MISTÉRIO

A base militar ultrassecreta dos EUA “debaixo do nariz” da União Soviética

Tornada pública em 1997, base norte-americana poderia enviar até 600 mísseis e destruir 80% do território da URSS

Construção de Camp Century - 1960.Créditos: U.S. Army Corps of Engineers
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No auge na Guerra Fria, os Estados Unidos, que enfrentavam dificuldades orçamentárias crescentes com a corrida armamentista e espacial que se seguiu ao duelo geopolítico travado com a União Soviética, recorreram a um plano furtivo: ocupar os desertos da Groenlândia, num território a menos de três mil quilômetros da capital soviética, para instalar ali uma base militar camuflada em que se pudesse erguer um acampamento estratégico para abrigar seus mísseis nucleares.

Chamado Project Iceworm (algo como “projeto verme de gelo”, em tradução livre), a iniciativa se tratou de um "plano ultrassecreto", conforme noticiou o The Washington Post, para "converter parte do Ártico em uma base de lançamento" em forma de cidade — uma cidade escondida sob o gelo

A proximidade do local à fronteira soviética era parte importante do plano, por funcionar como estratégia de dissuasão: a URSS teria mísseis inimigos no seu quintal, e só saberia disso se os EUA precisassem que soubesse, ou na iminência de um ataque surpresa.

Ali, numa área gélida e inabitada da Groenlândia, foram escavados túneis subterrâneos, que agiam como "trincheiras" para a passagem de mísseis balísticos de alcance médio (MRBMs). A proximidade do território soviético também garantia que mísseis intercontinentais, os ICBMs, que hoje constituem uma ameaça no conflito em curso entre Rússia e Ucrânia, não fossem necessários para os possíveis ataques, e apenas mísseis de precisão de porte mediano poderiam ser alocados.

O projeto foi detalhado por um artigo de Nikolaj Petersen, pesquisador da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e publicado no Scandinavian Journal of History. De acordo com ele, o plano do Iceworm foi inspirado pela história de um coronel norueguês naturalizado nos Estados Unidos, Bernt Balchen, que teria sido um dos primeiros a evidenciar o território da Groenlândia como localização estratégica, que se tornaria alvo de uma disputa duradoura entre grandes potências.

Em 1941, os EUA haviam assinado com a Dinamarca, que tinha estado em controle do território desde a primeira década do século XIX, um acordo que dava aos norte-americanos jurisdição para o uso militar da ilha, no início da Guerra Fria. À época da assinatura, o acordo havia sido uma maneira de combater a ocupação nazista do território

Mas ele serviu bem aos interesses posteriores de Balchen, que incentivou a inteligência americana a construir duas bases militares na região e a "guardar" nelas seus arsenais nucleares. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a Dinamarca adotou, em 1957, uma política de proibição do emprego e da instalação de armamento nuclear no território, a opção dos EUA foi, então, converter suas bases em um grande "centro de treinamento" militar, o que seria o Camp Century, no ano seguinte.

O Camp Century deveria ser tratado como um campo de pesquisa e uma "área de testes" no Ártico. Seu verdadeiro propósito era, entretanto, acobertar a cidade subterrânea que havia sido Iceworm, com seus mais de 130 quilômetros quadrados, duas mil posições de disparo e 600 mísseis de médio alcance.

Lá também deveriam morar cerca de 11 mil militares, apoiados por construções civis como um hospital, uma escola e até um cinema, todos abastecidos por geradores nucleares. 

Os mísseis instalados em Camp Century, se lançados contra os soviéticos, seriam suficientes para destruir até "80% dos alvos americanos na URSS e na Europa Ocidental", afirma o Washington Post.

Mas o projeto fracassou: além do alto custo da empreitada, avaliada em US$ 2,37 bilhões na época, as condições ambientais da Groenlândia, com seu comportamento geológico incerto e o frequente derretimento de geleiras, não permitiriam que a cidade subterrânea existisse sem maiores ameaças estruturais.

Abandono definitivo

Portanto, a partir de 1964, o acampamento se tornou menos relevante, até ser abandonado em definitivo três anos depois, em 1967.

A execução do “plano ultrassecreto” de Iceworm foi tornada pública em 1997, e os padrões de derretimento das geleiras da Groenlândia não foram capazes de encobrir todos os resquícios deixados ali pelos militares, que incluíam mais de nove mil toneladas de equipamentos de construção e 200 mil litros de óleo diesel — usados no reator nuclear da base.

Esses "escombros" ficaram lá, metade submersos e eventualmente expostos pelo degelo, e acredita-se que devem ser liberados gradualmente ao longo das décadas — com seu prejuízo ambiental potencializado pelos efeitos do aquecimento global.

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