CRIME ORGANIZADO

O horror do narcotráfico: 14 corpos desmembrados em 5 dias

Zacatecas é o novo território do barbarismo. No México, a cada dia uma onda mais violenta de mortes surge em algum lugar e a população assiste a tudo apavorada, sem saber a quem recorrer

Corpos na cidade de Fresnillo, no México..Créditos: Twitter/Reprodução
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Uma comunidade chamada La India, na cidade de Pánuco, no Estado mexicano de Zacatecas, amanheceu na terça-feira (17) com a certeza de que estaria nos noticiários de todo o país e até do exterior. Corpos desmembrados foram jogados pelas ruas e as cenas de barbarismo absoluto chocaram os moradores. No entanto, a carnificina não foi algo exatamente inesperado, já aquele era o quinto dia em que cadáveres esquartejados, agora num total de 14, eram lançados em via pública nos municípios deste ente federativo do México que atravessa uma onda de sangue. Aliás, a "nova onda" de sangue mexicana não é tão nova assim. O país está apavorado há mais de uma década pela violência dilacerante dos cartéis do narcotráfico.

Nestes casos ocorridos em Zacatecas por cinco dias seguidos, os pedaços de corpos humanos vêm acompanhados de cartolinas. Nos recados, os narcotraficantes explicam preliminarmente o motivo da morte daquele rival, fazendo propaganda de sua facção. A área onde fica Zacatecas, no centro do México, serve de passagem para os maiores e principais cartéis do país, que operam as rotas de entorpecentes que vão para os EUA. Ali, há nos últimos dias um intenso confronto entre os cartéis de Sinaloa e Jalisco Nueva Generación.

Mas se engana quem acha que as coisas pelos lados de Zacatecas só pioraram agora. Em fevereiro deste ano, 10 corpos já tinham sido encontrados na cidade de Fresnillo e outros seis em Pánfilo Natera. Um mês antes, em janeiro, uma dezena de cadáveres já havia surgido de uma só vez também na capital, que leva o mesmo nome do Estado.

Zacatecas é o Estado do México que tem a maior taxa de homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 2020 esse índice foi de 65, enquanto que em 2021 ficou em 45. A média nacional, altíssima e uma das mais alarmantes do mundo, é de 29. Para efeitos comparativos, no Brasil, uma nação igualmente violenta, ocorrem 19 homicídios para cada 100 mil habitantes. Cabe ressaltar que há cidades no México com níveis de assassinatos ainda mais elevados e os dados aqui são em relação aos estados.

Desaparecimentos e crime organizado

Desde 2018, são mais de 49 mil pessoas desaparecidas no México, sendo mais de 25% delas mulheres. Na última década, uma média de 9 mulheres desaparecem no país a cada 24 horas. No Dia Mundial das Vítimas por Desaparições Forçadas, 30 de agosto, é possível notar a dimensão desse drama no México, uma vez que o número de atos cobrando justiça se multiplica por todo o país. No cerne do problema está novamente o narcotráfico, responsável pela maior parte dos sumiços.

“O que temos é esperança. Se tanta gente passa por aqui, tomara que alguma informação tenham, se os viram”, diz uma mãe esperançosa em frente a um mural com fotos e dados dos desaparecidos, em Guadalajara, à reportagem do periódico britânico The Independent.

Drama: Madres Buscadoras, mães com pás que procuram filhos assassinados no México

As mulheres que compõem uma associação civil surgida no estado mexicano de Sonora têm uma das tarefas mais dolorosas e desumanas que se possa imaginar: elas são mães e, carregando pás, cavam em locais ermos para encontrar os corpos dos próprios filhos assassinados.

