POLÊMICA

Por que o sistema eleitoral dos EUA resiste, mesmo sob críticas?

Autonomia dos estados é turbinada pelo Colégio Eleitoral

Amplitude.Hoje, em Youngstown, Ohio, também estão sendo eleitos o promotor e o escriturário do condado.Créditos: Fernando Cavalcanti
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O sistema eleitoral dos Estados Unidos é definido por observadores externos como confuso, inseguro e dado a criar dramas nacionais quando o resultado é apertado.

Eleitores brasileiros, acostumados a resultados rápidos, se esbaldam com as novelas eleitorais dos EUA, como a de 2.000, quando o vice-presidente Al Gore só reconheceu o resultado em 13 de dezembro -- o pleito, sobre o qual ainda pairam muitas dúvidas, aconteceu em 7 de novembro.

Se é assim, por que não há mudanças?

De certa forma, porque a forma de organizar eleições no país reflete o arranjo institucional que levou à União de estados que conhecemos como EUA.

Autonomia

Os estados tem grande autonomia em relação ao governo federal e, dentro deles, o mesmo acontece em relação aos condados e municipalidades.

Em setores do país, especialmente no Oeste, existe um tendência antifederal politicamente importante, baseada no ressentimento contra interferência de Washington em assuntos do dia a dia dos eleitores, como as reservas florestais, a regulamentação da posse e porte de armas e a cobrança de impostos.

De maneira dramática, esta tendência se expressou nas ações terroristas do Unabomber e no caso dos davidianos de David Koresh, que foram massacrados pela polícia em Waco, no Texas, depois de se negar a entregar seu arsenal à polícia, em abril de 1993.

Eleições múltiplas

Além disso, há questões práticas: diferentemente do Brasil, num dia como hoje pode haver eleições locais para xerife, escriturário do condado [faz o serviço do cartório], promotor, juiz e muitos outros cargos públicos, além de plebiscitos sobre temas estaduais.

Os votos podem ser dados na mesma cédula onde aparecem os nomes dos candidatos a presidente, senador e deputado federal.

Federalizar uma eleição com tantas opções distintas é uma impossibilidade física.

Para além disso, o Colégio Eleitoral como existe hoje pode provocar uma distorção nos resultados (quem tem mais votos populares nem sempre vence), mas valoriza estados do interior como a Pensilvânia, Geórgia e Nevada que, caso contrário, seriam esmagadas pelo peso econômico da Califórnia, Texas e Nova York.

O PIB

No Brasil, São Paulo representa mais de 30% de todo o PIB e concentra o capital da burguesia brasileira como nenhum outro.

A Califórnia, por comparação, representa apenas 14% do PIB estadunidense. A manutenção do Colégio Eleitoral tem relação com isso: preservação de elites locais em estados como Wisconsin, que tem apenas 1,5% do PIB nacional.

A preservação de elites locais, que geram orçamento para investir em seus próprios estados, reduz a dependência do governo federal e é vista como um fator para tornar os EUA um país razoavelmente homogêneo, sem gigantescos bolsões de pobreza -- embora, desde a posse de Ronald Reagan em 1980 -- e especialmente depois da crise de 2008 e da pandemia de COVID -- os níveis de desigualdade tenham chegado a níveis históricos nunca vistos.

Hoje, 10% das famílias estadunidenses controlam 70% da riqueza e os 50% da base da pirâmide apenas 2,5%, uma das explicações para a força do movimento ultranacionalista de Donald Trump.

Mudança

Trump, aliás, é quem tem uma proposta para federalizar as eleições.

Inspirado numa conversa com o francês Emmanuel Macron, ele quer votação em um único dia, com cédulas de papel com marca d'água e resultados finais na mesma noite do pleito (é um sistema parecido com o da Venezuela, em que a urna eletrônica expele voto impresso para conferência do eleitor).

Pode ser apenas mais uma promessa vazia, uma vez que haverá reação dos estados contra o que seria interferência indevida da União -- na ótica de autoridades locais.