Após se submeter à radioterapia até o mês de junho para tratar um câncer no esôfago, o ex-presidente do Uruguai José 'Pepe' Mujica se sente cansado e com pouca energia em sua atual fase de recuperação. Mas segue afiado.
“Eles me atingiram 31 vezes [pela radioterapia] às sete da manhã todos os dias. Fizeram merda [com o câncer], mas me deixaram com um buraco desses [com os dedos ele desenha um círculo grande como uma laranja]. Agora, o buraco tem que ser preenchido e eu sou um homem velho, tenho 89 anos. Até que esteja coberto, não posso comer. Você tem que mimá-lo até que endureça", conta.
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Em entrevista ao site espanhol El País, ele fala sobre a morte. E também sobre a vida. "A morte é uma senhora complicada, que não perdoa, que está sempre presente. Mas, se a morte não existisse, a vida não seria tão gostosa, seria chata. A morte torna a vida uma aventura", diz. "É o que há de mais valioso, a aventura de estar vivo. A grande questão é em que dedicamos tempo em nossas vidas. Porque se nos abandona... Qual o sentido da nossa vida? Essa é a grande questão pessoal."
"Me dediquei a mudar o mundo e não mudei nada ['no cambié un carajo'], mas me diverti. E gerei muitos amigos e muitos aliados nessa loucura de mudar o mundo para melhorá-lo. E dei sentido à minha vida."
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Ele criticou a postura consumista da sociedade atual que, na prática, tira o tempo de vida das pessoas. "Você tem tempo para trabalhar, mas não para viver. O mundo está muito longe de uma sobriedade que garanta tempo livre para viver. No meu país, somos três milhões e importamos 27 milhões de pares de sapatos. Nem se fôssemos centopeias, é uma loucura. Nascemos apenas para trabalhar?", questiona.
Relação com líderes mundiais
Mujica falou também do tempo em que governou o Uruguai, entre 2010 e 2015. Perguntado sobre qual líder mundial mais o teria cativado, é assertivo: "Lula, de quem sou amigo até hoje".
Quando questionado sobre o atual cenário da América Latina, Mujica volta a mencionar o presidente brasileiro, afirmando que a região perdeu uma oportunidade.
"O panorama é, infelizmente, complicado. Porque nos reunimos muito pouco e não existimos no mundo. Tivemos oportunidade com o Lula, que é uma figura global e tem certo prestígio, mas não aproveitamos o Lula", pontua. "Na política internacional, nem servimos café. Temos que nos unir para nos defendermos, mas a agenda nacional suga todo o nosso tempo. Com a pandemia de covid não tivemos reunião de presidentes, nem nos ligamos por telefone."
Mujica falou ainda sobre a vocação para a política. "A política não é um negócio, é uma paixão. Ou você tem ou não tem. Quem busca vantagem econômica deveria se dedicar ao comércio, à indústria. Que eles ganhem, paguem impostos e tenham um bom desempenho. Mas não misture política com isso, porque não se trata de ganhar dinheiro. É isso que está nos matando."
Confira a íntegra da entrevista aqui.