LIBERDADE?

Trump e a hipocrisia extrema direita: defensor da liberdade que quer controlar a imprensa

Presidente eleito dos EUA firma acordo milionário com a rede de tevê ABC News; bolsonaristas seguem cartilha do republicano

Presidente eleito dos EUA firma acordo milionário com a rede de tevê ABC News.
Trump e a hipocrisia extrema direita: defensor da liberdade que quer controlar a imprensa.Presidente eleito dos EUA firma acordo milionário com a rede de tevê ABC News.Créditos: Reprodução Instagram Donald Trump
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"Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Esse ditado popular que denota comportamentos hipócritas cai como uma luva em Donald Trump.

O presidente eleito dos EUA e a emissora ABC News firmaram um acordo de US$ 15 milhões para encerrar uma ação de difamação movida por Trump contra a rede de televisão. A emissora também se comprometeu a pagar US$ 1 milhão em honorários advocatícios do republicano.

O caso teve início após o jornalista George Stephanopoulos, da ABC, afirmar durante uma entrevista que Trump havia sido considerado "culpado por estupro" em um processo civil de 2023. 

Na verdade, o tribunal determinou que Trump era responsável por abuso sexual e difamação contra a escritora E. Jean Carroll, mas não por estupro, conforme definido pelas leis de Nova York.

Como parte do acordo, a ABC emitirá uma nota corrigindo as declarações feitas durante a entrevista e fará uma doação dos US$ 15 milhões para a fundação e o museu presidencial que Trump planeja criar.

Além do pagamento, a ABC News divulgou um comunicado lamentando o erro e corrigiu a informação em seu site, enquanto Trump e seus aliados comemoraram o resultado como uma "vitória contra a mídia tendenciosa".

O caso deixa à mostra as contradições de Trump, que se posiciona como um defensor da liberdade de expressão e um crítico ferrenho da censura, ao mesmo tempo utiliza processos judiciais e ameaças legais para intimidar e silenciar veículos de mídia que questionam suas ações.

Estratégia litigiosa

O desfecho da disputa gerou críticas de especialistas em liberdade de imprensa, que alertaram para o precedente que o acordo pode criar, potencialmente encorajando figuras públicas a pressionar veículos de mídia com ameaças de processos judiciais. 

A decisão da ABC reflete uma preocupação crescente das redes de comunicação com os custos financeiros e a polarização política que afetam a confiança do público na imprensa.

Apesar de raramente vencer ações judiciais contra a mídia, Trump utiliza litígios como estratégia para intimidar jornalistas e veículos de comunicação críticos, o que levanta preocupações sobre a liberdade de imprensa e o impacto de tais práticas na democracia.

Táticas de intimidação

Essa não é a primeira vez que Trump recorre a processos judiciais contra a imprensa. Desde sua primeira candidatura, ele usou ameaças de processos por difamação como estratégia para pressionar jornalistas e veículos críticos. 

Entre os alvos já estiveram The New York Times, CNN e The Washington Post. Apesar de poucas dessas ações terem prosperado judicialmente, elas serviram como ferramentas de intimidação, levando alguns veículos a reconsiderar ou moderar sua cobertura.

"É uma tentativa deliberada de controlar a narrativa pública e minar a confiança na imprensa, um pilar essencial da democracia", afirmou David McCraw, advogado do The New York Times.

McCraw acrescentou que as ameaças legais de Trump "sabotam o livre fluxo de informações, essencial para a transparência e o debate democrático".

A contradição da extrema direita

A retórica de Trump e da extrema direita estadunidense frequentemente se apoia na defesa da liberdade de expressão e na crítica ao que consideram "cultura do cancelamento". 

Contudo, as ações de Trump revelam uma estratégia oposta: a utilização do sistema judicial e de ameaças legais para suprimir críticas e dissuadir investigações jornalísticas.

RonNell Andersen Jones, professora de Direito da Universidade de Utah, destacou no New York Times que as ações judiciais contra a imprensa refletem um "declínio na confiança pública na mídia e um ambiente político que encoraja ataques à liberdade de imprensa". 

Ela alerta que esses precedentes podem abrir caminho para que figuras públicas usem táticas semelhantes em escala global.

Impactos sobre a mídia e a democracia

A pressão sobre veículos de comunicação não é uma exclusividade dos EUA. A estratégia de Trump de atacar a credibilidade da imprensa e ameaçar jornalistas ecoa práticas de governos autoritários que buscam silenciar vozes críticas e controlar a narrativa pública. 

Ao mesmo tempo, essa postura aumenta a polarização política e enfraquece a confiança em instituições democráticas.

Em comunicado, Debra O’Connell, executiva da Disney, proprietária da ABC News, explicoiu que o acordo foi uma decisão estratégica. 

"Embora preferíssemos seguir com o caso, reconhecemos a necessidade de encerrar essa disputa para proteger nossos jornalistas e manter o foco no jornalismo independente", afirmou.

