TERREMOTO NO ALÉM-MAR

O “escândalo” e a demissão de António Costa: A quem interessa tumultuar Portugal

Primeiro-ministro deixou cargo nesta terça (7) após ação aberta pela PGR e buscas na residência oficial. Extrema direita bufa e almofadinhas da “Iniciativa Liberal” estão no cio

Primeiro-ministro demissionário António Costa, de Portugal.Créditos: RTP/Reprodução
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De LISBOA | Portugal foi surpreendido na manhã desta terça-feira (7) inicialmente com uma operação policial contra cinco homens, sendo alguns deles figuras influentes e conhecidas do universo político nacional, como o presidente da Câmara de Sines (o equivalente a prefeito), Nuno Mascarenhas, e o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária. A investigação diz respeito a suspeitas de ilegalidades e corrupção em contratos de concessão por parte do Estado português na área de hidrogênio verde e de lítio.

Minutos depois, chega a informação de que a polícia estava também no Palacete de São Bento, residência do chefe de governo. Mais alguns instantes à frente é anunciado que o próprio premiê luso, António Costa, é investigado num inquérito autônomo instaurando no Supremo Tribunal de Justiça, conduzido pela Procuradoria-Geral da República. Costa, então, se demite do cargo entregando uma carta ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que a aceita de imediato.

António Costa, uma das lideranças mais experientes da União Europeia, é o cabeça do Partido Socialista (PS), algo semelhante ao PT no Brasil, um grande partido de centro-esquerda que em todas as eleições tem expressiva votação. Ele governou de 2015 a 2021 com a chamada “geringonça”. Como não tinha maioria absoluta, costurou uma coalizão ampla com outros partidos e setores de esquerda e assim pôde formar seu governo. Conflitos com outras agremiações fizeram a “geringonça” se desmantelar no fim de 2021 e novas eleições serem convocadas para o começo de 2022. A pergunta que ficava no ar, à época, era se Costa teria força para levar o PS a ser o mais votado novamente. Ele não só teve essa força, como venceu por maioria, tendo o PS obtido mais de 50% das cadeiras do parlamento, o que lhe garantiu uma gestão folgada e totalmente autônoma.

A “grande imprensa” portuguesa, assim como ocorre em várias nações, inclusive no Brasil, tem certa ojeriza ao maior partido de centro-esquerda do país. Costa é um sujeito questionado de forma repetida e reiterada diariamente nas coberturas, muito mais do que políticos de direita e centro-direita, que ao serem convidados para programas televisivos são tratados como ídolos do esporte, cheios de deferências e sorrisinhos. É papel dos jornalistas, sim, questionar os governantes e autoridades públicas, mas no caso de Costa, como foi também com o ex-primeiro-ministro José Sócrates (2005-2011), igualmente do PS, essa marcação cerrada se parece mais com uma perseguição.

Ninguém está aqui inocentando ou isentando Costa de qualquer coisa, até porque nem há informações minimamente claras sobre o tal caso de corrupção. O episódio chamado pelos jornais de “hidrogénio-lítio” é ainda bem confuso. A oposição afirma que contratos de 20 anos de exploração (que podem chegar a 35 anos em caso de aditamento), e com previsão de lucro de 380 milhões de euros, teriam sido autorizados a uma empresa fundada três dias antes da assinatura da concessão e que tinha um capital social de apenas 50 mil euros. Já os integrantes do governo do OS rebatem, dizem que a Lusorecursos é uma firma antiga e que contratos de prospecção teriam sido assinados em 2012, no governo do premiê Passos Coelho (PSD, de centro direita), garantindo-lhes preferência na exploração, o que não poderia ser-lhes negado. A parte que diz respeito à suposta participação de Costa nisso tudo sequer foi demonstrada ou pormenorizada até agora, o que seria essencial para compreendermos por que o primeiro-ministro foi alvo de uma ação penal aberta pela PGR.

A demissão de Costa caiu como uma bomba nos meios jornalísticos e nas redes sociais. Portugal, assim como o Brasil, também adora a pirotecnia carnavalesca de viaturas policiais na porta de ministérios e de residências oficiais. O negócio é logo gritar “ladrão”, mesmo sem entender o que está se passando. Claro, podemos, tanto cá como aí, estarmos diante de “ladrões”, mas o apelo pela gritaria e por xingamentos sempre vence na arena popular. Nós, brasileiros, já vimos esse filme. Tínhamos o suposto “ladrão” e depois de gritarmos muito “pega ladrão” encontramos uma família de “ladrões” para nos governar.

Diante desta breve apresentação do momento atual da política portuguesa, é desnecessário dizer que quem mais se assanhou com a grita em torno do caso “hidrogénio-lítio” e a demissão de Costa foi a extrema direita bufa e chucra e os almofadinhas ditos “liberais”. Como a Constituição Portuguesa de 1976 é passível de interpretações em casos assim, ainda não se sabe se o presidente Rebelo de Sousa convocará novas eleições, ou se determinará que o PS, vencedor majoritário na última eleição, indique um novo primeiro-ministro. O PCP (Partido Comunista Português) e o BE (Bloco de Esquerda) se manifestaram contrariamente a um novo pleito, mas os fascistas do Chega, liderados pelo gritalhão xenofóbico André Ventura, e os engomadinhos do IL (Iniciativa Liberal), uma manifestação de extrema direita que usa sapatênis, assim como o NOVO no Brasil, já se mostram no cio e “exigem” uma nova eleição.

O fato é que com uma vitória acachapante na última eleição e um forte apelo no seio da sociedade, mesmo com um governo que nem era tão bom assim (aliás, em vários aspectos, bastante ruim), sacodir a pacata vida política portuguesa com berros de “ladrão” apenas interessa aos extremistas ultrarreacionários, da mesma forma como vem ocorrendo em inúmeros países no atual momento, como no Brasil, na Argentina, na Espanha, por exemplo.