RACISMO

Brasileiras denunciam racismo em Harvard: "elas questionavam se teríamos piolhos"

Caso ocorreu no Brazil Conference, em Cambridge (EUA), mesmo evento em que Deltan Dallagnol foi vaiado

Naira e Marta Mello durante leitua de carta de repúdio.Créditos: Reprodução
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Duas brasileiras que participavam da Brazil Conference, evento organizado por estudantes brasileiros de Harvard e do MIT em Cambridge (EUA), afirmam terem sido vítimas de racismo neste sábado (6), durante uma palestra. enquanto assistiam uma das palestras neste sábado (6).

Naira Santa Rita e a amiga, Marta Melo, assistiam a um painel com Thiago Leifert em Harvard, quando ouviram três brasileiras fazendo piadas racistas com seus cabelos em inglês: "Elas estavam se questionando se teríamos piolhos em nossos dreads e tranças", disse Naira à Folha de S.Paulo.

Naira diz que se virou e olhou imediatamente para trás. "Elas viram que eu tinha entendido e se retiraram. Naquele momento eu não me pronunciei porque sou uma mulher negra, Marta é uma mulher negra, e se a gente interrompesse a conferência, seríamos pintadas e tachadas como mulheres negras são: raivosas, combativas, escandalosas", afirmou.

"Tínhamos muito mais a perder do que três meninas brancas de Harvard", afirma. 

A Brazil Conference é o mesmo evento em que o ex-deputado federal Deltan Dallagnol foi vaiado

A apresentadora Regina Casé, que mediava a mesa, abraçou as duas. Naira, então, leu uma carta de repúdio (leia na íntegra abaixo) e o público presenta aplaudiu de pé.

A Brazil Conference afirma, sobre o fato, que "reconhece e reitera seu compromisso contra o racismo em todas as suas formas". "Repudiamos veementemente qualquer ato de discriminação racial e não compactuamos com tais comportamentos em nossos eventos", encerrou.

A carta de repúdio

Foram muitas situações de violência que vivenciamos enquanto embaixadores da Brasil Conference, mas vou enfatizar uma específica. Ontem, em Harvard, durante um painel eu e nossa outra embaixadora, Marta, aqui presente, enquanto juntas estávamos assistindo, três brasileiras brancas, questionavam-se em inglês, entre si: "see these black women? Are there lice in those braids and dreads?"

Que em tradução livre significa: "vê essas negras? Será que tem piolhos nessas tranças e dreads?" Seguido de risos.

O que elas não esperavam é que eu falo inglês. Imediatamente eu as olhei de forma que elas entenderem que eu havia entendido o racismo que estava acontecendo ali, as mesmas se retiraram, depois do meu olhar.

Em outras situações, eu as teria confrontado, porque o constrangimento, principalmente em situações de racismo, é pedagógico, mas diante de tamanha violência em um espaço como a Brasil Conference, que se considera inclusivo, diverso, eu precisei calcular.

Pois eu e Marta, mulheres negras, temos muito mais a perder do que três meninas brancas de Harvard. Se nós as tivéssemos confrontado, nós teríamos sido vistas como mulheres negras raivosas, escandalosas, e até mesmo, vitimistas.

O racismo é meticuloso, e vem se sofisticando cada vez mais, de tal modo que elas se sentiram confortáveis em proferir intencionalmente tais comentários racistas em inglês, acreditando e subestimando que não entenderíamos.

Agora, questionamos: Quantas pessoas negras aqui estavam e passaram pelo mesmo?

O quão a comunidade brasileira aqui presente, e os demais, realmente age para combater o racismo e efetivamente praticar o antirracismo?

O que dialogamos nesse espaço durante esses dias, e nos últimos nove anos, é vazio?

Quantos negros vocês viram aqui enquanto organizadores da Brasil Conference?

Quais são os líderes do futuro que esses espaços como Harvard e MIT estão formando?

Quem são os brasileiros negros, as mulheres negras, indígenas e plurais que estão nesses espaços para além das iniciativas de impacto social?

Quando os VPs da Brazil Conference falam sobre a representação dos brasis, quais brasis estão aqui? E eu questiono, nós questionamos, enquanto embaixadores da décima edição da Brasil Conference e seus financiadores, sponsors: o Brasil que está aqui é o fruto do privilégio do histórico escravocrata?

O Brasil que está aqui reflete os herdeiros do Brasil? Os indicados do Brasil? O Brasil que tem legado de tráfico, exclusão, violência e exploração dos corpos negros, indígenas e plurais estão aqui?

Enquanto estivermos com discursos cheios de práticas vazias, não só o Brasil, nosso amado país, mas também a Brasil Conference e suas estruturas vão continuar refletindo e perpetuando a manutenção das estruturas racistas, excludentes, que não representam o Brasil que queremos de forma alguma.

O Brasil que queremos no presente, e não no futuro, é legitimado e celebrado em sua diversidade, promotor da equidade, inclusão, e dignidade para todos, e não para poucos.

O Brasil que queremos é o Brasil que a educação como oferecida por Harvard e MIT, assim como a cultura, sejam tidas como acessíveis e ordinárias, como bem fala nosso Gilberto Gil, e não como títulos que diferenciam quem é mais capaz que quem, ou que acentuam ainda mais as desigualdades e abismos sociais.

Quero agradecer a Brenda Maria e ao professor Maurício Antônio, ao Eduardo e Rick, pela acolhida e intencionalidade em promover efetiva tratativa ao que ocorreu e no comprometimento em não permitir que seja negociável que situações como as que os embaixadores vivenciaram esse ano, ocorram novamente em próximas edições da Brasil Conference em Harvard e no MIT.

Essa fala é com o intuito que a Brasil Conference, seus financiadores e sponsors, como o YouTube, Nomad, Fundação Lemann e outros, consigam a partir dessa histórica décima edição, se fortalecer na construção genuína e legado no que realmente queremos como Brasil hoje e não existe Brasil sem diversidade.