O fracasso da globalização, a crise econômica nas franjas da União Europeia e a crise energética resultante da invasão da Ucrânia -- e subsequente boicote à Rússia -- estão provocando um terremoto político de lenta propagação mas grande profundidade na Europa, especialmente no que um dia foi o leste europeu.
É neste contexto que se explica o surpreendente resultado eleitoral deste fim de semana na pequena Eslováquia, de apenas 5,5 milhões de habitantes, país que fica encravado entre a Polônia e a Hungria e faz fronteira com a Ucrânia.
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Com praticamente todos os votos contados, o partido Smer chegou a quase 23% dos votos, contra 18% do PS, o liberal Progresívne Slovensko, cuja vitória havia sido prevista por duas pesquisas de boca-de-urna.
Com isso, os social democratas devem voltar ao poder, mais uma vez sob a tutela de Robert Fico, cuja militância original começou no extinto Partido Comunista da Checoslováquia. Por causa disso, a mídia ocidental se refere a ele como um "populista".
Depois da vitória, Fico reiterou que a Eslováquia tem problemas mais importantes que a invasão da Ucrânia. Apesar de figurar entre os países de alta renda do continente, é um dos mais desiguais, com o poderio econômico se concentrando na região de Bratislava, a capital, na fronteira com a Áustria.
No leste da Eslováquia, as províncias que receberam o maior influxo de refugiados da Ucrânia são justamente as de economia mais débil.
Por isso Robert Fico tem falado em buscar a paz. Ele condenou o bloqueio econômico à Rússia e passou a ser apontado como pró-Putin pela mídia ocidental.
Suas posições são parecidas com as de Viktor Orbán, que governa a Hungria desde 2010 liderando um partido nacionalista de direita.
"É sempre bom trabalhar de novo com um patriota", escreveu Orbán em uma rede social sobre o resultado da eleição no país vizinho.
O governo atual da Eslováquia praticamente esvaziou as reservas nacionais de armamentos para oferecer à Ucrânia, com a promessa de apoio financeiro dos Estados Unidos. Além de caças e helicópteros, a Eslováquia entregou ao governo Zelensky 500 mísseis Hellfire.
Uma vez que terá de negociar uma coalizão com outros partidos para voltar a ser primeiro-ministro, Fico pode ser obrigado a ceder em algumas de suas posições.
"Estamos preparados para ajudar na reconstrução da Ucrânia", disse Fico depois da vitória, reafirmando que cessará a entrega de armas para o regime ucraniano.
É uma reviravolta, a primeira de um país membro da OTAN, que pode se aprofundar nas eleições parlamentares previstas para acontecer em 15 de outubro na Polônia.
Neste domingo, centenas de milhares de pessoas ocuparam o centro de Varsóvia num comício da frente de oposição ao Partido Lei e Justiça (PiS), que governa o país desde 2015.
Pressionado pelo extremista Confederation, de grande apelo entre conservadores e em regiões rurais, o PiS agora fala em priorizar a defesa dos interesses nacionais, o que significa manter o embargo à exportação de grãos da Ucrânia e suspender o fornecimento de armas ao regime de Zelensky.
Os governos da Polônia, Eslováquia e Hungria estão sob pressão popular para limitar a entrada de imigrantes vindos do Oriente Médio, do Afeganistão e também de refugiados da Ucrânia.
A reviravolta acontece depois de a Polônia, sob pressão da OTAN, entregar 400 tanques à Ucrânia, parte de uma ajuda financeira que bateu em quase 3 bilhões de euro.
O terremoto político na Europa tem suas origens mais profundas no fracasso da globalização, que beneficiou apenas a elite financeira e intelectual, gente capacitada para tirar proveito das novas oportunidades econômicas oferecidas pelo livre movimento de mercadorias.
Mais especificamente na União Europeia, a dramática crise da Grécia deixou claro que Alemanha e, em menor escala, França, drenaram recursos, inclusive humanos, para suas próprias economias, tirando proveito da mão-de-obra barata da periferia da UE.
Finalmente, com a invasão da Ucrânia pela Rússia e o boicote total a Moscou imposto pelos Estados Unidos, países do leste europeu perderam acesso ao mercado e investimentos russos, além de bancar preços altos de energia que reduziram a competitividade das suas mercadorias de exportação.
Isso vale, inclusive, para a Alemanha, que tocava sua indústria com gás barato importado da Rússia.
A combinação dos três eventos -- fracasso da globalização, do projeto de integração europeia e as consequências da invasão da Ucrânia -- provocou aprofundamento das desigualdades econômicas no continente, combinando alta taxas de desemprego entre jovens, inflação e insegurança alimentar.
As tinturas nacionalistas estão de volta com força total à política europeia, com risco de fragmentação do bloco multiplicado depois do Brexit.