As reações do governo de Israel à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que comparou o atual massacre em curso pelas forças militares israelenses na Faixa de Gaza ao genocídio perpetrado contra o povo judeu pelo regime nazista de Adolf Hitler, vem gerando uma crise diplomática entre os dois países.
O pronunciamento ocorreu durante a Cúpula da União Africana, na Etiópia, no último domingo (18). Lula afirmou:
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"O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não tem precedentes na história. Na verdade, tem. Quando Hitler decidiu exterminar os judeus".
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reagiu de forma virulenta, classificando a declaração de Lula como "vergonhosa", afirmando que o presidente "ultrapassou uma linha vermelha" e repreendendo publicamente o embaixador brasileiro em Tel Aviv. Em resposta, Lula agiu com firmeza, chamando o embaixador brasileiro em Israel de volta ao Brasil "para consultas" e convocando o embaixador israelense "para esclarecimentos".
A convocação de embaixadores para retornar aos seus países de origem é vista, no mundo diplomático, como um atitude dura, e que pode sinalizar o rompimento de relações entre as nações.
Quais os possíveis efeitos
Em entrevista à Fórum, o professor Rodrigo Gallo, especialista em política internacional e coordenador do curso de Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia, destaca que "política internacional é sensível, e discursos, como o do Lula sobre o conflito em Gaza, podem causar impactos - ainda que sejam impactos mais simbólicos e menos práticos".
"O ato de convocar o embaixador por parte de Israel funciona como uma sinalização, uma nota de desagravo, que obviamente reconhece a existência de uma crise e, nas entrelinhas, deixa claro à diplomacia brasileira que é necessário negociar. Consequentemente, o fato de o governo brasileiro também convocar o embaixador significa igualmente que, do ponto de vista brasileiro, a reação israelense foi ríspida demais, e também sinaliza a necessidade de negociação", explica o professor.
Gallo avalia, entretanto, que apesar dos gestos de ambos os governos de convocar seus embaixadores, o rompimento de relações entre Brasil e Israel é uma possibilidade remota.
"Dificilmente esse quadro levará a um rompimento de relações. Os dois países mantêm índices razoáveis de exportação e importação entre si, o que reforça a importância econômica e comercial dessa relação. Para além disso, o Brasil tem uma importância simbólica muito grande para a construção do Estado de Israel, ainda nos anos 1940, e é um país com uma comunidade judaica muito grande, que poderia ser bastante prejudicada se houvesse uma ruptura. Do mesmo modo, é sabido que o Brasil reconhece a necessidade da criação de um Estado Palestino. Logo, é um ponto complexo de discussão", pontua o especialista.
Já os professores de Relações Internacionais e especialistas em Oriente Médio, Renatho Costa, da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), e Reginaldo Nasser, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também em entrevista à Fórum, sustentam que uma eventual quebra de relações entre Brasil e Israel não seria um problema. Ao menos comercialmente.
"As relações do Brasil com o Israel representam 0,37% da nossa balança comercial. Não vejo nenhum problema [em um possíveis problemas nas relações]", afirma Nasser.
"Afetar economicamente a balança comercial é irrisório. E talvez seja muito mais interessante para os israelenses essa relação do que necessariamente para o Brasil. Tem muito mais empresas envolvidas nisso que poderiam ser afetadas do que necessariamente o Brasil", concorda Renatho Costa.
Nenhum líder mundial - além de Israel - condenou fala de Lula
Antes da escalada diplomática entre Brasil e Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o presidente de Israel, Isaac Herzog, instaram líderes mundiais a rejeitar a comparação feita por Lula entre o genocídio em Gaza e o Holocausto. No entanto, esse apelo não obteve resposta até o momento.
Apesar das críticas da mídia brasileira, das entidades judaicas, da oposição no Congresso Nacional e do governo israelense, nenhum líder mundial de relevância, chefe de Estado ou presidente, para além de Israel, se pronunciou ou repudiou a fala de Lula.
Pelo contrário. As reações de líderes globais nesta segunda-feira (19) em relação às ações de Israel em Gaza parecem apoiar indiretamente a declaração do presidente brasileiro. O chefe de política externa da União Europeia, Josep Borrell, por exemplo, afirmou que 26 dos 27 países do bloco pedem "uma pausa humanitária imediata que leve a um cessar-fogo sustentável" em Gaza.
Países como Canadá, Nova Zelândia e Austrália assinaram uma declaração conjunta na quinta-feira passada (15), pedindo um cessar-fogo imediato na região e se posicionando firmemente contra a política militar de longa data liderada por Benjamin Netanyahu.
O comunicado destaca: "Aproximadamente 1,5 milhão de palestinos estão refugiados na região, incluindo muitos de nossos cidadãos e suas famílias. Uma operação militar ampla seria devastadora. Exortamos o governo israelense a não seguir por esse caminho. Simplesmente não há para onde os civis possam fugir".
Um dia antes, Espanha e Irlanda solicitaram à Comissão Europeia uma investigação "urgente" sobre se Israel está respeitando os direitos humanos em Gaza, conforme anunciado pelo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.