Javier Milei, o novo presidente da Argentina que costuma receber conselhos do espírito do seu cachorro falecido e que clonou múltiplas vezes o mesmo pet, tomou posse na tarde deste domingo (10), em Buenos Aires. Assistido por milhares de apoiadores, fez um discurso em que se concentrou em atacar a esquerda local e anunciar dias piores para o povo argentino.
Adepto de uma modalidade de ultraliberalismo autointitulada “anarcocapitalismo”, Milei se preocupou em deixar a voz mais gutural que de costume ao pronunciar com força palavras como “setor público”, “plata (dinheiro)” e “Estado”, em claro proselitismo ideológico como é do seu feitio.
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O anúncio dos dias piores, que virão com uma surreal meta de zerar o déficit fiscal (que na Argentina está bem mais acentuado do que por aqui) e o terrível ajuste fiscal que vem a reboque, foi introduzido por uma longa explanação sobre a “nova era” que deixará a “história de decadência da Argentina” para trás.
Culpa seus antecessores – e em especial o kirchnerismo na figura de Alberto Fernandez – teriam “gastado demais”, deixado o Estado deveras robusto e que um período duro, sobretudo para as classes trabalhadoras, viria a seguir para que o país acertasse suas contas. Só depois o país decolaria.
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Em outras palavras, Milei promete um enorme sofrimento presente para as maiorias em troca do paraíso futuro – que dificilmente virá.
“Nenhum governo recebeu uma herança pior do que a que nós estamos recebendo. O kirchnerismo que se gabava de ter superátivs fiscais e externos hoje nos deixa déficits gêmeos com a queda de 17% do PIB. Não existe solução sem atacar o déficit fiscal, a solução implica, por um lado um ajuste fiscal do setor público nacional. Por outro lado, é necessário limpar os passivos de remuneração no Banco Central que são responsáveis pelos 10 pontos de déficit do PIB. Desse jeito colocaremos fim à emissão de dinheiro e, com isso, à única causa da nossa inflação,” declarou o novo presidente.
Em outras palavras, Milei pretende enxugar o Estado. E a relação de 9 ministérios (dos 18 que a Argentina tem) que pretende extinguir dá a pista de que os gastos sociais serão os primeiros a irem para o espaço. São eles: Educação, Trabalho, Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente, Ciência/Tecnologia /Inovação, Cultura, Mulheres/Gênero/Diversidade, Turismo e Esporte, e Desenvolvimento Territorial e Habitacional.
"Lamentavelmente tenho que dizer, no hay plata [não tem dinheiro]," justifica Milei no Congresso. E, em seguida, dá o pior diagnóstico possível que um trabalhador argentino poderia receber.
"Isso impactará de modo negativo a atividade, o emprego, a quantidade de pobres e indigentes. Haverá estagflação, mas é algo muito diferente do que tivemos nos últimos 12 anos. Será o último gole amargo para começar a reconstruir a Argentina. Não será fácil: 100 anos de fracasso não se desfazem num dia, mas um dia começa, e hoje é esse dia," declarou, arrancando urras dos seus admiradores.
O problema é que nem Milei, nem nenhum ultraliberal ou anarcocapitalista, saberá dizer quando o tal “gole amargo” terminará de passar pela inflamada garganta argentina. A tendência é que as famílias mais pobres sangrem ao longo do seu mandato enquanto a classe média aproveita algumas mudanças normativas especialmente na compra e venda de moeda estrangeira. Se esse quadro se concretizar, ao se aproximarem as próximas eleições Milei provavelmente terá seus dias contados à frente da Casa Rosada. E a sociedade argentina seguirá em colapso.
* No momento que esse artigo era publicado, Milei acabava de editar o seu primeiro decreto confirmando a extinção dos 9 ministérios.