O "DONO" DA CÂMARA

Lira, o homem que não gosta de jornalistas e persegue a imprensa

Ainda presidente da Câmara, parlamentar alagoano tem muito em comum com Bolsonaro. Jornalistas e fotógrafos têm seu trabalho dificultado e espaço restringido por ele

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.Créditos: Lula Marques
Escrito en POLÍTICA el

Arthur Lira (PP-AL) está em seus últimos momentos como presidente da Câmara dos Deputados. Ele chegou ao posto mais alto da “Casa do Povo” em 1° de fevereiro de 2021 e o que se viu a partir dali foi o aprofundamento das relações escusas entre o Legislativo e então governo de Jair Bolsonaro (PL). Aliás, sempre entre sorrisos e abraços com o mais funesto dos presidentes brasileiros, Lira demonstrou servidão ao líder autoritário de extrema direita e, após sua derrota nas urnas para Lula (PT), fez tudo o que estava a seu alcance para infernizar o novo governo e colocá-lo em meio a um pandemônio institucional.

Em relação a Bolsonaro, o parlamentar alagoano guarda algumas outras semelhanças, com destaque para uma delas: a aversão à imprensa. No caso do ex-presidente, o tratamento era aos berros e com um gestual violento e agressivo. Já com Lira, a ojeriza se dá por meio de ações no dia a dia, dificultando o trabalho dos jornalistas e restringindo os espaços utilizados por esses profissionais para trabalhar, interferindo diretamente num dos pilares mais sagrados de qualquer regime democrático, o exercício de uma imprensa livre.

“O Arthur Lira proibiu todos os fotógrafos dos veículos de imprensa de entrarem no plenário. E por que ele proibiu? Ele proibiu depois que fiz uma foto dele com um cocar”, diz o fotojornalista Lula Marques, uma verdadeira ‘instituição’ da imprensa brasileira na cobertura do dia a dia e da vida política em Brasília. Autor de fotos célebres e que estarão marcadas para sempre na História do Brasil, Lula está 44 anos atuando no Congresso Nacional diariamente e diz nunca ter visto nada parecido.

A foto a que ele se refere foi tirada enquanto Lira estava sentado na cadeira de presidente da Câmara dos Deputados, com uma pessoa atrás dele usando um cocar indígena, o que, pelo ângulo, sugeria que era o próprio deputado que estava com o acessório. Na legenda da publicação no Instagram, nos últimos dias de 2023, lê-se “O ‘cacique’ da Câmara”. Foi o suficiente para despertar sua fúria e seu senso vingativo.

A foto de Lula Marques que despertou a fúria de Arthur Lira

Só que os desmandos de Lira contra jornalistas não param por aí. Ele foi o presidente da Câmara responsável por tomar o ato que até hoje é visto como o mais descarado e prejudicial ao exercício da liberdade de imprensa na capital da República.

“Ele usurpou o comitê de imprensa. Durante a pandemia, ele simplesmente tirou os jornalistas do comitê de imprensa que tínhamos próximo ao plenário e colocou num comitê de imprensa muito pequenininho, longe, onde faltam mesas, o ar-condicionado não funciona direito, enfim, falta tudo”, diz Lula Marques.

“A gente sempre teve acesso total ao plenário... Só não subia na mesa da presidência, como nós fazíamos na Constituinte, com o Doutor Ulisses (Guimarães), e tem aquela foto da careca dele em primeiro plano e o plenário no fundo, mas nós tínhamos acesso ao plenário, ali embaixo, e às galerias na parte superior. Depois, nós fomos proibidos de acessar o plenário e as galerias laterais, que é justamente de onde fazemos aquelas fotos que captam as telas dos celulares deles (deputados) conversando um monte de coisa, né... Agora, a gente só pode ficar na galeria da parte frontal, que dá de frente pra mesa diretora, bem diferente do Senado, onde tudo corre normalmente, com acesso aos jornalistas... É uma coisa de quem não tem apreço pela democracia, pela liberdade de imprensa, é coisa bem de um ditadorzinho”, desabafa o veterano repórter fotográfico.

Guga Noblat expulso da Câmara

O repórter Guga Noblat, do ICL Notícias, portal Metrópoles e jornal Meio Norte, esta semana se viu como centro do noticiário após ser literalmente expulso da Câmara dos Deputados. Ele explicou que tudo começou com um fato antigo, de ordem meramente burocrática, e sobre algo que ele desconhecia totalmente: uma suposta validade de sua credencial para cobrir o Congresso.

“Eu tinha uma credencial do Metrópoles, que eu também trabalho lá, e que eu podia entrar com essa credencial e ela não tinha data de validade, só que dentro do sistema, eles me disseram, ela valeria por apenas dois anos, e é claro que eu não sabia, nem tinha como saber. Disseram eles que ela venceu o ano passado e eu entrava com ela sempre no Congresso, este ano inclusive, porque não tinha data de validade. Mas o fato é que, quando me disseram agora que ela tinha data de validade, é claro que já era o Arthur Lira se mexendo lá dentro. Eu trabalho também na TV Meio Norte, e eu fui então renovar pela TV Meio Norte, porque eu entro muito lá com cinegrafista pra gravar pra eles, e eles estavam há um tempo inventando desculpas para não me cadastrar no ICL, alegando que não era veículo de mídia. O fato é que quando eu fui fazer a renovação, pela TV Meio Norte, eles vieram com a desculpa de que eu não renovaria para uma credencial permanente porque eu tinha entrado com uma credencial vencida, como se fosse uma punição. Claro que eu fui apurar isso, e a Polícia Legislativa queria me dar [a credencial], assim como a 1ª Secretaria, e conversando com muita gente ficou bem claro que foi por decisão do Lira”, começou explicando Guga.

Só que a coisa se agravou na quarta-feira (11), quando o jornalista esbarrou com o presidente da Câmara nos corredores da casa legislativa. Na hora ele imaginou que algo aconteceria e não deu outra. Acabou sendo abordado por seguranças, mesmo sem qualquer razão, e colocado para fora de lá.

“Recentemente, enquanto isso se desenrolava, eu vinha cobrindo o Congresso, e no Senado nunca houve problema, o problema sempre foi na Câmara. Eu cheguei a cobrir aqui umas duas ou três semanas depois do recesso, e tudo bem. O que aconteceu é que, esta semana, o Arthur Lira cruzou comigo, me mediu, olhou olho no olho, e assim que aconteceu eu ainda disse para o cinegrafista “quer ver, ele vai dar um jeito de me atrapalhar”... Aí deu uns 40 minutos e chegaram os seguranças, e eu não podia mais gravar... E se eu quisesse gravar, eu teria que ser retirado de lá... E até na porta, onde qualquer um pode gravar, eles queriam traçar uma linha e me impedir de gravar lá... E eu já tinha apurado que tudo ocorreu por pressão do Lira, e eu fiquei na minha, mas aí ele me encontrou e fez isso aí, me expos, ele quer atrapalhar mesmo... É pura perseguiçãozinha de um político mimado que se acha dono do Congresso”, disse ainda o repórter.

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