De Baku, Azerbaijão -- Passadas algumas horas, a Rússia não confirmou -- nem desmentiu. Foi apenas mais um golpe de propaganda de Kiev?
Autoridades da Ucrânia, que deram o alarme, acreditam que foi um Míssil Balístico Intercontinental (ICBM) que acertou a cidade de Dnipro, depois de partir de um centro de lançamento perto de Volvogrado, na Rússia, 1.000 quilômetros ao norte de Baku.
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A dúvida persiste na capa de um dos principais jornais da Ucrânia. Foi um ICBM?
O presidente Volodymyr Zelensky aproveitou a ocasião para se fazer de vítima:
Hoje, nosso vizinho maluco mostrou mais uma vez o que realmente é -- e como despreza a dignidade, a liberdade e, em geral, a vida das pessoas. E como ele está com medo.
Arma de Josef Stálin
Depois da Segunda Guerra Mundial, quando a Guerra Fria se iniciava e percebeu que estava sendo cercado por aviões bombardeiros dos Estados Unidos, Josef Stálin deu um gás no programa espacial da União Soviética.
O mundo simpatizou com a cadelinha Laika, Gagarin e Valentina, os pioneiros do espaço, mas por trás do golpe de propaganda estava o desenvolvimento dos ICBMs.
Com eles, a URSS obteve o eventual "empate estratégico" com os Estados Unidos: poderiam atingir Nova York e Los Angeles.
Os ICBMs foram feitos, em tese, para nunca serem usados.
A definição clássica é de um foguete com vários estágios, que pode carregar uma ou mais ogivas nucleares ou convencionais, com alcance de mais de 5.500 quilômetros.
Abaixo, você vê a trajetória de quatro ICBMs testados pela Coreia do Norte em 2017.
Em um dos lançamentos, o míssil da Coreia do Norte chegou a uma altitude de quase 4.500 km.
Como base de comparação, a Estação Espacial Internacional fica em órbita a 400 km de altitude em relação aos oceanos.
No popular: o ICBM atinge grande altitude e depois despenca em tal velocidade que não existem hoje métodos para detoná-lo antes que atinja o alvo.
É por isso que Donald Trump tem falado em fazer um sistema de defesa anti-mísseis nos EUA que seria um Domo de Ferro de Israel em esteróides: em tese, destruiria até ICBMs a caminho de Washington.
É um sonho antigo, de Ronald Reagan, que nos anos 80 do século passado falou em fazer um sistema parecido, logo batizado de Guerra nas Estrelas por causa de um filme popular do período, que se tornou série.
Elon Musk e seus foguetes, sob a ingênua ideia de "colonizar Marte", não está apenas turbinando as comunicações do planeta.
Ele e outros bilionários, como o dono da Amazon, Jeff Bezos -- dono da empresa espacial Blue Horizon -- sabem que há bilhões de dólares a faturar em contratos do Pentágono para Defesa no espaço.
Sem necessidade militar
Como a distância aproximada em linha reta entre o suposto ponto de lançamento na Rússia e o alvo, Dnipro, na Ucrânia, é de cerca de 850 quilômetros, os russos poderiam ter utilizado muitos outros armamentos.
Apelar para um ICBM com ogivas convencionais só se justificaria como uma mensagem aos Estados Unidos e à OTAN, a aliança militar ocidental: "Podemos atacá-los de qualquer ponto de nosso território".
Faz sentido político, depois que a Ucrânia usou os mísseis mais sofisticados em existência no arsenal do Ocidente: os ATACMS fabricados nos EUA e os franco-britânicos Storm Shadow/Scalp.
Como estes últimos contém tecnologia de ponta estadunidense, dependem de autorização de Washington para uso contra território russo.
Por enquanto, tanto os ATACMS quanto os Storm Shadow foram utilizados em regiões russas fronteiriças à Ucrânia.
Provavelmente, os operadores são estadunidenses ou ligados à OTAN.
Os mísseis representam uma ameaça real à retaguarda russa: depósitos de munição, centros logísticos, bases de comando e controle e inteligência.
Recado à Polônia
Antes de deixar a Casa Branca, Joe Biden já autorizou a presença de técnicos de manutenção estadunidenses na Ucrânia para cuidar dos caças F-16 e das baterias anti-mísseis Patriot, a entrega de minas anti-pessoais para frear a infantaria russa e perdoou U$ 4,6 bilhões em dívidas da Ucrânia.
Se Vladimir Putin de fato autorizou o uso de um ICBM, seria em resposta a isso.
Mas, há mais: a base da OTAN na Polônia, supostamente "defensiva".
Hoje, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, se negou a falar sobre o lançamento de um ICBM, mas alertou:
Dada a natureza e o nível das ameaças representadas por tais instalações militares ocidentais, a base de defesa antimísseis na Polónia tem sido identificada há muito tempo como um alvo prioritário para potencial destruição, se necessário, utilizando uma vasta gama de armas avançadas.
Trata-se de uma vacina contra a ideia da Polônia de criar uma espécie de zona de exclusão aérea sobre parte do território ucraniano, o que permitiria ao país abater mísseis russos.
É uma corrida contra o tempo: o governo Biden -- e a OTAN -- tem 60 dias, antes da posse de Donald Trump, para tornar a Ucrânia "de fato" uma integrante do bloco.
A especulação na Ucrânia é de que os russos usaram contra Dnipro um ICBM RS-26 Rubezh, de até quatro estágios, que pesa 36 toneladas, tem alcance de 5.800 quilômetros, pode atingir até 25 mil km por hora e é lançado de uma base móvel.
Arma típica de um confronto nuclear planetário.
Porém, pode ser mera propaganda -- a falsa informação é uma das armas mais eficazes nos conflitos de hoje.
Se usado, mesmo com ogivas convencionais, o ICBM poderia turbinar uma corrida armamentista -- pela óbvia vantagem de atingir o inimigo de longe, muito longe.
Como se o Brasil, por exemplo, atacasse a Argentina desde Rio Branco, no Acre.