O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na manhã deste domingo (21) – que no horário brasileiro corresponde à noite do último sábado – na Sessão 8 da Cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão. O principal debate da reunião versava sobre a invasão russa sobre a Ucrânia, iniciada no ano passado. Em dado momento, quando os demais líderes se levantaram para cumprimentar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, o mandatário brasileiro permaneceu sentado.
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Ao longo do encontro, Lula sentou-se entre o presidente Joe Biden, dos EUA, e o primeiro-ministro Justin Trudeau, do Canadá. Zelensky, por sua vez, esteve logo à frente de Lula, cercado por Narenda Modi, mandatário da Índia, e o sul-coreano Yoon Suk-Yeol. Ao centro, o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, fez as vezes de anfitrião do encontro.
O silêncio de Lula e sua não movimentação para cumprimentar Zelensky podem ser interpretados como um recado do presidente brasileiro ao restante dos líderes mundiais de que o Brasil não irá aderir a um alinhamento automático imposto pelos países da Otan como forma de apoiar a Ucrânia contra a invasão russa. Lula já declarou por diversas vezes que não contribuirá com o envio de armas ou financiamento da resistência ucraniana, mas que procura negociar a paz, sem contrapartidas e na base do diálogo, com os dois lados envolvidos no conflito.
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No próprio encontro, o presidente brasileiro repudiou a violação territorial da Ucrânia e se mostrou preocupado com o que considera o maior risco de uma guerra nuclear desde o auge da Guerra Fria. “Hiroshima é o cenário propício para uma reflexão sobre as catastróficas consequências de todos os tipos de conflito. Essa reflexão é urgente e necessária. Hoje, o risco de uma guerra nuclear está no nível mais alto desde o auge da Guerra Fria”, declarou.
As palavras de Lula versaram sobre a preocupação que o conflito escale no futuro para uma guerra nuclear. Na avaliação brasileira, além da proibição das armas nucleares, é preciso que o conflito iniciado pelos russos cesse imediatamente.
“Em 1945, a ONU foi fundada para evitar uma nova Guerra Mundial. Mas os mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos já não funcionam. O mundo já não é o mesmo. Guerras nos moldes tradicionais continuam eclodindo, e vemos retrocessos preocupantes no regime de não-proliferação nuclear, que necessariamente terá que incluir a dimensão do desarmamento (…) Enquanto existirem armas nucleares, sempre haverá a possibilidade de seu uso. Foi por essa razão que o Brasil se engajou ativamente nas negociações do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares, que esperamos poder ratificar em breve. Em linha com a Carta das Nações Unidas, repudiamos veementemente o uso da força como meio de resolver disputas e condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia”, discursou o presidente do Brasil.
Reunião com Zelensky é cancelada
Apesar das palavras pedindo pelo fim do conflito, foi anunciado que Lula não irá mais se reunir com o mandatário ucraniano neste domingo (21), conforme havia sido noticiado. De acordo com informações que chegaram do Japão, o cancelamento se deveu à incompatibilidade de agendas. Incomodado, Zelensky se disse decepcionado com Lula.
Leia a seguir o discurso de Lula na íntegra
Hiroshima é o cenário propício para uma reflexão sobre as catastróficas consequências de todos os tipos de conflito. Essa reflexão é urgente e necessária. Hoje, o risco de uma guerra nuclear está no nível mais alto desde o auge da Guerra Fria.
Em 1945, a ONU foi fundada para evitar uma nova Guerra Mundial. Mas os mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos já não funcionam.
O mundo já não é o mesmo. Guerras nos moldes tradicionais continuam eclodindo, e vemos retrocessos preocupantes no regime de não-proliferação nuclear, que necessariamente terá que incluir a dimensão do desarmamento.
As armas nucleares não são fonte de segurança, mas instrumento de extermínio em massa que nega nossa humanidade e ameaça a continuidade da vida na Terra.
Enquanto existirem armas nucleares, sempre haverá a possibilidade de seu uso.
Foi por essa razão que o Brasil se engajou ativamente nas negociações do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares, que esperamos poder ratificar em breve.
Em linha com a Carta das Nações Unidas, repudiamos veementemente o uso da força como meio de resolver disputas. Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia.
Ao mesmo tempo, a cada dia em que os combates prosseguem, aumentam o sofrimento humano, a perda de vidas e a destruição de lares.
Tenho repetido quase à exaustão que é preciso falar da paz. Nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Precisamos trabalhar para criar o espaço para negociações.
Também não podemos perder de vista que os desafios à paz e à segurança que atualmente afligem o mundo vão muito além da Europa.
Israelenses e palestinos, armênios e azéris, cossovares e sérvios precisam de paz. Yemenitas, sírios, líbios e sudaneses, todos merecem viver em paz. Esses conflitos deveriam receber o mesmo grau de mobilização internacional.
No Haiti, precisamos agir com rapidez para aliviar o sofrimento de uma população dilacerada pela tragédia. O flagelo a que está submetido o povo haitiano é consequência de décadas de indiferença quanto às reais necessidades do país. Há anos o Brasil vem dizendo que o problema do Haiti não é só de segurança, mas, sobretudo, de desenvolvimento.
O hiato entre esses desafios e a governança global que temos continua crescendo. A falta de reforma do Conselho de Segurança é o componente incontornável do problema.
O Conselho encontra-se mais paralisado do que nunca. Membros permanentes continuam a longa tradição de travar guerras não autorizadas pelo órgão, seja em busca de expansão territorial, seja em busca de mudança de regime.
Mesmo sem conseguir prevenir ou resolver conflitos através do órgão, alguns países insistem em ampliar a agenda do Conselho cada vez mais, trazendo novos temas que deveriam ser tratados em outros espaços do sistema ONU.
O resultado é que hoje temos um Conselho que não dá conta nem dos problemas antigos, nem dos atuais, muito menos dos futuros.
O Brasil vive em paz com seus vizinhos há mais de 150 anos. Fizemos da América Latina uma região sem armas nucleares. Também nos orgulhamos de ter construído, junto com vizinhos africanos, uma zona de paz e não proliferação nuclear no Atlântico Sul.
Testemunhamos a emergência de uma ordem multipolar que, se for bem recebida e cultivada, pode beneficiar a todos.
A multipolaridade que o Brasil almeja é baseada na primazia do direito internacional e na promoção do multilateralismo.
Reeditar a Guerra Fria seria uma insensatez.
Dividir o mundo entre Leste e Oeste ou Norte e Sul seria tão anacrônico quanto inócuo.
É preciso romper com a lógica de alianças excludentes e de falsos conflitos entre civilizações.
É inadiável reforçar a ideia de que a cooperação, que respeite as diferenças, é o caminho correto a seguir.
Muito obrigado.