O impacto desse caso vai além das fronteiras estadunidenses. Ele evidencia os desafios enfrentados pela mídia em tempos de crescente polarização política, pressão financeira e ataques deliberados à sua credibilidade. 

Apesar de defender a liberdade de expressão em discurso, a extrema-direita liderada por Trump mostra-se disposta a restringir essa mesma liberdade para proteger sua imagem e agenda.

Extrema direita no Brasil 

No Brasil, a atuação da extrema direita para tentar silenciar a imprensa segue um padrão que combina ataques públicos, estratégias judiciais e campanhas de desinformação. 

Inspirados em práticas internacionais, como as de Trump, políticos e figuras associadas a esse espectro ideológico têm adotado diversas ações para descredibilizar jornalistas e limitar a liberdade de imprensa.

A extrema direita brasileira frequentemente acusa a imprensa de ser "tendenciosa" ou "militante", utilizando discursos que polarizam a opinião pública e deslegitimam veículos jornalísticos tradicionais. 

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi um dos principais expoentes dessa retórica. Durante seu governo (2019-2022), Bolsonaro atacou abertamente jornalistas em coletivas de imprensa, desacreditou reportagens críticas e estimulou seus apoiadores a confrontarem profissionais da comunicação.

Bolsonaro insultou jornalistas como Vera Magalhães (TV Cultura) e Patrícia Campos Mello (Folha de S. Paulo), acusando-os de produzir "fake news" para prejudicar sua gestão. 

Em um episódio de destaque, afirmou que Patrícia tinha se insinuado sexualmente para obter informações, uma declaração que gerou ampla repercussão e ações judiciais.

Assédio judicial 

Assim como Trump nos EUA, a extrema direita no Brasil recorre a ações judiciais para intimidar veículos de comunicação e jornalistas. Esses processos, muitas vezes baseados em acusações de difamação ou calúnia, são utilizados como forma de censura indireta.

Durante o governo Bolsonaro, membros do governo e aliados próximos ajuizaram ações contra jornalistas e veículos críticos. Embora muitos desses processos não avancem judicialmente, eles criam um clima de intimidação e obrigam jornalistas a gastar recursos e tempo com defesa legal.

Campanhas de desinformação e discursos de ódio

Outra estratégia recorrente é a disseminação de campanhas de desinformação contra jornalistas nas redes sociais, associada a discursos de ódio promovidos por apoiadores da extrema direita. 

Plataformas como WhatsApp, Telegram e Twitter são usadas para propagar informações falsas, incitando ataques virtuais e até ameaças físicas.

Um levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) identificou que 77% dos ataques à imprensa em 2022 vieram de figuras ligadas à extrema direita, com Bolsonaro responsável por quase 30% dos casos.

Propostas para enfraquecer a imprensa

A tentativa de enfraquecer a imprensa também se dá por meio de propostas políticas. Durante o governo Bolsonaro, houve esforços para reduzir o alcance de veículos públicos independentes, como a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), e para privilegiar portais alinhados ao governo em campanhas publicitárias oficiais.

A extinção ou esvaziamento de veículos públicos críticos foi defendida como uma maneira de “economizar recursos”, mas também visava limitar a diversidade de vozes na cobertura de políticas públicas.

Em 2020, o governo federal foi acusado de favorecer portais alinhados à extrema direita em contratos de publicidade oficial, enquanto restringia recursos de veículos tradicionais.
Impactos para a Democracia

As ações da extrema direita para calar a imprensa têm consequências graves para a democracia:

  • Autocensura: O medo de retaliações judiciais ou ataques pessoais leva alguns jornalistas a evitarem reportagens críticas ou investigativas.
     
  • Desinformação: Ao minar a confiança na mídia tradicional, abre-se espaço para a proliferação de notícias falsas e narrativas manipuladas.
     
  • Agressões físicas e ameaças: Jornalistas críticos têm sido alvo de ameaças e, em casos extremos, de violência física, como ocorreu durante manifestações pró-governo em 2021.

O caso da Folha

Nesse cenário de ataques, causou polêmica a publicação do artigo "Aceitem a democracia", assinado por Jair Bolsonaro na Folha de S.Paulo. O episódio deflagrou intensos debates sobre o papel da imprensa na promoção do pluralismo e os limites da liberdade de expressão.

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Durante seu mandato, Bolsonaro frequentemente atacou veículos de mídia, incluindo a própria Folha, questionando sua credibilidade e independência. Em novembro de 2019, por exemplo, ele insinuou que o jornal publicava fake news e ameaçou retirar verbas publicitárias estatais.

Apesar desse histórico de confrontos, a Folha concedeu espaço para que o ex-presidente expusesse suas opiniões em um artigo de opinião.No texto, Bolsonaro argumenta que a direita tem obtido sucessivas vitórias eleitorais e critica a esquerda por não aceitar os resultados democráticos quando desfavoráveis.

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