Por motivos diferentes, mas com força inusitada num momento de ascensão da extrema-direita, os estudantes voltaram a agitar as ruas e os campus, na Argentina e nos Estados Unidos.
Não é nem sombra do movimento que chocou o mundo em 1968, quando as informações viajavam na velocidade do livro, mas é bom augúrio.
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No país vizinho, foi uma reação ao governo de Javier Milei, que celebra um superávit construído sobre a demolição do Estado, inclusive das universidades públicas, e do corte nos repasses federais às províncias.
Desesperado por boas notícias na economia, Milei fala em inflação mensal de apenas um dígito em breve -- mas a inflação acumulada na Argentina estava em 287,9% em março, com queda de arrecadação por conta da brusca freada econômica.
Se não houver infusão de dinheiro externo, o país corre o risco de enfrentar estagflação.
A manifestação estudantil do 23 de abril foi a maior já vista na Argentina desde a posse de Milei, com a estimativa de mais de 1 milhão de pessoas protestando em todo o país.
Em Buenos Aires, a multidão foi tão grande que o governo recuou de qualquer tipo de repressão.
Todos os problemas que teremos de resolver serão resolvidos com mais educação e universidade pública, com mais investimento em Ciência e Tecnologia. Queremos que nossas instituições sejam o dispositivo que permita à Argentina destruir as desigualdades estruturais e empreender o caminho do desenvolvimento e da soberania. A educação nos salva e nos torna livres. Convocamos a sociedade argentina a defendê-la.
Foi um trecho do documento lido pela presidenta da Federação Universitária Argentina, Piera Fernández De Piccoli, que não por acaso é de Córdoba, cidade onde Ernesto Guevara de la Serna teve boa parte de sua formação escolar.
A manifestação estudantil gerou grande entusiasmo na oposição não só por ter colocado 800 mil pessoas nas ruas da capital, mas por trazer de volta o tradicional sarcasmo dos jovens em cartazes improvisados em casa:
Que o privilégio não te bloqueie a empatia. Rebele-se e eduque-se. Mais dinheiro para educar, menos para reprimir. Mais Telam [TV Pública], menos X. Presuntinho, vamos te fatiar. Não nos quer livres, mas ignorantes. Viva a Educação, Carajo. Milei, caia em si, Conan está morto e a universidade pública mais viva que nunca.
Estas foram algumas das frases registradas pelo diário Página 12. Conan é o cachorro morto de Milei que mereceu a construção de um canil na Quinta de Olivos, residência oficial do presidente da Argentina. Provocado por um jornalista, o porta-voz do governo não quis admitir que Conan está morto e, portanto, só há quatro cães vivos no local. De acordo com o porta-voz, são tantos cães vivos quantos disser Milei.
DESINVESTIMENTO
Nos Estados Unidos, onde as universidades recebem forte financiamento dito de filantropos, o movimento em defesa de Gaza explodiu nas últimas horas depois de prisões em Yale, que fica em Connecticut, Columbia e New York University.
As duas primeiras são da elite universitária dos EUA. O sistema universitário dos EUA é misto, com escolas públicas locais, estaduais e privadas.
Na Columbia, a reitora Nemat Minouche Shafik ameaça chamar a polícia para desmontar um segundo acampamento dentro do campus, depois da prisão de 100 estudantes que estavam num acampamento inicial.
A NYPD também agiu na Universidade de Nova York, que é pública.
Muitos estudantes comparecem mascarados às manifestações temendo represálias. De acordo com representantes do movimento estudantil, episódios isolados levam a denúncias de "antissemitismo".
Nas universidades privadas e bilionárias, uma das demandas é pelo fim do investimento das escolas em empresas que apoiam o genocídio em Gaza.
O tema é altamente delicado, uma vez que muitos dos doadores e beneficiários são pró-Israel.
REPRESSÃO
A repressão policial só fez o protesto crescer. Um acampamento foi montado no Massachussets Institute of Technology (MIT), escola de elite que não tem tradição de agitação estudantil.
Também há acampamentos nas universidades de Rochester, Minnesota, Politécnica da Califórnia, Brown, Tufts, Emerson, Barnard, New School, Michigan, Washington, Vanderbilt e Carolina do Norte -- sempre de acordo com fontes estudantis.
O presidente Joe Biden ficou sobre o muro ao comentar o assunto. Condenou "protestos antissemitas" e "quem não entende o que está acontecendo com os palestinos".
A mídia comercial dos EUA tende a enfatizar a suposta ameaça representada pelos manifestantes.
Os protestos são organizados por uma coalizão de entidades que inclui a Estudantes pela Justiça na Palestina e o grupo Voz Judaica pela Paz.
As imagens que os estudantes divulgam nas redes sociais raramente são reproduzidas pelos grandes veículos, que focam na repressão policial e em imagens de discussões acaloradas entre manifestantes pró e contra Israel.
A criminalização de movimentos sociais pela mídia sempre foi aguda nos EUA, especialmente em assuntos relacionados a Israel.
Ao mesmo tempo, o movimento estudantil foi a base sobre a qual se forjou a maior coalizão política da História recente do país, que levou ao fim da guerra no Vietnã nos anos 70 do século passado.
Agora, a ideia é repetir as ações que levaram ao fim do apartheid na África do Sul, só que tendo Israel como alvo.