REALEZA

Novo retrato de Rei Charles, mergulhado em tons de vermelho, deu o que falar

Pelas redes sociais, muitos compararam a obra de um renomado retratista da realeza com fogo e sangue, o que trouxe à tona associações com o passado colonial britânico e a violência histórica

Créditos: Família Real no X - Primeiro retrato do rei Charles III foi revelado esta semana e gerou polêmica
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O Rei Charles III divulgou o primeiro retrato oficial pintado dele desde sua coroação há pouco mais de um ano, em 6 de maio de 2023 — uma pintura a óleo na qual ele encara diretamente o espectador contra um fundo de tons manchados de vermelho, rosa e fúcsia.

A pintura, do renomado artista de retratos Jonathan Yeo, foi revelada pelas redes sociais do Palácio de Buckingham na última terça-feira (14).

Um vídeo mostrou o rei puxando uma fita presa ao tecido que cobria a obra imponente, que, ao cair, pareceu dar-lhe uma pequena surpresa. 

Yeo, que já pintou personalidades como David Attenborough, Idris Elba e a ativista Malala Yousafzai, começou o retrato em junho de 2021, quando o rei ainda era o príncipe de Gales. Ele é retratado usando o uniforme dos Guardas Galeses, dos quais foi coronel regimental, com uma borboleta pairando sobre seu ombro.

Assim como a borboleta, o “papel do rei em nossa vida pública se transformou”, disse Yeo em uma declaração divulgada pela família real.

“Faço o meu melhor para capturar as experiências de vida e a humanidade gravadas no rosto de qualquer indivíduo que posa, e espero ter conseguido isso neste retrato”, afirmou, observando que tentar capturar o rei foi “tanto um tremendo desafio profissional quanto algo que desfrutei imensamente e pelo qual sou imensamente grato”.

Retrato fora da curva

Retratos de monarcas, via de regra, tendem a ser sóbrios e previsíveis. Cheios de simbolismo, mas geralmente do tipo tradicional e estabelecido: símbolos do estado, do cargo, da pompa e da linhagem. É por isso que o novo retrato oficial do rei britânico gera tanta controvérsia.

Uma tela monumental (2,28 metros por 1,68 metros), o retrato mostra o rei em pé com o uniforme militar, mãos no punho da espada, um meio sorriso no rosto, com uma borboleta pairando logo acima de seu ombro direito. Seu corpo inteiro está imerso em um mar de carmesim, fazendo seu rosto parecer flutuar.

Embora a borboleta aparentemente fosse a peça chave da semiologia — destinada, segundo o Yeo contou à BBC, a representar a metamorfose de Charles de príncipe a soberano e seu amor duradouro pelo meio ambiente — foi a cor primária da pintura que quase instantaneamente deu um novo significado à ideia de “vermelho de raiva”.

O vermelho é uma cor que provoca reações fortes em quase todos — especialmente considerando um retrato da realeza: uma representação de uma representação, feita para a posteridade.

Em sua entrevista à BBC, Yeo observou que quando o rei viu a pintura pela primeira vez, ele ficou “inicialmente levemente surpreso com a cor forte”, o que pode ser um eufemismo.

O artista disse ainda que seu objetivo era produzir um retrato real mais moderno, refletindo o desejo de Charles de ser um monarca mais moderno, reduzindo o número de membros da realeza trabalhando e diminuindo a pompa da coroação.

Tempestade de críticas ao rei

A escolha da tonalidade parece particularmente carregada, dada a tempestade de críticas que o rei tem enfrentado desde sua ascensão ao trono.

Por exemplo, a contínua desavença com seu segundo filho, o príncipe Harry, e a publicação das memórias dele, com suas alegações de racismo na realeza.

Há ainda os chamados relacionados pelo fim da monarquia, o diagnóstico de câncer de Charles e o furor em torno do mistério sobre Catherine, princesa de Gales, cujo próprio diagnóstico de câncer foi revelado apenas após especulações cada vez mais descontroladas sobre seu desaparecimento da vida pública.

É difícil imaginar que Yeo não tenha antecipado parte da reação ao retrato, especialmente no contexto de seu trabalho anterior, incluindo retratos do príncipe Philip, pai do rei, e da rainha Camilla, que são representações mais tradicionais.

A última vez que um retratista real tentou uma interpretação mais abstrata e contemporânea de seu sujeito — um retrato de 1998 da rainha Elizabeth II por Justin Mortimer, que a representava contra um fundo amarelo neon com uma faixa de amarelo dividindo seu pescoço — produziu uma reação pública similar. À época, o Daily Mail acusou o artista de decapitar a rainha.

Google Arts - Retrato da rainha Elizabeth II por Justin Mortimer

O retrato do rei Charles permanecerá em exibição na Galeria Philip Mould até meados de junho, quando será transferido para o Drapers’ Hall em Londres. (Foi encomendado pela Worshipful Company of Drapers, uma guilda medieval transformada em instituição filantrópica, para residir entre centenas de outros retratos reais mais ortodoxos.)

Nesse ambiente, o trabalho do Yeo pode ser especialmente revelador: reflexo não apenas de um monarca, mas também da evolução do próprio papel, dos conflitos em torno do cargo e de um rei capturado para sempre em algo que muito se assemelha a uma cadeira quente.

Reações mistas da imprensa e de internautas

O novo retrato, como era de se esperar, gerou uma série de reações mistas na imprensa e nas redes sociais. Em especial o uso do vermelho, interpretado de várias maneiras, provocando comparações com fogo e sangue, o que trouxe à tona associações com o passado colonial britânico e a violência histórica.

Críticos de arte e comentaristas expressaram opiniões divergentes. A BBC descreveu a pintura como "viva", enquanto a revista People a chamou de "fervorosa". O The Times criticou o retrato por fazer Charles parecer um "desaparecido na paisagem", enquanto o The Guardian considerou a pintura uma mistura superficial de pseudo-retrato com cores aleatórias.

Nas redes sociais, alguns comentários foram ainda mais contundentes, com referências ao retrato como "uma monstruosidade" e associações com o inferno. Outros destacaram a cor vermelha como um lembrete do "sangue derramado pelos povos oprimidos sob o domínio da monarquia britânica".

Para mim, passa a mensagem de que a monarquia está em chamas ou o rei está queimando no inferno”, escreveu um internauta sob a postagem da família real no Instagram quando o retrato foi revelado.

“Parece que ele está banhando em sangue”, escreveu outro. Alguém mencionou a ideia de “derramamento de sangue colonial”. Houve comparações com o diabo. E assim por diante. Houve até uma menção ao caso Tampax, uma referência a um comentário infame de Charles revelado quando seu telefone foi hackeado durante o colapso de seu casamento com Diana, princesa de Gales.

Apesar das críticas, houve também elogios ao retrato por sua abordagem moderna e simbólica. A rainha Camilla, por exemplo, aprovou o trabalho, dizendo ao artista: "Você o capturou".

Com informações do The New York Times