações reais do escândalo, ela ganhou notoriedade no filme "Todos os Homens do Presidente" ("All the President's Men"), de 1976.

No filme, que é baseado no livro homônimo dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, o personagem "Garganta Profunda", uma fonte anônima dos jornalistas, aconselha-os a "seguir o dinheiro" para descobrir a verdade por trás do escândalo.

A frase sugere que, para desvendar casos de corrupção ou irregularidades financeiras, é essencial investigar os fluxos de dinheiro, pois eles frequentemente revelam a origem e os beneficiários dos recursos ilícitos. Desde então, "siga o dinheiro" se tornou uma expressão comum usada em investigações jornalísticas e jurídicas para indicar que a análise dos registros financeiros pode levar à descoberta de atividades criminosas.

Agora, a frase também pode ser aplicada para compreender as tensões geopolíticas atuais, com o aumento dos gastos com defesa. Em 2023, os orçamentos militares globais totalizaram 2,44 trilhões de dólares (cerca de 12,6 trilhões de reais), representando um crescimento de quase 7% em relação ao ano anterior.

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Esse foi o maior aumento anual desde 2009, impulsionado pelo segundo ano da guerra entre Rússia e Ucrânia. Por habitante, os gastos militares mundiais atingiram seu nível mais alto desde o fim da Guerra Fria: 306 dólaress (1.577 reais) por pessoa.

Nível só visto durante Segunda Guerra Mundial

Com a Ucrânia inicialmente despreparada para um conflito de grande escala, os países ocidentais aumentaram a ajuda militar ao governo de Kiev, enquanto outras tensões no Oriente Médio e na Ásia também levaram diferentes governos a reforçar suas defesas, em um nível não visto desde a Segunda Guerra Mundial.

Em 2024, os Estados Unidos alocaram 886 bilhões de dólares (4,43 trilhões de reais) para a defesa, um aumento de mais de 8% em dois anos.

Pela primeira vez, os parceiros europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) devem atingir a meta estabelecida pela aliança militar de gastar o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) com defesa.

Esse assunto era fonte de tensão com o ex-presidente dos EUA Donald Trump, que é pré-candidato do Partido Republicano nas eleições presidenciais de novembro.

Agora, os parceiros europeus orçaram um total de 380 bilhões de dólares (cerca de 1,90 trilhão de reais), em defesa, anunciou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, em fevereiro.

Gastos com defesa e cortes em serviços públicos

A Alemanha ainda corre para superar o atraso em relação a outros membros da Otan – graças a um fundo especial de 100 bilhões de euros (cerca de 530 bilhões de reais) anunciado pelo chanceler federal Olaf Scholz para atualizar as Forças Armadas do país.

Além disso, o governo alemão, que enfrenta a perspectiva de receitas mais baixas devido à estagnação da economia, cortou gastos na maioria dos seus ministérios. A pasta de ajuda internacional ao desenvolvimento, por exemplo, deve sofrer um corte de quase 2 bilhões de euros (10,6 bilhões de reais) este ano.

Já a Polônia deve gastar o equivalente a 4,2% do seu PIB em defesa este ano, o maior valor proporcional entre os membros da aliança militar. Outros países no flanco oriental da Otan também já ultrapassam ou em breve ultrapassarão a meta de 2%.

Embora as finanças da Polônia estejam em uma situação muito melhor do que a de muitos países da Europa Ocidental, o primeiro-ministro do país, Donald Tusk, que assumiu o poder no ano passado, enfrenta desafios para cumprir as promessas eleitorais, incluindo o aumento da faixa de isenção do imposto de renda, em meio ao aumento de gastos com defesa.

Outros países, como os mais atingidos pela crise da dívida europeia de 2011, já enfrentam medidas severas de austeridade e a possibilidade de cortes adicionais pode ter como resultado uma queda ainda maior na qualidade dos serviços públicos.

A Itália, por exemplo, deve gastar apenas 1,46% do PIB em defesa este ano e advertiu que será difícil o país atingir a meta de 2% da Otan até 2028. A previsão é que o índice da dívida italiana em relação ao PIB atinja 137,8% este ano.

Dificuldade para financiar novos gastos militares

Países com dificuldades fiscais semelhantes, como a Espanha, podem se deparar com dificuldades para suportar os déficits adicionais necessários para financiar novos gastos militares. No ano passado, Madri aumentou seu orçamento de defesa em 26%.

A Suécia, a Noruega, a Romênia e a Holanda têm dívidas menores. No momento, o político de ultradireita holandês Geert Wilders também planeja gastos significativos com seguridade social, habitação e agricultura para garantir que sua nova coalizão de quatro partidos se mantenha no poder.

Além da capacidade fiscal e dos problemas de endividamento, esse debate sobre recursos também evidencia uma diferença contínua de percepção de ameaças em toda a Europa. Os países localizados mais longe da Ucrânia podem estar menos dispostos a priorizar a defesa do que aqueles do leste europeu.

Como resultado, os governos têm enfrentado uma escolha cada vez mais difícil sobre como financiar esses novos planos de defesa. Muitas economias continuam enfraquecidas ou com as finanças apertadas por causa dos efeitos das tensões geopolíticas globais em andamento e da inflação persistente.

Partidos políticos de esquerda em vários países europeus vêm liderando apelos pela paz entre Rússia e Ucrânia. Eles argumentam que a verba dos novos gastos militares poderia ser melhor aplicada em saúde ou programas sociais.

Mais gastos no futuro

Espera-se que os gastos com defesa continuem aumentando na próxima década. A meta de 2% da Otan foi estabelecida pela primeira vez em 2014, depois da eclosão da primeira fase da guerra na Ucrânia, quando Moscou anexou a península da Crimeia e passou a armar forças irregulares no leste ucraniano.

No ano passado, em uma reunião em Vilnius, na Lituânia, os líderes de países-membros da Otan concordaram que a meta poderia exceder 2%. A Alemanha, que tem lutado para cumprir o objetivo original, agora cogita a perspectiva de uma meta orçamentária de 3%, o que pode ter consequências ainda maiores para as finanças do governo.

O que é a Otan

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), também conhecida como NATO (North Atlantic Treaty Organization), é uma aliança militar intergovernamental formada em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de garantir a segurança coletiva de seus membros contra ameaças externas, principalmente a partir da União Soviética durante a Guerra Fria.

A Otan é baseada no princípio da defesa coletiva, onde um ataque a qualquer um dos seus membros é considerado um ataque a todos. Atualmente, é composta por 31 países membros, que se comprometeram a se defender mutuamente em caso de ataque armado contra qualquer um deles.

1. Albânia
2. Alemanha
3. Bélgica
4. Bulgária
5. Canadá
6. Croácia
7. Dinamarca
8. Eslováquia
9. Eslovênia
10. Espanha
11. Estônia
12. Estados Unidos
13. França
14. Grécia
15. Hungria
16. Islândia
17. Itália
18. Letônia
19. Lituânia
20. Luxemburgo
21. Macedônia do Norte
22. Montenegro
23. Noruega
24. Holanda
25. Polônia
26. Portugal
27. Reino Unido
28. República Tcheca
29. Romênia
30. Turquia
31. Finlândia

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