De LISBOA | Como tudo nos tempos recentes, a morte de Yahya Sinwar, líder máximo do Hamas, foi um evento único e totalmente inovador, pelo menos na forma como foi divulgada pela máquina de propaganda de guerra de Israel.
Um pequeno drone vem do alto filmando o prédio em ruínas e sob a fumaça gerada ao ser atingido pelas peças de artilharia disparadas pelos tanques Merkava. O dispositivo entra pela janela e flagra um homem sentado numa poltrona coberta de poeira, todo sujo, ferido e com o rosto coberto por um keffiyeh (o típico lenço palestino), segurando um bastão. Após momentos de inércia, ele arremessa meio sem jeito o objeto, que passa longe de acertar o robozinho voador. Ali estava Yahya Sinwar, minutos antes de ser morto a tiros por uma unidade de elite da infantaria das IDF, conforme a própria versão de Telavive, embora um vídeo posterior tenha mostrado que, na verdade, foi um disparo de canhão do Merkava que pôs fim à sua vida.
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A confirmação da morte, feita por exame de DNA e de arcada dentária, correu o mundo e cobriu de júbilo o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. "A pessoa que esteve à frente do pior ataque contra judeus desde o holocausto está morta. A morte de Sinwar é um marco e o declínio do mal", bradou o chefe de governo israelense, não sem acrescentar que "a guerra não acabou".
De fato, Yahya Sinwar teve seu fim. Figura controversa e contestada mesmo dentro de Gaza, agora está morto. Contestada porque muitos o viam realmente como a liderança irredutível e insubmissa que mesmo após 23 anos na cadeia, alvo de todo tipo de tortura, saiu do cárcere escrevendo e falando hebraico fluentemente, servindo ainda como fio condutor no estreitamento das relações do Hamas com o Irã. Outros, no entanto, o viam de um jeito diferente.
Uma boa parte dos palestinos prefere lembrar dele como o ultrarradical que ainda nos anos 80, antes e durante a Primeira Intifada (1987-1993), matava supostos delatores os retalhando com um facão, o que lhe rendeu a alcunha de "o açougueiro de Khan Younis", no período em que ajudou a criar e esteve à frente da Majd, espécie de "corregedoria" do Hamas, que eliminava aqueles a quem era atribuída alguma forma de traição.
Falar que o massacre em Gaza acabou seria muito precipitado, sobretudo se formos interpretar a declaração de Netanyahu de forma literal. No mesmo discurso, ele garantiu que "Gaza nunca mais será governada pelo Hamas" e exortou os palestinos a aproveitarem a "luz" ofertada por Israel contra a "escuridão" de até então, como se fosse plausível e óbvio agradecer a seu algoz por um genocídio que já deixou mais de 42 mil civis mortos, a imensa maioria deles mulheres, crianças e idosos.
Entretanto, é preciso admitir que com todas as baixas impostas por Israel ao Hamas depois da aniquilação praticamente completa de seus comandantes, e em especial após a morte de Sinwar, seguir indefinidamente bombardeando o estreito território palestino seria algo inócuo e sem sentido, reforçando-lhe a pecha de sádico genuíno. É necessário admitir que a morte de Sinwar é uma medalha para Netanyahu, tendo em vista que o líder do Hamas foi o cérebro dos ataques de 7 de outubro do ano passado, o que pode ser lido como o capítulo final da reação israelense aos atentados e, consequentemente, o momento certo para um cessar-fogo e um “acordo”, tendo em vista a ascensão presumível de lideranças palestinas mais flexíveis (não por opção).
Deve ser destacado que falamos tudo isso sem ter em mente qual será, por ora, o posicionamento do Irã e do Hezbollah, partes importantes em outras frentes de batalha (ou massacres) abertas por Telavive. É de se imaginar um resfriamento nas ações, pelos próximos dias. De certeza mesmo, só a incerteza sobre o destino que será dado à Faixa de Gaza, que fatalmente será reocupada, como outrora, situação que só teve um fim com o plano de desocupação do então primeiro-ministro Ariel Sharon, em 2005, e que foi o ponto fundamental para a estruturação e chegada ao poder do Hamas.
Por fim, o fim de Netanyahu é o mais incógnito. Entrou nessa briga e instaurou o inferno em Gaza, no Líbano e em outras zonas do Oriente Médio para se fortalecer politicamente, em meio a um pandemônio de escândalos e crises. De maneira improvável, de fato saiu fortalecido ao exterminar toda a cúpula do Hamas e seguir quase conseguindo fazer o mesmo com a do Hezbollah. Mas há o fantasma dos reféns, longe de uma solução, e a assombrar suas “conquistas”. Temos que recordar ainda que toda glória, seja a dos tiranos ou a dos heróis, é um processo efêmero, bastando uma mudança na direção do vento para que o cenário se transforme completamente.
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