Quando no último dia 9 de janeiro o presidente do Equador, Daniel Noboa, decretou estado de “conflito armado interno” como resposta a forte onda de violência e ao crescimento de facções criminosas no país, estava claro o que tal medida produziria. Na ocasião, 21 organizações criminosas passaram a ser qualificadas como “grupos terroristas” e um estado de exceção de 60 dias foi decretado prevendo que as forças armadas passassem a patrulhar as ruas e as 36 prisões do país.
O decreto, renovado por mais 30 dias e com previsão para terminar no meio de abril, ainda prevê a suspensão da inviolabilidade de domicílios. Resumindo, dá poder total aos militares equatorianos.
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À época publicamos este artigo que, embasado por análises do cientista político equatoriano Luis Cordova-Alarcon e do jornalista uruguaio Raul Zibechi, apontava que prisões, execuções e torturas seriam produzidas em massa no país, com forte tendência a atingirem movimentos sociais e a população de forma geral.
Nesta segunda-feira (18) uma reportagem da Agência Pública apurou o resultado da medida. O Comitê Permanente de Defesa dos Direitos Humanos (Cdh), baseado em Guayaquil, é a fonte da denúncia e monitora os casos de violações de direitos humanos em todo o país.
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Ao todo, foram três execuções extrajudiciais de civis não envolvidos com as facções criminosas. A primeira vítima foi o jovem Javier Vega, que tinha 19 anos e o sonho de se tornar militar. Ele tinha se formado no ensino médio um ano antes e contava com o apoio da família para seguir a carreira militar. No entanto, por falta de recursos, não conseguiu se inscrever no curso de oficiais – no Equador o curso é pago com os recursos do candidato. Ele foi executado pela instituição que tanto admirava em 2 de fevereiro na cidade de Guayaquil por ter, supostamente, fugido de uma blitz.
Ele estava com Eduardo Velasco, seu primo, e ambos se dirigiam a um bairro na zona sul de Guayaquil onde entregariam um filhote de cachorro a um comprador. Chegando ao local encontraram a blitz e descobriram que não poderiam seguir viagem. Velasco então tentou manobrar o carro para ir embora. Mal motorista, resvalou numa das viaturas, o que fez com que um soldado passasse a dar chutes no automóvel. Ele só percebeu que o primo tinha sido atingido segundos depois e correu para o hospital. Mas Javier Vega não resistiu. Os militares, além de não prestarem socorro, tentaram acusar a vítima de terrorismo. Dias depois, o advogado que os defenderia em processo contra o Estado se demitiu alegando “razões de segurança”.
As outras vítimas foram Jonah Laaz, morto em Durán – próximo à Guayaquil – e David Chávez, assassinado em Esmeraldas – capital de província profundamente afetada pela crise de segurança no litoral norte do país. Laaz foi morto dentro de casa, após invasão de domicílio dos militares; e Chávez, um jovem negro, recebeu tiros pelas costas. A ação que o matou foi registrada em vídeo.
Mais de 12 mil presos
Mas não são “apenas” as execuções extrajudiciais de civis que o “conflito armado interno” produziu. Nesse meio tempo mais de 12 mil pessoas foram presas. Entre os detentos, 280 são acusados de terrorismo e, ao todo, 494 foram processados. Em outras palavras, 11,5 mil pessoas logo foram soltas por não terem elementos suficientes para processá-las.
Fernando Bastias, do Cdh, disse à Agência Pública que as prisões em massa são parte de uma estratégia midiática do governo Noboa. “Têm um efeito muito forte em certos setores da população, que aplaudem essas medidas e sentem uma falsa sensação de paz”.
A essa altura, Daniel Noboa tem 81,4% de aprovação segundo os dados da reportagem.