O coletivo Madres Buscadoras tenta achar não apenas ossadas, mas uma resposta que dê conforto ao sofrimento de milhares de famílias na nação mais violenta das Américas, completamente dominada pelo narcotráfico. Segundo o próprio presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “há muito mais que três cartéis” por lá. Na verdade, de acordo com a imprensa e estudiosos do crime organizado, eles seriam 20 em todo o país, operando em milhares de células e localidades de norte a sul do território mexicano, e não apenas na região próxima à fronteira com os EUA, como imagina o senso comum.

“No dia 4 de maio, quando meu filho José Antonio desapareceu em Kino Bay, percebi que as autoridades não iriam me ajudar a procurar meu filho, então eu tinha que sair procurando por ele e é por isso que nasceu a Madres Buscadoras de Sonora”, contou a fundadora da entidade, Ceci Patricia Flores Armenta, em entrevista ao jornal El Sol de Hermosillo. A organização, dois anos após sua criação, já conta com mais de 900 voluntárias.

No ano de 2020, o México registrou 36.773 homicídios, o que resulta na absurda cifra de 29 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes. Só em termos comparativos, num país violentíssimo como o Brasil, essa média é de 19 para cada 100 mil habitantes. No entanto, os contornos que cercam os assassinatos no México são bem diferentes. A cidade de Celaya, no pequeno estado de Guanajuato, no centro-sul do México, registrou em 2021 uma taxa de 110 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes.

Como áreas imensas são controladas pelos cartéis do narcotráfico, cidades inteiras e até estados, isso incluindo as até áreas centrais das capitais, onde estão as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como os comandos das polícias e de unidades militares, as autoridades constituídas pouco podem fazer e elas mesmas sentem-se ameaçadas. Como não há um trabalho real da polícia, praticamente nenhum caso é resolvido e em grande parte das vezes os assassinos apenas desaparecem com os corpos após as execuções, seja os enterrando, queimando, ou até mesmo diluindo em ácido, o que torna a notificação do crime e a confirmação do homicídio impossíveis para as famílias das vítimas.

Nesta semana, uma empreitada das Madres Buscadoras de Sonora no estado de Jalisco descobriu numa só fossa comum 71 cadáveres. As autoridades naturalizam tanto a hecatombe que foram aos jornais dizer que o número era falso, tratando-se “só” de 44. De pás nas mãos, sob o sol, elas acham por todo o país verdadeiros amontoados de corpos já decompostos e notificam o Ministério Público, as polícias locais e os institutos forenses para que tomem alguma medida e removam o material. Só em Jalisco, local da recém-descoberta, são mais de 16 mil desaparecidos. Um mês antes, na cidade de Hermosillo, capital de Sonora, o coletivo achou outras oito ossadas em mais uma tumba coletiva improvisada, em meio à aridez do solo.

Mas isso não é nada.

Os narcotraficantes que operam no México cometem assassinatos em escalas tão absurdas, e com métodos tão brutais, que casos como o dos 46 estudantes de uma escola rural que voltavam de um protesto político de ônibus, no estado de Guerrero, em 2014, e que simplesmente desapareceram, ganham o mundo por conta da crueldade. Com a repercussão internacional, a Polícia Federal do México descobriu que o veículo foi abordado na estrada por milicianos subordinados ao prefeito de Iguala, José Luís Abarca, que mantinham relações íntimas com cartéis da região. Sem uma explicação muito convincente, os homens, com apoio de uma espécie de polícia municipal, mataram todos e desapareceram com os corpos, nunca encontrados, com exceção de três vítimas carbonizadas achadas pelos investigadores.

Em 2017 também ganharam as páginas dos jornais no mundo inteiro casos de pessoas arremessadas vivas de aviões em cidades como Eldorado e Culiácan, capital do estado de Sinaloa, que se espatifam no chão das áreas urbanas, para terror dos moradores.

