ALGORITMO DA MORTE

Habsora: o "evangelho” de Israel para matar em massa

Plataforma de criação de alvos de IA acelera guerra letal e cria linha de produção de metas semelhante a uma fábrica (de mortos)

Créditos: Wafa - Bombardeio israelense em Gaza
Escrito en GLOBAL el

A inteligência artificial tem desempenhado papel-chave na campanha de intenso bombardeio contra a Faixa de Gaza pelas Forças de Defesa de Israel (IDF).

As IDF há muito aprimoram sua reputação de proeza técnica e já fez afirmações ousadas sobre o aproveitamento de novas tecnologias

Após a guerra de 11 dias em Gaza, em maio de 2021, as autoridades disseram que Israel travou a sua “primeira guerra de IA” utilizando aprendizagem automática e computação avançada. Essa guerra proporcionou uma "oportunidade" para as IDF utilizarem essas ferramentas num teatro de operações muito mais amplo.

As IDF implantaram uma plataforma de criação de alvos de IA chamada Habsora (o evangelho, em tradução livre), que acelerou significativamente uma guerra letal. Uma linha de produção de metas que as autoridades compararam a uma “fábrica” (de mortos). 

Há uma unidade de inteligência militar secreta, facilitada pela IA, que desempenha um papel significativo no massacre contra o povo palestino como resposta de Israel ao ataque do Hamas em 7 de Outubro.

As informação são de reportagem publicada pelo The Guardian do início deste mês, que revela novos detalhes sobre Habsora e o seu papel central na guerra de Israel em Gaza.

Licença para matar

Nos últimos anos, a divisão-alvo ajudou as IDF a construir um banco de dados do que fontes disseram ser entre 30 mil e 40 mil supostos militantes. Sistemas como Habsora desempenharam um papel crítico na construção de listas de indivíduos autorizados a serem assassinados.

Um ex-oficial que chefiou as IDF até janeiro deste ano, Aviv Kochavi, disse que a divisão alvo é “alimentada por capacidades de IA” e inclui centenas de oficiais e soldados.

Numa entrevista publicada antes da guerra, ele disse que se tratava de “uma máquina que produz grandes quantidades de dados de forma mais eficaz do que qualquer ser humano e os traduz em alvos de ataque”.

Com o algoritmo, a máquina letal israelense passou de 50 alvos por ano para 100 alvos por dia.

'Evangelho' falho

O "evangelho" do Estado de Israel, Habsora, ajuda a tomar as decisões para análises de dados e identificação de alvos em Gaza. Esse sistema integra informações de diversas fontes, como vídeos de drones, comunicações interceptadas, dados de vigilância e monitoramento de movimentos e padrões comportamentais de indivíduos e grupos.

O objetivo é localizar e atacar muitos militantes do Hamas. Há relatos de que, diferentemente de operações anteriores, agora residências de membros de menor escalão do Hamas estão sendo alvo de bombardeios com consequências mortais para a população palestina.

As IDF garantem que há precisão dos ataques à infraestrutura associada ao Hamas para tentar minimizar as mortes do povo palestino. Os militares usam um algoritmo para avaliar a presença de civis em um prédio antes do ataque e sinalizam o risco em níveis semelhantes a um semáforo.

Os escombros de Gaza e sua paisagem destruída reforçam o ceticismo sobre essa propalada "precisão" dos alvos definidos por IA. Os ataques israelenses em Gaza causaram a morte de 20.674 pessoas. No dia de Natal de 2023, 250 palestinos foram mortos nas em 24 horas e 500 ficaram feridos.

Fábrica de assassinatos em massa

Durante os primeiros 35 dias do conflito em Gaza, Israel atacou 15 mil alvos, um número muito maior do que em operações militares anteriores. Na guerra de 2014, que durou 51 dias, as IDF atingiram pelo menos três vezes mais, entre cinco mil e seis mil alvos.

Habsora permitiu que as FDI administrassem uma “fábrica de assassinatos em massa” na qual “a ênfase está na quantidade e não na qualidade”. Um olho humano, garante militares israelense, “passará pelos alvos antes de cada ataque, mas não precisará gastar muito tempo neles”.

Viés de automação

Especialistas em IA e direito humanitário internacional expressam preocupações com a aceleração do processo de decisão em ataques militares devido à automação.

Marta Bo, do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo, alerta para o risco de "viés de automação", no qual humanos podem confiar excessivamente em sistemas que influenciam demais decisões complexas.

Richard Moyes, da Article 36, destaca que comandantes podem depender de listas de alvos geradas por computador sem entender completamente como foram criadas, correndo o risco de não considerar adequadamente o dano a civis.

Tecnologia bélica israelense no Brasil 

Em outubro, enquanto conflitos intensificavam em Gaza, governos estaduais no Brasil, como São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Goiás, adquiriram armamentos israelenses para suas forças policiais. O armamento inclui metralhadoras e fuzis, com destaque para a alta letalidade dos equipamentos.

Ao mesmo tempo, a Câmara aprovou um acordo de cooperação em segurança pública com Israel. Críticos ao acordo apontam para a preocupação com o aumento da violência policial no Brasil e o financiamento da indústria bélica israelense e defendem a necessidade de revisão no Senado.

Segundo o acordo, podem ser campos de cooperação a investigação e inteligência policiais (inclusive com troca de dados pessoais), indústria, tecnologias e serviços aplicados à segurança pública (leia-se indústria e tecnologias bélicas) e outras.

O acordo foi assinado por Jair Bolsonaro em Jerusalém, em sua visita em 2019, quando Benjamin Netanyahu e sua esposa também ofereceram um banquete em homenagem a Bolsonaro, e desde então está em tramitação no Congresso Nacional.