A aparente derrubada do governo de Bashar al-Assad na Síria, nas primeiras horas deste domingo, 8, marca o fim de uma era no Oriente Médio e sinaliza para uma dura derrota da Rússia e do Irã.
A queda de Assad, que teria deixado Damasco com a família, é uma consequência direta do ataque de 7 de outubro do Hamas a Israel.
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Depois de degradar o movimento palestino em Gaza, à custa de mais de 44 mil mortos, Israel demoliu a liderança do Hezbollah no Líbano e enfraqueceu a milícia xiita a tal ponto que obteve seu objetivo, de um cessar-fogo em que impôs suas condições.
Com o Hezbollah enfraquecido e a Rússia ocupada com a guerra da Ucrânia, Assad perdeu seus dois principais apoiadores e colapsou diante da ofensiva da Organização para a Libertação do Levante (HTS), uma força nascida de herdeiros da Al-Qaeda e do Estado Islâmico que representa o fundamentalismo sunita diante dos xiitas do Hezbollah e do Irã.
A HTS foi organizada com apoio externo, especialmente da Turquia.
Para se reapresentar ao planeta em nova roupagem, provavelmente pró-ocidental, o líder da HTS abandonou seu nome de guerra e passou a assinar como Ahmed al-Sharaa.
Os Estados Unidos e outros países consideram o líder da HTS oficialmente como "terrorista". Washington oferece recompensa pela captura dele, mas deve reconsiderar em função da realidade no terreno.
Fim de uma era
A queda de Assad representa o fim de uma era no mundo árabe: a do partido nacionalista Baath, que no auge chegou a unir Síria e Egito no que foi chamado de República Árabe Unida, que durou de 1958 a 1961.
No Iraque, o partido Baath de Saddam Hussein foi dizimado depois da invasão estadunidense de 2002.
O partido, inspirado nas ideias do líder egípcio Gamal Abdel Nasser, marcou época ao participar do Movimento dos Países Não Alinhados, por buscar uma alternativa ao controle de Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria.
A principal marca do Baath era o nacionalismo em torno da defesa do petróleo e de outros recursos naturais.
A consequência mais imediata da queda de Assad é a possibilidade de um significativo avanço do neoliberalismo na região, com a pacificação das relações de Israel com a Arábia Saudita e outros países árabes em torno de projetos de integração financeira mutuamente benéficos para as elites locais.
Ao menos um líder da HTS enviou mensagem através de uma emissora de Israel dizendo que o futuro governo da Síria deixaria de fazer oposição a Tel Aviv.
Dura derrota da Rússia
A Rússia passou meses denunciando que a Ucrânia teria dado apoio a inimigos de Assad com o objetivo de impor uma derrota militar, política e diplomática a Moscou.
Nas últimas horas, informações não confirmadas dão conta de um intenso tráfego aéreo entre a Rússia e o aeroporto de Lakitia, na Síria, supostamente para a retirada de forças e equipamentos russos que estavam no país.
A Rússia controla várias bases militares na Síria, sendo a mais importante delas o porto de Tartus, no mar Mediterrâneo, cujo futuro permanece incerto.
Com a derrubada de Assad, o Irã perde sua conexão terrestre com o Hezbollah, o que debilita profundamente o chamado Eixo da Resistência a Israel, financiado e armado por Teerã.
Enfraquecido, o Hezbollah já deu sinais de que pretende se dedicar à integração política ao governo do Líbano.
Os Estados Unidos, Israel e a Turquia podem ser considerados os grandes vencedores momentâneos, mas o futuro governo da Síria é uma incógnita que só será decifrada nos próximos meses.
Tudo indica que o país caminha para o mesmo destino da Líbia e do Iraque, que após intervenções ocidentais herdaram fraturas internas que resultaram em perda de soberania e pilhagem dos recursos naturais.
É o "caos programado" de que fala a autora Naomi Klein em seu livro A Doutrina do Choque: A Ascensão do Capitalismo do Desastre -- neste caso, às custas do abandono da causa palestina.