HORA DA DECISÃO

Portugal no olho do furacão: Qual o cenário para as eleições de 10 de março

País europeu, relativo mar de tranquilidade institucional até pouco tempo, vê crescimento da extrema direita e as mesmas técnicas de ataque à centro-esquerda usadas mundo afora

Assembleia da República de Portugal.Créditos: Henrique Rodrigues/Revista Fórum
Escrito en GLOBAL el

Uma nação e um povo virados para o mar, e que por meio dele “conquistaram” meio mundo. Portugal vivia até pouco tempo um mar, mas era de tranquilidade institucional. No próximo 25 de abril, os portugueses celebrarão os 50 anos da Revolução dos Cravos, que simboliza a redemocratização do país, sepultando definitivamente os horrores e o atraso do salazarismo. Só que no fim do ano passado, uma verdadeira lambança protagonizada pela Procuradoria-Geral da República lançou a sociedade e o sistema político portugueses num lamaçal perigoso.

António Costa, primeiro-ministro há oito anos, que conduziu o país de 2015 a 2019 com a afamada “geringonça”, a coalizão de partidos progressistas que possibilitou sua governabilidade, e que desde então vinha governando com maioria absoluta na Assembleia da República, conquistada nas últimas eleições, em 2022, teve seu nome colocado “por engano” numa investigação sobre corrupção na administração pública e acabou renunciando por admitir que não seria natural que a nação tivesse um líder alvo de um inquérito, mesmo negando qualquer relação com o suposto crime levantado, o que, de fato, era verdade.

Com o fim da legislatura atual de forma prematura, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou novas eleições para 10 de março. Num ambiente tumultuado com o escândalo fake produzido contra Costa e com todas as influências grotescas exercidas por movimentos de extrema direita, sobretudo do Brasil e da vizinha Espanha, por exemplo, sobre a sociedade portuguesa, que há algum tempo já tem sua própria extrema direita, o cenário político do país passou a ficar imprevisível.

No início desta semana uma nova pesquisa, ou sondagem, como preferem os portugueses, foi divulgada. Os números não são abomináveis, mas são preocupantes. Em 2022, o PS (Partido Socialista), de António Costa, obteve mais de 41% dos votos, contra 29% do PSD (Partido Social Democrata), seu adversário clássico e que representa a centro-direita portuguesa. O Chega, agremiação extremista que simboliza uma espécie de bolsonarismo em Portugal, ficou como uma terceira força política, mas não passou dos 7%. O BE (Bloco de Esquerda) e o PCP (Partido Comunista Português), somados, ficaram com 8,7%, enquanto o IL (Iniciativa Liberal), simulacro do Novo brasileiro, com seu discursinho “higiênico” e elitista, conseguiu quase 5%.

A divisão dos votos, naquele momento, refletia um equilíbrio ideológico e, sobretudo, refletia a pluralidade da sociedade de Portugal. Mas a maré vem virando e os ataques sistemáticos e superpotencializados à esquerda, com a conhecida demonização do setor político, como já ocorreu no Brasil e em outros países do mundo, vem tirando fôlego dos quadros progressistas. Se não bastasse, a virulência estúpida do discurso ultrarreacionário, em movimento contrário, faz esse grupo crescer assustadoramente.

Nos números atuais da Euronews/SOL, amplamente divulgados no início desta semana, um empate técnico magro aparece na ponta da tabela, entre PSD (28,1%) e PS (26,7%). O problema é, efetivamente, o Chega. A legenda ultrarreacionária saltou para 17,5% das intenções de voto, uma explosão se comparado com seus resultados de 2022. O IL, no momento, obtém 6,3%, enquanto o BE tem 7,2% e a CDU (formada pelo PCP e o Partido ‘Os Verdes’) chega a apenas 3,3%.

Na prática, a sociedade portuguesa pode viver um drama se o PSD, de centro-direita, aliar-se ao Chega, de extrema direita. Isso seria o suficiente para formar uma maioria inquestionável, chegar ao poder, só que trazendo junto todo o extremismo da agremiação liderada por André Ventura, o apelidado “Bolsonaro português”, que certamente exigiria poderes e amplos segmentos da nova administração para colocar em marcha sua visão fascista de mundo.

Ao PS, que a depender do prisma observado pode não estar indo tão mal assim, já que sofre um massacre dos setores reacionários, de parte da imprensa e, sobretudo, dos tresloucados extremistas do Chega, que ganham voz nas redes com sua bobajada criminosa, cabe torcer para que não desidrate mais, ou ainda, que volte a crescer, já que as conquistas dos oito anos de governo de António Costa não foram poucas, se comparado com a situação de outros países da União Europeia. Os socialistas podem, igualmente, tentar frear o crescimento do Chega, o que parece pouco provável, e no mesmo caminho torcer por um fortalecimento do BE e da CDU, para que, eventualmente, monte uma nova geringonça.

O que dá o mínimo de alento é que a maior parte da sociedade portuguesa que vota nos partidos de direita do espectro político não quer uma aliança do PSD com o Chega. Na mesma sondagem Euronews/SOL, 55,2% dos entrevistados deste campo manifestaram-se contrários a essa união para governar, embora o percentual tenha baixado em relação à última pesquisa, quando eles eram 58,3%. Os que desejam a coligação entre a direita tradicional “civilizada” e os bárbaros do fascismo representam 36,8% desse grupo de eleitores.