Ceci Flores: Conheça o drama e a luta da fundadora das Madres Buscadoras do México

“Peço desculpa pelo atraso, eu ando pelas estradas desse país... É a minha luta”. Com essa frase, uma mulher mexicana de força interminável inicia sua entrevista exclusiva à Fórum. Ela é Ceci Patricia Flores Armenta, fundadora de uma organização civil que ganhou respeito mundo afora pela coragem, trabalho incansável e objetivo nobre: localizar os 95.000 desaparecidos vítimas da colossal criminalidade do México, a nação latino-americana dominada pelo narcotráfico, pela corrupção das autoridades e pelo medo, de forma muito parecida com o que ocorre no Brasil.

Peço que Ceci se apresente e explique seu drama, da forma como achar mais conveniente.

“Meu nome é Ceci Patricia Flores, presidente e fundadora do Madres Buscadoras de Sonora, um grupo que nasceu como resultado do desaparecimento de meu filho Marco Antonio de meu outro filho, mais novo, Jesús Adrian, em 4 de maio de 2019, em Bahía de Kino, Estado de Sonora. Fundei o grupo por conta da insensibilidade das autoridades, devido ao desaparecimento dos meus filhos e à falta de apoio para a busca. Percebi que tinha que ser eu mesma a sair em busca deles, com uma picareta e uma pá na mão, pois tinha um filho que já havia desaparecido em Los Mochis, Sinaloa, em 2015, a quem eu procurava incansavelmente, na companhia de outros grupos”, apresentou-se a ativista.

Sobre o segundo evento, no qual desapareceram outros dois filhos, Ceci conta os detalhes do horror a que foi submetida pelos sequestradores dos rapazes. O mais novo foi devolvido, mas os outros dois que seguem sem paradeiro conhecido foram o combustível para que a Madres Buscadoras fosse fundada e hoje seja uma das entidades da sociedade civil mais respeitadas do México.

Ceci Flores em campo, buscando desaparecidos

“Foi então que Marco Antonio e Jesus Adrian desapareceram e não havia grupos de busca para me apoiar na procura por meus filhos. Fui e fiz isso sozinha. Às 4 horas da manhã do dia que eles desapareceram, comecei a caminhar pelas montanhas e comecei a transmitir ao vivo pelas redes para que as pessoas que os levaram vissem a dor que eles me causaram e, assim, me devolvessem eles. A partir daí, muitas mães que, como eu, tinham filhos desaparecidos e não tinham apoio nem das autoridades, nem da família para procurá-los, começaram a me ligar, dia após dia, para se juntarem à minha luta. Elas ajudam a procurar meu filho, e então eu as ajudo a procurar os delas. Em 10 de maio de 2019, me ligaram para dizer que iam me dar um presente de Dia das Mães. À meia-noite me mandaram o endereço de uma localidade para que eu buscasse meu filho menor de 16 anos, e ele estava vivo. Só que Marco Antonio não foi devolvido e aí decidi formar as Madres Buscadoras de Sonora, e formamos um grupo”, explicou a fundadora da organização.

As Madres Buscadoras ganharam volume, projeção e respeito pela luta dilacerante que travam a partir de tragédias pessoais que foram transformadas em um objetivo a ser perseguido. Elas cavam, diariamente, por todos os cantos, procurando encerrar o sofrimento causado pela incerteza de ter um desaparecido na família.

“Hoje somos uma grande família de mais de 2 mil mães. Lutamos incansavelmente para trazer nossos filhos de volta para casa, sem buscar culpados ou justiça, apenas buscando a paz que um dia alguém nos levou. No momento, não consegui recuperar meus outros dois filhos, mas apoiei nas buscas que resultaram no encontro de 800 pessoas em covas clandestinas. Fazemos o trabalho de remeter todos esses corpos para seus locais de origem, em diferentes partes do México, e o fazemos com recursos próprios. Lutamos diária e incansavelmente para que consigamos levar esses filhos de volta para casa, de preferência vivos, mas seja lá a forma como os encontramos, os mandamos de volta para suas famílias para dar paz, que alguém um dia nos tirou, em nossas vidas”, concluiu a mãe mexicana.