Passado o susto e quase 24 horas de agradecimento à sorte (ou à intervenção divina, como alguns preferem), grande parte da sociedade argentina, agora, volta seus olhos (e críticas) para um elemento central no gravíssimo episódio do atentado frustrado a tiros contra a vice-presidente Cristina Kirchner, ocorrido na noite de ontem (1°), quando a antiga mandatária chegava em sua residência, no bairro da Recoleta, em Buenos Aires: seu corpo de segurança.
Pelos vários ângulos em que o ataque foi registrado, é inequívoca a impressão de que sua equipe de guarda-costas cometeu uma série de erros crassos e colocou a substituta do presidente Alberto Fernández em situação de total vulnerabilidade. Cristina foi chefe de Estado por duas vezes, seu falecido marido, Nestor Kirchner, também, e atualmente ela ocupa a vice-chefia de Estado, além de ser presidente do Senado da República. É uma figura de máxima importância política no país e tem adversários e inimigos raivosos.
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A imprensa da Argentina passou a ouvir especialistas em segurança de autoridades para mostrar, um a um, os erros cometidos por seus guarda-costas e pelos agentes da Polícia Federal Argentina (PFA) que completam seu esquema de proteção.
A escolta de Cristina Kirchner é formada, como a maior parte das autoridades de Estado mundo afora, por círculos, ou anéis. Segundo portal Perfil, o círculo mais próximo é formado por quatro guarda-costas do Gabinete de Segurança da Presidência da Nação, subordinado ao Ministério da Segurança. Esses são os homens que estão todo o tempo perto dela, abrindo a porta do carro, dos locais onde ela ingressa, que pegam elevadores e escadarias com Cristina. Eles são equipados com coletes à prova de balas, armas automáticas, maletas e guarda-chuva balísticos e recebem treinamento rigoroso para realizar essa tarefa.
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No segundo círculo estão pelo menos 10 agentes da Polícia Federal Argentina (PF), que permanecem ao rodeando os carros de sua comitiva, de olho em quem está ao redor e em tudo que se passa, se antecipando a qualquer problema. Estão protegidos por coletes e portando armas automáticas.
Por fim, num terceiro e mais distante círculo, estão outros agentes, que podem estar às dezenas, espalhados com viaturas pelas imediações das áreas por onde a vice-presidente circula, integrantes das forças policiais como PFA e a Polícia da Cidade de Buenos Aires.
Há poucos dias Cristina foi vista, durante o dia, numa situação semelhante à do local em frente a seu apartamento onde Fernando Andrés Sabag Montiel tentou matá-la. Ali, relata o Perfil, o posicionamento e a atuação de seus seguranças parece correta. Estão sempre muito próximos, absolutamente atentos ao público, mantêm a vice-presidente um pouco mais distante das pessoas, carregam as maletas balísticas prontas para serem usadas e portam guarda-chuvas abertos para dificultar a visibilidade dela à distância.
Só que o que se viu foi um show de erros e quebra de protocolos durante sua chegada ao elegante edifício localizado na Rua Juncal, 1.308, no nobilíssimo bairro da Recoleta. Todas as imagens mostram os guarda-costas dispersos, se aglomerando do outro lado da rua, sem dar atenção para a posição onde Cristina se posicionava. Dois agentes estão próximos dela, acabam permitindo que ela praticamente encoste no público e não percebem sequer a arma sendo apontada, falhando e a autoridade se assustando, colocando as mãos na cabeça e abaixando, em choque. São quase dois segundos eternos para que um primeiro guarda-costas note que algo não estava dentro da normalidade.
No entanto, o que mais deixou os especialistas em escolta de personalidades importantes estarrecidos foi o fato de Cristina não ter sido retirada imediatamente do local, nem coberta com uma proteção balística.
“O que eles tinham que fazer era tirá-la da zona de perigo... Há imagens da semana passada onde mostram que a custódia de Cristina usou pastas balísticas, guarda-chuvas para reduzir a visão de longe e isso contrasta muito com o que foi visto nas imagens da noite passada”, disse ao Perfil Andrei Serbin Pont, expert em segurança e armas da think tank Cries.
Juan Pablo Fioribello, que é advogado pessoal da família Kirchner e já ocupou a chefia do Ministério da Segurança, foi na mesma direção e criticou o inacreditável vacilo dos agentes da escolta.
“Claramente houve uma falha na custódia. Em termos de custódia presidencial e funcionários de alto escalão nada pode ficar fora de controle, a prevenção é tudo”, afirmou também ao Perfil Fioribello.
Com a atuação desastrosa dos guarda-costas, quem ficou com a cabeça a prêmio foi o atual ministro da Segurança, Aníbal Fernández, embora o governo até agora não tenha dirigido críticas diretas a ele, tampouco cogitado sua saída.
A líder das Mães da Praça de Maio, uma respeitadíssima instituição que advoga em nome dos Direitos Humanos, oriunda da luta contra a ditadura do genocida Jorge Rafael Videla, a ativista Hebe de Bonafini, que mantém estreitíssima relação com Cristina Kirchner, pediu a demissão de Aníbal.
“Com o direito que 45 anos de luta ininterrupta me dão, lutando para defender as pessoas que amo, por ser inepto e descuidado, exijo a renúncia de Aníbal Fernández... Espero que muitos se juntem a mim para o mesmo, porque ela não soube cuidar da presidente”, disparou a senhora de 93 anos que é uma das mais influentes figuras políticas e históricas da Argentina contemporânea ainda vivas.
A juíza María Eugenia Capuchetti e o promotor Carlos Rívolo, que atuam no caso do atentado, anunciaram nesta tarde (2), informa o diário conservador La Nación, que solicitaram as câmeras de monitoramento que cobrem o local do episódio e que visam, também, investigar a péssima atuação dos guardas de proteção de Cristina Kirchner.