De vez em sempre, a internet faz com que vídeos de comidas de rua feitas na Índia ou no Paquistão viralizem no Youtube ou no TikTok. As imagens surpreendem pela quantidade de ovos, pimenta e manteiga, mas também pelas condições sanitárias usualmente questionáveis nas ruas do subcontinente indiano.
Isso, naturalmente, faz com que as pessoas se perguntem: "Por que a Índia é tão suja?". A situação sanitária do país é um fato consciente nos governos e nas populações indianas e paquistanesas, em especial nas grandes cidades, mas não parece ter uma solução simples. Neste artigo, vamos explicar por que a Índia é considerada tão suja.
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Por que a Índia é considerada tão suja?
Os Vedas - textos sagrados do hinduísmo - e as Suras e o Corão - textos sagrados do Islã sunita, praticado pela maioria dos muçulmanos na Índia, Paquistão e Bangladesh - possuem considerações sobre higiene pessoal, e valorizam como divina a manutenção da limpeza do corpo e dos ambientes de convivência.
Porém, quem visita a Índia, o Paquistão e Bangladesh, encontra condições sanitárias péssimas nas grandes cidades, como Lahore, Karachi, Nova Delhi, Calcutá e Dhaka.
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As condições são de fato degradantes. Um famoso indiano, Mahatma Gandhi, uma vez escreveu uma carta descrevendo uma visita a um templo hindu:
"Visitei o templo Vishvanath ontem à noite. Se um estrangeiro viesse a este grande templo, não estaria ele justificado em nos condenar? É certo que as ruas dos nossos templos sagrados sejam tão sujas quanto estão? Se até mesmo os nossos templos não são modelos de limpeza, o que poderá ser o nosso governo? Não conhecemos as leis elementares de limpeza. Cuspimos em todos os lugares. O resultado é uma sujeira indescritível", afirmou Gandhi em 1916.
Contudo, a resposta da questão não pode cair no simples orientalismo de "mundos diferentes" ou em uma ideia racista de que os povos do subcontinente indiano são sujos. A melhor resposta para essa pergunta parece estar na colonização.
Os problemas da colonização inglesa
Quando a Índia passa a ser domínio colonial inglês, a Companhia das Índias Orientais e o governo britânico decidiram reformar as cidades do país para abrigar os já milhões de indianos que viviam ao longo dos três países do subcontinente indiano: Paquistão, Índia e Bangladesh.
O interesse colonial no saneamento público restringiu-se às necessidades dos militares e da elite, e não de toda a população. A maioria das reformas municipais centrou-se na erradicação de epidemias e na construção de propriedades, mas nenhum programa abordou as necessidades de saneamento dos povos do subcontinente indiano. Em 1947, a população indiana tinha menos de 1% de cobertura de saneamento.
A pobreza absurda imposta pelo regime colonial britânico dava péssimas condições de saúde para uma Índia com alto crescimento populacional e que se urbanizava às pressas. Subitamente, havia milhões de pessoas nas grandes cidades, sem educação formal e sem sistema sanitário decente.
A falta de instalações sanitárias e de infraestrutura durante o período colonial levou à propagação de doenças e a práticas de higiene deficientes, que continuam a afetar a Índia hoje, afinal, uma reforma para reconstruir o sistema de esgoto de cidades com populações enormes como Delhi e Mumbai é praticamente impossível em curto prazo.
Além disso, a exploração de recursos naturais e o desenvolvimento industrial constituído pelos britânicos criou um dos principais problemas da Índia e do Paquistão até os dias de hoje: a poluição. O Rio Indo, no Paquistão, o Ganges, na Índia e em Bangladesh e outros canais hidroviários foram poluídos com química e esgoto.
A produção de lixo e a falta de infraestrutura do país para lidar com a sujeira de 1,6 bilhão de pessoas dificultam um plano de saneamento público de qualidade.
As ações do governo indiano e paquistanês
A preocupação com saneamento é um tema desde os tempos de Nehru, primeiro chefe de governo indiano e um dos líderes da independência. Ele afirmava que o progresso na Índia seria representado quando todas as pessoas tivessem acesso a um vaso sanitário.
O censo de 2012 da Índia mostrou que mais da metade da população não tinha banheiro em casa e 49,8% dos indianos defecavam em valas públicas. Em 2019, o governo Modi anunciou que todas as casas da Índia tinham acesso a banheiros encanados. Um estudo de 2022, mostrou que mais de 20% dos indianos seguiam usando valas públicas e que 19% das casas ainda não tinham banheiro com encanamento.
Segundo um estudo da UNICEF, 10% da população paquistanesa ainda usava banheiros abertos, e apenas 43% da população possui acesso a um banheiro de qualidade.
Em 2014, o governo Modi anunciou a Swachh Bharat Abhiyan (Missão Índia Limpa), que visa tornar a Índia limpa e livre de defecação a céu aberto até 2 de outubro de 2019, o 150º aniversário de nascimento de Mahatma Gandhi. A missão se concentra na construção de banheiros, gestão de resíduos sólidos e comunicação para mudança de comportamento.
No Paquistão, em 2018, o governo criou uma iniciativa chamada Clean Green Pakistan, que visa melhorar as condições ambientais do país, centrando-se em cinco pilares: água potável segura, gestão de resíduos sólidos, saneamento total e promoção da higiene, gestão de resíduos líquidos e plantio de árvores.
Além disso, foi lançada recentemente a proposta WASH (Água, Saneamento e Higiene), que comanda esforços para melhorar o acesso a água potável e instalações sanitárias através de vários programas, incluindo o Programa Nacional de Apoio Rural (NRSP) e o Fundo de Alívio da Pobreza do Paquistão (PPAF).
Um outro fator cultural é importante: uma grande parte da população desses países é analfabeta. Cerca de 26% da população indiana é analfabeta, e cerca de 42% dos paquistaneses não sabem ler e nem escrever. A falta de acessoa a educação de qualidade faz com que educação básica sobres questões de higiene e saúde coletiva não sejam passadas adiante, o que torna a condição de vida nesses países muito pior.
O gasto bilionário desses países com o tema mostra que a população indiana é consciente do problema de higiene, mas os dilemas culturais e infraestruturais - agravados pelo colonialismo - tornam a missão de transformar o subcontinente indiano em lugar limpo muito mais difícil.