ENTUSIASTA DO HORROR

Ditadura argentina defendida por Milei foi o mais brutal regime da América Latina

Pessoas jogadas vivas de aviões, tortura de grávidas, roubo de 500 bebês e o maior campo de extermínio do continente. Conheça o sistema que encanta o “libertário”

Milei e os ditadores Emilio Massera, Jorge Videla e Orlando Agosti.Créditos: Instagram e Arquivo Nacional da República Argentina
Escrito en GLOBAL el

A maior parte dos países da América do Sul teve vida semelhante nos anos 60, 70 e 80. Na esteira da Guerra Fria, que colocou todo o planeta numa tensão permanente e sob influência das duas superpotências hegemônicas da época, os EUA e a hoje extinta União Soviética, as nações do continente foram dominadas por ditaduras militares apoiadas, planejadas e financiadas por Washington, que se aproveitava dos fardados da região verdadeiramente amedrontados com o “fantasma do comunismo”.

Na Argentina, em 24 de março 1976, a presidente Isabelita Perón, viúva do emblemático general Juan Domingo de Perón, era derrubada do cargo num golpe de Estado perpetrado por uma junta formada pelos três comandantes militares das Forças Armadas. Os genocidas Jorge Rafael Videla, do Exército, Emilio Eduardo Massera, da Marinha, e Orlando Ramón Agosti, da Força Aérea, a partir do movimento realizado no tabuleiro político do país implantaram a mais atroz e brutal ditadura do continente naqueles anos.

O candidato à presidência da Argentina Javier Milei, um radical de extrema direita totalmente tresloucado e irascível que setores da imprensa "profissional" insistem em chamar de “libertário’, ou ainda “ultraliberal”, que enfrentará o peronista Sergio Massa no segundo turno da eleição, inúmeras vezes já manifestou “apreço” e “carinho” pela ditadura monstruosa que se autobatizou de “Processo de Reorganização Nacional”. A candidata a vice na chapa de Milei, a deputada reacionária Victoria Villarruel, vai ainda mais longe nos afagos.

Ela é neta e sobrinha de militares e é talvez a única figura minimamente conhecida na Argentina que teve coragem de realizar um ato impensável por décadas: visitar Jorge Rafael Videla na cadeia.

Videla, para quem não sabe, é amplamente reconhecido como o mais assassino e pavoroso ditador da América Latina, até mesmo à frente do general chileno Augusto Pinochet. Ele usou, durante uma série de entrevistas ao jornalista Ceferino Reato, realizada entre 2011 e 2012, a expressão “disposição final” para se referir ao plano de sua ditadura de eliminar até 30 mil pessoas no país. “Disposição final”, que acabou por ser usado como título do livro que Reato lançaria ainda naquele ano, era a terminologia utilizada para se referir às fardas e equipamentos militares que já não serviam para mais nada e que precisavam ser atirados no lixo. Era assim que Videla se referia aos milhares de argentinos e argentinas que matou.

Parceiro de Videla na empreitada golpista, o almirante Emilio Massera era um psicopata. Homem sádico, mesmo sendo um oficial de altíssima patente, frequentava sessões de tortura e matava pessoas com suas próprias mãos. Matou maridos de mulheres com quem se relacionou para tomar bens e propriedades. Com seu poder, o chamado “el negro”, ou ainda “el cero”, instalou no gigantesco e imponente quartel da Escola de Mecânica da Armada (ESMA) o maior campo de concentração e extermínio que as Américas já tiveram notícia até hoje.

Ali, dentro da suntuosa instalação castrense localizada na elegante e riquíssima Avenida do Libertador, próximo ao estádio do River Plate, pelo menos cinco mil homens, mulheres e crianças foram assassinados das formas mais atrozes. Mulheres grávidas eram surradas, torturadas e estupradas para depois terem seus bebês roubados (foram pouco mais de 500 casos assim). Os algozes da Marinha introduziam aparelhos médicos de inspeção pelo ânus de muitos presos políticos e então o puxam com força para arrancar as entranhas desses detidos. Sessões de eletrochoque, até a morte, eram diárias e ocorriam em todos os períodos do dia.

Uma outra prática horrenda do “Processo de Reorganização Nacional” eram os “voos da morte”. Oficiais das Forças Armadas e dos corpos de polícia levavam adversários da ditadura para aviões do Exército, da Força Aérea e da Prefeitura Naval de Buenos Aires, os deixavam ligeiramente dopados e depois os atiravam vivos, a milhares de metros de altitude, sobre as águas do Rio da Prata. Esse horror foi profundamente documentado no livro “O Voo”, do jornalista Horacio Verbitsky, que conseguiu uma entrevista exclusiva com um desses desalmados assassinos, Adolfo Scilingo.

Videla, Massera e Agosti foram condenados no chamado “Juízo das Juntas”, em 1985. Os dois primeiros foram condenados à prisão perpétua, enquanto o terceiro a modestos quatro anos de detenção. Não ficaram muito tempo atrás das grades, já que ainda nos anos 80 vieram as leis de “obediência devida” e “ponto final”, além de outros indultos presidenciais, posteriormente, que os liberaram para tocar a vida, em casa, depois do genocídio que cometeram. Coube a Nestor Kirchner, nos anos 2000, iniciar a luta que derrubou essa bizarrice que anistiou os assassinos.

Agosti cumpriu sua leve pena e morreu em 1997, ainda sob anistia total, mas Videla e Massera não tiveram a mesma sorte. O ex-comandante da Marinha acabou não acertando as contas com a Justiça porque seu estado de saúde mental se deteriorou significativamente. Morreu vítima de um AVC em 2010. Já o chefe do Exército teve que ir para o cárcere. Ficou lá de 2008 a 2013, quando morreu, após sofrer uma queda e bater as costelas no vaso sanitário da cela. Morreu sufocado pelo próprio sangue, jogando no canto de um banheiro sujo, como um rato.

Nesse período, Videla era um pária, alguém que não recebia sequer uma visita. Mas Victoria Villarruel, a vice de Milei, ia sorridente cortejar e bajular o assassino de grávidas e ladrão de bebês.

Agora, num país onde seu regime mais nefasto foi repelido por mais de 90% da população durante anos e anos, surge um sujeito que resolve reabilitar o mais horrendo e sinistro período da história Argentina. No entanto, parte dos setores de imprensa "profissional" e do universo político, lá e no exterior, cismam em classificá-lo apenas como “libertário” ou “ultraliberal”, mesmo piscando e sorrindo para os maiores carrascos sanguinários do país.