O deputado brasileiro Marcus Santos (Chega), eleito pela extrema direita em Portugal, insinuou a existência de "racismo reverso" e recebeu uma invertida do jornalista Diego Sarza, apresentador do programa Uol News, nesta segunda-feira (11).
Durante debate acerca do racismo, Santos, que é um homem negro, ignorou o enraizamento do racismo na sociedade brasileira e defendeu a utilização do termo conforme seu significado literal. Segundo ele, a opinião surgiu da convivência com negros que praticavam racismo contra brancos quando morou na Flórida, nos Estados Unidos.
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"Se você for [ler] no dicionário, não diz que racismo é simplesmente se uma pessoa for branca e insultar uma pessoa preta. Não. Racismo é quando você tem aversão pela outra pessoa pelo tom da pele. Então, existe racismo de branco para branco, de preto para preto", declarou.
Diego Sarza interveio na fala do deputado: "Só para reforçar, como homem negro também, que foram os nossos antepassados que foram trazidos [de seus locais de origem] e escravizados. É por isso que a sociedade se formou em um sistema que se perpetuou até hoje. Por isso que a gente trata dessas pautas raciais".
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O jornalista explicou seu argumento com base em um entendimento de que o racismo integra uma estrutura de poder. "É claro que pode haver ofensas, que um negro pode ofender um branco, mas ele não tem uma estrutura de poder à sua mão para conseguir impôr suas demandas [...], porque quem tem é a população branca, majoritariamente", inseriu.
"Racismo reverso nada mais é do que um discurso racista, só que pelo 'avesso', em que a vitimização é tônica daqueles que se sentem prejudicados pela perda de alguns privilégios, ainda que tais privilégios sejam apenas simbólicos e não se traduzam no poder de impor regras ou padrões de comportamento", conceitua o ministro Silvio Almeida, em seu livro "Racismo estrutural".
O deputado de extrema direita discordou da opinião de Sarza ao dizer que "a escravidão nunca foi por conta da cor de pele, foi cultural", em uma tentativa de desassociar as manifestações culturais das características étnico-raciais.
"Eu discordo. Os brancos foram escravizados. Os negros foram escravizados pelos próprios negros. Os portugueses, quando eles iam na África, eles não iam na mata, eles não corriam no mato para ir atrás de um negro. Eles compravam os negros dos próprios negros. Por isso, o racismo nunca foi por conta da pele".
Santos ainda disse que "o racismo era estrutural", de forma contraditória. O termo "racismo estrutural" foi apresentado por Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Cidadania. Para ele, comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção.
A fala do bolsonarista resultou na conclusão imediata do programa. "Desculpa, eu vou te interromper porque o senhor está tentando reescrever a história. Agradeço ao senhor pela participação aqui conosco", se despediu o apresentador.
Quem é Marcus Santos
Marcus Santos é ex-atleta profissional de artes marciais mistas (MMA, em inglês) e dono de uma rede de academia de artes marciais, onde dá aulas. Natural do Rio de Janeiro (RJ), ele concorreu na região do Porto como candidato envolto em acusações de xenofobia e espelhado em pautas caras ao bolsonarismo.
Filho de pai militar e mãe doméstica, deixou o Brasil aos 18 anos com o objetivo de morar nos Estados Unidos. Desde 2009, se mudou para Portugal e se casou com uma portuguesa, com quem teve um filho.
Santos foi um dos 48 parlamentares eleitos pelo Chega, legenda de extrema direita liderada por André Ventura. Como militante do a legenda, ele ocupa a vice-presidência do partido no Porto e é conselheiro nacional.
O deputado, de extrema direita, utilizou de sua eleição para atacar a oposição, formada, sobretudo, pelo Partido Socialista (PS): "Agora não tem jeito. A extrema esquerda racista, fascista e a comunicação social mentirosa vão ter que levar com o negão do CHEGA", escreveu.
"Volta para sua terra"
Sua principal bandeira na campanha eleitoral é a de proteção à família, semelhante a de outros políticos de extrema direita, que se aproveitam da ideologia conservadora para aproximar o eleitorado. "O Chega é um partido de patriotas, de nacionalistas, com prioridade para os portugueses. Esse é o motivo de colocarmos a família à frente de tudo", apontou.
O brasileiro afirma que o discurso conservador do partido tem atraído os compatriotas que residem em Portugal, principalmente a parcela evangélica dos votantes. Santos se reconhece como cristão e entende que "homem é homem e mulher é mulher".
Segundo ele, o Chega representa o acolhimento que ele e demais brasileiros receberam no país: "Revejo no Chega os meus valores: a defesa da família, da pátria e da propriedade privada. E pátria, para mim, é também o país que me recebeu e a quem devo muito", relatou ao VISÃO, em 2023.
Santos, porém, também usa o palanque eleitoral para atacar a imigração em Portugal. "O Chega quer apenas um controle maior na entrada de imigrantes no país. Devem ser permitidos apenas aqueles com habilidades que Portugal precisa, mão de obra qualificada. Não se trata de xenofobia", argumenta.
Ainda assim, o deputado eleito afirma que o movimento imigratório "está trazendo violência", sobrecarrega os sistemas públicos de educação e saúde, e promove a escassez de moradias. Em sua opinião, a resposta destas questões é o controle de imigração.
Em março de 2023, Marcus reagiu à uma notícia do jornal brasileiro Diário do Centro do Mundo, que usou um vídeo dele para exemplificar um "fenômenos mais sinistros advindos da ascensão da extrema direita", que são os "negros racistas".
Na ocasião, ele se manifestou a favor do controle das fronteiras e da seleção do que classifica como "bons imigrantes". Em seguida, questionou qual seria o problema da declaração, visto que "a Europa é branca, assim como a África é negra", reforçando estereótipos supremacistas que ignoram a pluralidade étnico-cultural dos continentes.
"Não estou na política portuguesa para defender o direito de brasileiros, indianos ou qualquer outro imigrante, como eu, que vive em Portugal. Estou em Portugal para defender os direitos dos portugueses, porque Portugal pertence aos portugueses. Se você não consegue se adaptar, volta para a sua terra", clamou.