LOUCURA EM ESTADO BRUTO

Essequibo, da crise de Guiana e Venezuela, foi palco de tragédia da seita de Jim Jones

Às vezes comparado ao bolsonarismo, pelo delírio megalomaníaco e fidelidade doentia dos súditos, o movimento do líder maluco levou mais de 900 norte-americanos ao suicídio

Corpos de "fiés" que se suicidaram em Jonestown e Jim Jones.Créditos: BBC/Reprodução
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Guiana e Venezuela vêm atravessando uma crise com origens muito distantes pela soberania de uma região chamada Essequibo, fincada entre os dois países. A área gigantesca, maior que a Inglaterra, é totalmente coberta pela selva amazônica, local onde nos últimos anos foram descobertos gigantescos campos de petróleo. A disputa, que vem de séculos e já foi alvo de inúmeras mediações e documentos, que são rechaçados por um dos lados, a depender de seu conteúdo, voltou ao noticiário nas últimas semanas por conta do referendo realizado pelo presidente venezuelano, Nicolas Maduro, cujo resultado mostrou que a maioria do povo de sua nação apoia, de fato, a retomada do território em disputa com os vizinhos anglófonos.

O que pouca gente se lembra é que Essequibo, ainda formalmente em território guianês, foi palco, em 1978, do maior episódio de suicídio em massa de que se tem conhecimento até o hoje no mundo. Foi lá que mais de 900 cidadãos dos EUA tiraram a própria vida ingerindo cianeto, movidos por uma idolatria doentia ao líder religioso Jim Jones, fundador da seita Templo do Povo, com sede em Indianápolis, e que construiu em Essequibo uma espécie de comunidade rural cooperativa batizada de Jonestown. O “Massacre de Jonestown” foi, até os atentados do 11 de setembro de 2001, o caso com o maior número de civis norte-americanos mortos num único dia na história.

Jim Jones criou a chamada “Templo do Povo dos Discípulos de Cristo”, que acabou ficando conhecida apenas como “Templo do Povo”, em 1955. Com perfil de psicopata e uma fortíssima e sedutora persuasão, ele não parou de angariar seguidores de todo os EUA, que deixavam tudo para trás para segui-lo. A criação de Jonestown, em meio à selva da Amazônia, mais de 20 anos após o início de sua trajetória como “pastor”, foi o ponto alto de seu poder, e veio em decorrência de “perseguições” por parte das autoridades que sua organização sofria nos EUA, tendo em vista as ações criminosas e perigosas que levava a cabo, radicalizando os “fiéis”. Nos últimos anos, com a ascensão do bolsonarismo, muita gente, incluindo aí publicações, o presidente Lula e o senador Renan Calheiros (MDB-AL), apontou similaridades entre os fanáticos “cegos” e tresloucados do caso Jim Jones com os do movimento brasileiro que endeusa o ex-presidente ultrarreacionário que governou o país de 2019 a 2022.

Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/Facebook) e Jim Jones (Foto: Wikimedia Commons).

A alta cúpula do “Templo do Povo” queria um lugar fora do alcance das autoridades estadunidenses, sobretudo para evitar deportações, e estudou vários locais para instalar sua futura comunidade. A Guiana foi eleita a melhor opção por ser um país de língua inglesa, de difícil acesso, com população indígena (a maior parte dos seguidores de Jones era de negros e havia medo de que sofressem racismo) e com um governo de esquerda à época, já que o líder extremista malucamente colocava sua seita nesse campo ideológico, embora suas atitudes e crenças fossem muito mais ligadas, na prática, ao modus operandi da extrema direita. Ele e a esposa chegaram a se classificar como "verdadeiros comunistas", em que pese seu comportamento e visão de mundo estarem completamente fora dos preceitos de tal ideologia.

Seus fanáticos seguidores vão, então, para Jonestown e o lugar passa a ser visto por essa claque como uma espécie de paraíso na Terra. Aos montes, eles migravam para o território guianês sem nenhuma infraestrutura, com pouquíssima água potável e suscetível a inúmeras doenças tropicais típicas dessas zonas úmidas e densamente fechadas pela floresta. Só que tudo era muito difícil no assentamento, e a miséria, assim como outras agruras, começaram a surgir. A situação de desespero ficou tão grave que, mesmo tão distante e isolada, as reclamações chegaram ao governo e ao Congresso dos EUA, que então passaram a analisar o caso e até enviaram um senador para lá, Leo Ryan, para conferir o que estava acontecendo nos confins da selva com aqueles cidadãos norte-americanos.

O senador Ryan e um grupo de repórteres, além de familiares de colonos preocupados com seus parentes, tomou então um avião para Essequibo e lá pousou. A comitiva, que inicialmente não foi admitida na comunidade, num primeiro momento teria tido uma boa impressão ao ingressar no lugar, pelos depoimentos e pelo que viu preliminarmente. Só que as horas foram se passando e, no dia seguinte, cidadãos desesperados pediram ao parlamentar que fossem levados de volta para os EUA, o que despertou desconfiança na comitiva. O fato deixou Jones furioso.

O grupo de “desertores” só aumentava e foi preciso arranjar outro avião para que todos conseguissem voltar para os EUA. Quando a tensão já era total e Ryan já tinha até mesmo sofrido uma tentativa de esfaqueamento, a operação de retirada finalmente seguia para sua conclusão. Foi aí que um guarda de Jonestown abriu fogo contra a comitiva, matando Ryan, três repórteres e um morador de Jonestown que queria ir embora.

A partir daí, cada vez mais enlouquecido, Jim Jones passou a dar ainda mais ênfase a seu discurso religioso, o que o fez iniciar os preparativos para um grande suicídio em massa que, segundo sua insanidade, levaria todos para o céu. Na noite de 18 de novembro de 1978, já fora de si e em êxtase, Jones conduz um ritual macabro em que ordena que seus seguidores se matem engolido cianeto, o que deixou um saldo de 909 mortos na vila e outras dezenas em áreas próximas. Do total entre os que perderam a vida, 304 eram crianças, que receberam o veneno na boca, por meio de seringas, dos próprios pais e mães.

Jim Jones foi encontrado morto em sua cama, deitado “elegantemente” e usando um travesseiro, com um tiro na cabeça, que segundo os legistas foi disparado por ele próprio.