Nesta segunda-feira arranca oficialmente, em Iowa, a temporada pré-eleitoral nos Estados Unidos.
"Gordo", "velho" e "cabeça de minhoca" voltam ao vocabulário do eleitor, por conta de Donald Trump.
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É pura estratégia.
Uma pesquisa de agosto do ano passado, co-patrocinada pela Associated Press, revelou que 77% dos 1.165 adultos entrevistados consideravam Joe Biden, 81, muito velho para concorrer à reeleição.
Impressionou o número de democratas que concordaram com a afirmação: 69%.
Uma pesquisa do Pew Research Center diz que a idade média de um grupo selecionado de líderes mundiais é de 62 anos; das mulheres, 57.
O presidente Lula tem 78 anos. Se reeleito em 2026, vai terminar o mandato com 85.
Biden, reeleito, terminaria o segundo mandato com 86.
Ele começou sua carreira como senador por Delaware em 1978, ou seja, 45 anos atrás.
O ocupante da Casa Branca tenta traduzir isso em experiência, brincando:
Nunca estive tão otimista quanto ao futuro do nosso país nos 800 anos que servi
Porém, uma das adversárias republicanas dele, a ex-governador da Carolina do Sul, Nikki Haley, 51, sugere que Biden não resiste a um segundo mandato e "ameaça" o eleitorado com sua vice, Kamala Harris, tida como "radical".
A diferença é que Lula, por exemplo, exibe agilidade física e mental em público -- menos desde que passou por uma cirurgia --, enquanto Biden tem uma coleção de gafes registradas em vídeo.
O presidente dos Estados Unidos já levou um tombo em público, esqueceu o que estava falando durante o discurso, dormiu durante uma conferência mundial do clima e não se lembrava o nome do primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, a quem chamou de "o cara lá de baixo".
Presidentes dos Estados Unidos fazem aparições altamente coreografadas e são acompanhados de perto por assessores, que se apressam em interromper cenas embaraçosas.
Os lapsos de Biden parecem ser momentâneos. Ele já se esqueceu do nome de George W. Bush e teve de pedir ajuda à primeira-dama Jill para vestir um paletó.
SAI A CRUELDADE, ENTRA O SARCASMO
A campanha de Trump, no entanto, deu um "reset" no apelido que usou contra Biden na campanha derrotada de 2018.
Sai Joe, o "dorminhoco", entra Biden, o "desonesto".
Desde sua primeira campanha Trump decidiu associar apelidos a seus adversários, com sucesso.
Ele chama sua concorrente nas primárias, a ex-governadora Nikky Haley de Birdbrain, que em inglês é fácil de lembrar.
Significa cérebro de passarinho, mas no Brasil seria o tradicional "cabeça de minhoca".
Trump tem uma imensa coleção de apelidos para o governador da Flórida, Ron De Santis.
Em geral, aliados testam os apelidos nas redes sociais antes do republicano adotá-los.
No particular, Trump chama De Santis de Meatball Ron, ou Ron Almôndega, por causa da gordura.
Em público, achou outra provocação: Tiny Ron, em referência à altura e sugerindo que o órgão sexual de seu competidor é pequeno.
O governador alega que tem 1,80 de altura -- 10 centímetros a menos que Trump.
Trumpistas espalharam que De Santis usa botas com salto alto em suas aparições, o que o governador da Flórida nega.
Há, no entanto, uma diferença notável na campanha de Trump este ano: talvez para não desagradar ao público feminino, ele deixou de ser cruel nos comentários e adotou um tom de humor e sarcasmo em relação aos adversários.
Em Indianola, Iowa, Trump chegou a perguntar se o apelido Birdbrain, que deu a Nikki Haley, era muito duro.
Várias mulheres responderam que "não". O republicano completou: "É que ela não tem preparo para o cargo".
VISUAL CONTA
Em sua vitoriosa campanha contra Hillary Clinton, Donald Trump reservou para ela o apelido de "crooked", que agora transferiu para Biden.
É um indício de que, se Trump for escolhido candidato, um dos temas centrais será o envolvimento de Joe Biden com a Ucrânia quando era o vice de Barack Obama.
Hunter, o filho lobista de Biden, recebeu U$ 11 milhões entre 2013 e 2018, de acordo com análise feita pela rede NBC em um laptop que ele deixou para consertar e nunca mais foi buscar.
O latptop acabou na mão de investigadores, antes de ter seus dados vazados.
Dentre as fontes de renda de Hunter estão a distribuidora de gás da Ucrânia Burisma e a chinesa CEFC China Energy.
Hunter foi formalmente indiciado na Califórnia em dezembro passado, acusado de sonegar U$ 1,4 milhão em impostos.
O julgamento do filho do presidente deve acontecer em pleno ano eleitoral.
Trump acusa Biden de, na condição de vice-presidente, ter promovido a demissão de um promotor da Ucrânia que investigava a Burisma.
É um prato cheio para Trump, que por sua vez terá de responder a dois processos, relacionados aos seus esforços para reverter a derrota para Biden em 2020.
CASA BRANCA COMO ASILO
Foi o assessor de marketing de Ronald Reagan, que se reelegeu e fez o sucessor, quem vendeu aos marqueteiros dos Estados Unidos a ideia de que a imagem conta mais que as palavras em uma campanha eleitoral.
Don Regan alegava que as TVs dos aeroportos, por exemplo, ficavam no mudo: as pessoas olham os candidatos em campanha mas não ouvem o que dizem.
Por isso, as aparições de Reagan eram minuciosamente coreografadas: para afastá-lo de Washington DC, que tem péssima fama especialmente no Oeste dos Estados Unidos, o presidente era visto frequentemente em seu rancho do Texas, com um machado na mão, botas e cinto de caubói e fardos de feno ao fundo.
Embora Donald Trump tenha trocado "dorminhoco" por "desonesto" ao se referir a Biden, o republicano sempre aparece ativo em seus eventos de campanha: por exemplo, atirando bolas de futebol americano para seus fãs.
É uma forma de estabelecer um contraste com o democrata.
Ao mesmo tempo, Trump replicou um vídeo em que a Casa Branca aparece como um asilo de velhos, cujo único interno é Joe Biden.
Biden, ao se defender das alfinetadas, já usou o argumento de que "sou velho, mas não louco".
DUKAKIS E NIXON
George Bush pai, um péssimo candidato, conseguiu vencer o democrata Michael Dukakis em 1988 por causa do apoio de Ronald Reagan.
Dukakis foi um governador transformador para o estado de Massachusetts, mas era visto como fraco no combate ao crime e na política externa.
Ele tinha apenas 1,73 de altura, contra 1,88 de seu oponente.
Teria sido o menor dos problemas se os assessores de Dukakis não tivessem decidido enfiá-lo em um tanque de guerra Abrams.
As imagens que resultaram foram risíveis -- tanto, que Bush as utilizou na campanha vitoriosa.
Mas o Oscar dos erros em campanha continua com candidato Richard Nixon, que perdeu por pouco para John Kennedy em 1960 (49,72% a 49,55%).
Enquanto Kennedy, com pinta de galã, demonstrava seu charme no debate final na TV, Nixon começou a suar profusamente sob o nariz, o que o obrigou a usar seguidamente um lenço.
Faltou uma equipe de maquiagem: Nixon parecia sombrio nos closes da TV em branco e preto.
Desde então, por mais pueril que seja, a idade, o peso, o cabelo e a altura dos candidatos é um dado que não escapa aos marqueteiros.