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Efeito Trump: como a ascensão da extrema direita impacta o governo Lula e as relações EUA-Brasil

Em entrevista à Fórum, a cientista política e especialista em relações internacionais Ariane Roder analisa o que muda para o Brasil e o mundo diante do retorno de Donald Trump à Casa Branca

O "efeito Trump" no Brasil.Donald Trump sorri em frente às bandeiras dos EUA e do BrasilCréditos: Alan Santos/PR
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Bolsonaristas estão em polvorosa com a vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos. O bilionário de extrema direita, que fez uma campanha marcada por ataques e fake news, impôs uma derrota histórica ao Partido Democrata, representado neste pleito por Kamala Harris, e conseguiu retornar à Casa Branca quatro anos após ser derrotado por Joe Biden e ter incitado um movimento golpista que culminou na invasão do Capitólio. 

Para a extrema direita brasileira, a ascensão de Trump pode servir de espelho no Brasil, visto que, tal como nos EUA, Jair Bolsonaro não aceitou a derrota para Lula em 2022 e incitou o movimento golpista que culminou na invasão à sede dos Três Poderes e 8 de janeiro de 2023. A esperança de bolsonaristas é que, com Trump presidente, Bolsonaro possa, de alguma maneira, reverter sua inelegibilidade, se livrar das investigações que pesam contra ele e, em 2026, seguir os passos de seu ídolo, a quem já disse "I love you", e retornar triunfante ao Palácio do Planalto. 

Além da empolgação dos extremistas do Brasil, há ainda a expectativa de que o futuro governo Trump trabalhe, de alguma maneira, para desestabilizar o governo Lula. O novo mandatário estadunidense é aliado do ex-presidente que faz oposição ao atual chefe do Executivo brasileiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou, inclusive, a declarar apoio a Kamala Harris durante a campanha e, após a vitória de Trump, reconheceu o resultado do pleito pelas redes sociais, mas não telefonou para o republicano. 

Trump já deu sinais sobre sua futura relação com o Brasil ao indicar que o senador Marco Rubio poderá liderar o Departamento de Estado. Rubio, conhecido por sua postura dura contra China, Cuba e Venezuela, já elogiou Bolsonaro em diversas ocasiões. Em 2019, Rubio declarou, em artigo para a CNN, que a vitória de Bolsonaro representava uma oportunidade para os EUA. Se Rubio assumir, espera-se que ele pressione o Brasil a se afastar dos BRICS e da ideia de uma moeda paralela ao dólar. Durante sua campanha, Trump prometeu usar tarifas para obter concessões políticas e econômicas de outros países.

Efeito Trump no Brasil

Para entender os possíveis impactos do governo Trump no Brasil e se a vitória republicana pode beneficiar Bolsonaro e a extrema direita brasileira, Fórum entrevistou Ariane Roder, cientista política do Coppead/UFRJ e especialista em relações internacionais.

Ariane afirma que a vitória de Trump representa um potencial fortalecimento não apenas da extrema direita brasileira, mas também da direita global.

"Não há dúvida de que a extrema direita ganha muito com a vitória de Trump. Primeiramente, por ser uma liderança da principal potência global, ele é capaz de mobilizar não só questões de fluxos financeiros e comerciais, mas também influenciar as agendas internacionais, como meio ambiente e direitos humanos, entre outras temáticas super relevantes para o mundo todo. Obviamente, isso fortalece a extrema direita globalmente, e eles já têm demonstrado, pelo menos na última década, a criação de uma rede bastante sólida entre essas lideranças que expressam uma agenda mais conservadora. Eles trocam experiências, estratégias de marketing político-eleitoral e cooperam na construção de uma agenda comum. Nesse sentido, sim, há uma perspectiva de fortalecimento da extrema direita no mundo e, inclusive, no Brasil", pontua.

Para a professora, a inelegibilidade de Bolsonaro, com Trump na presidência dos EUA, “certamente será questionada com mais força”.

"Independentemente de ele conseguir ou não derrubar essa decisão [a inelegibilidade], a importância de haver uma liderança de extrema direita influenciada e prestigiada por Trump e Elon Musk, por exemplo, que foi um grande patrocinador da campanha de Trump e possui grande poder aquisitivo para influenciar campanhas eleitorais no mundo todo, muda muito favoravelmente o jogo para a extrema direita", complementa a especialista.

Relações bilaterais e diplomáticas

Quanto aos “efeitos Trump” para o governo brasileiro, Ariane Roder acredita que as relações bilaterais entre Brasil e EUA dificilmente serão rompidas.

"É importante lembrar que Brasil e EUA são parceiros estratégicos há pelo menos dois séculos. Isso significa que a entrada de um presidente, especialmente um presidente que já foi eleito no passado, não vai necessariamente gerar uma ruptura nas relações diplomáticas ou fragilizar muito essa parceria estratégica", afirma.

No entanto, a professora destaca possíveis mudanças em algumas pautas de relações internacionais, incluindo a questão ambiental.

"Provavelmente, a eleição de Trump já impactará o resultado do G20, que acontecerá no Brasil [em 18 e 19 de novembro], com a principal pauta sendo a discussão sobre mudanças climáticas e uma agenda comum de enfrentamento. Como sabemos, Trump é um negacionista nesse sentido, ou seja, ele não acredita nessa agenda e não colocará esforços para que ela avance. Pelo contrário, pode recuar em relação a algumas iniciativas, impactando e fragilizando decisivamente essa agenda", analisa a especialista.

A especialista também ressalta o impacto sobre a COP 30, que será realizada no Brasil. Sob a liderança de Trump, reticente em relação ao tema ambiental, o Brasil pode enfrentar dificuldades em promover essa pauta no cenário internacional.

A questão migratória, por outro lado, pode ser uma fonte de tensão entre os dois países. Segundo Ariane Roder, Trump promete intensificar as deportações, afetando brasileiros em situação irregular nos EUA.

"Como sabemos, há muitos brasileiros nos Estados Unidos, parte deles em situação irregular. Podemos supor, até pela campanha de Trump, que haverá um aumento nas deportações de brasileiros, o que pode estremecer as relações diplomáticas bilaterais, principalmente no que diz respeito aos direitos humanos", sublinha.

Relações comerciais

Quanto às relações comerciais, Ariane Roder observa que, apesar de Trump adotar uma política mais protecionista, a parceria econômica entre Brasil e EUA deve se manter pragmática.

"O empresariado de diferentes segmentos tem interesses e pautas negociadoras muito específicas. Por isso, acredito que a agenda comercial será trabalhada de forma mais pragmática na relação bilateral", avalia.

Enfraquecimento do multilateralismo

Ariane Roder prevê um provável enfraquecimento do multilateralismo e dos mecanismos de governança global sob a liderança de Trump. Ela explica que a descrença no multilateralismo é uma característica comum da extrema direita, que costuma favorecer relações bilaterais com países de afinidade ideológica.

"O fato de a extrema direita ser descrente em relação ao multilateralismo, principalmente com organizações internacionais como a ONU e a OMC, que já foram importantes para discussões internacionais e a garantia de certa paz, mostra o enfraquecimento e a falta de legitimidade dessas organizações. Com a ascensão de lideranças como Trump, que sequer acreditam nessas organizações ou nas regras que elas impõem, a tendência é de um enfraquecimento ainda maior do multilateralismo e das organizações internacionais e processos de integração regional como um todo", finaliza.