As mulheres que compõem uma associação civil surgida no estado mexicano de Sonora têm uma das tarefas mais dolorosas e desumanas que se possa imaginar: elas são mães e, carregando pás, cavam em locais ermos para encontrar os corpos dos próprios filhos assassinados.
O coletivo Madres Buscadoras tenta achar não apenas ossadas, mas uma resposta que dê conforto ao sofrimento de milhares de famílias na nação mais violenta das Américas, completamente dominada pelo narcotráfico. Segundo o próprio presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “há muito mais que três cartéis” por lá. Na verdade, de acordo com a imprensa e estudiosos do crime organizado, eles seriam 20 em todo o país, operando em milhares de células e localidades de norte a sul do território mexicano, e não apenas na região próxima à fronteira com os EUA, como imagina o senso comum.
“No dia 4 de maio, quando meu filho José Antonio desapareceu em Kino Bay, percebi que as autoridades não iriam me ajudar a procurar meu filho, então eu tinha que sair procurando por ele e é por isso que nasceu a Madres Buscadoras de Sonora”, contou a fundadora da entidade, Ceci Patricia Flores Armenta, em entrevista ao jornal El Sol de Hermosillo. A organização, dois anos após sua criação, já conta com mais de 900 voluntárias.
No ano de 2020, o México registrou 36.773 homicídios, o que resulta na absurda cifra de 29 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes. Só em termos comparativos, num país violentíssimo como o Brasil, essa média é de 19 para cada 100 mil habitantes. No entanto, os contornos que cercam os assassinatos no México são bem diferentes. A cidade de Celaya, no pequeno estado de Guanajuato, no centro-sul do México, registrou em 2021 uma taxa de 110 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes.
Como áreas imensas são controladas pelos cartéis do narcotráfico, cidades inteiras e até estados, isso incluindo as até áreas centrais das capitais, onde estão as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como os comandos das polícias e de unidades militares, as autoridades constituídas pouco podem fazer e elas mesmas sentem-se ameaçadas. Como não há um trabalho real da polícia, praticamente nenhum caso é resolvido e em grande parte das vezes os assassinos apenas desaparecem com os corpos após as execuções, seja os enterrando, queimando, ou até mesmo diluindo em ácido, o que torna a notificação do crime e a confirmação do homicídio impossíveis para as famílias das vítimas.
Nesta semana, uma empreitada das Madres Buscadoras de Sonora no estado de Jalisco descobriu numa só fossa comum 71 cadáveres. As autoridades naturalizam tanto a hecatombe que foram aos jornais dizer que o número era falso, tratando-se “só” de 44. De pás nas mãos, sob o sol, elas acham por todo o país verdadeiros amontoados de corpos já decompostos e notificam o Ministério Público, as polícias locais e os institutos forenses para que tomem alguma medida e removam o material. Só em Jalisco, local da recém-descoberta, são mais de 16 mil desaparecidos. Um mês antes, na cidade de Hermosillo, capital de Sonora, o coletivo achou outras oito ossadas em mais uma tumba coletiva improvisada, em meio à aridez do solo.
Mas isso não é nada.
Os narcotraficantes que operam no México cometem assassinatos em escalas tão absurdas, e com métodos tão brutais, que casos como o dos 46 estudantes de uma escola rural que voltavam de um protesto político de ônibus, no estado de Guerrero, em 2014, e que simplesmente desapareceram, ganham o mundo por conta da crueldade. Com a repercussão internacional, a Polícia Federal do México descobriu que o veículo foi abordado na estrada por milicianos subordinados ao prefeito de Iguala, José Luís Abarca, que mantinham relações íntimas com cartéis da região. Sem uma explicação muito convincente, os homens, com apoio de uma espécie de polícia municipal, mataram todos e desapareceram com os corpos, nunca encontrados, com exceção de três vítimas carbonizadas achadas pelos investigadores.
Em 2017 também ganharam as páginas dos jornais no mundo inteiro casos de pessoas arremessadas vivas de aviões em cidades como Eldorado e Culiácan, capital do estado de Sinaloa, que se espatifam no chão das áreas urbanas, para terror dos moradores.