“Peço desculpa pelo atraso, eu ando pelas estradas desse país... É a minha luta”. Com essa frase, uma mulher mexicana de força interminável inicia sua entrevista exclusiva à Fórum. Ela é Ceci Patricia Flores Armenta, fundadora de uma organização civil que ganhou respeito mundo afora pela coragem, trabalho incansável e objetivo nobre: localizar os 95.000 desaparecidos vítimas da colossal criminalidade do México, a nação latino-americana dominada pelo narcotráfico, pela corrupção das autoridades e pelo medo, de forma muito parecida com o que ocorre no Brasil.
Peço que Ceci se apresente e explique seu drama, da forma como achar mais conveniente.
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“Meu nome é Ceci Patricia Flores, presidente e fundadora do Madres Buscadoras de Sonora, um grupo que nasceu como resultado do desaparecimento de meu filho Marco Antonio de meu outro filho, mais novo, Jesús Adrian, em 4 de maio de 2019, em Bahía de Kino, Estado de Sonora. Fundei o grupo por conta da insensibilidade das autoridades, devido ao desaparecimento dos meus filhos e à falta de apoio para a busca. Percebi que tinha que ser eu mesma a sair em busca deles, com uma picareta e uma pá na mão, pois tinha um filho que já havia desaparecido em Los Mochis, Sinaloa, em 2015, a quem eu procurava incansavelmente, na companhia de outros grupos”, apresentou-se a ativista.
Sobre o segundo evento, no qual desapareceram outros dois filhos, Ceci conta os detalhes do horror a que foi submetida pelos sequestradores dos rapazes. O mais novo foi devolvido, mas os outros dois que seguem sem paradeiro conhecido foram o combustível para que a Madres Buscadoras fosse fundada e hoje seja uma das entidades da sociedade civil mais respeitadas do México.
“Foi então que Marco Antonio e Jesus Adrian desapareceram e não havia grupos de busca para me apoiar na procura por meus filhos. Fui e fiz isso sozinha. Às 4 horas da manhã do dia que eles desapareceram, comecei a caminhar pelas montanhas e comecei a transmitir ao vivo pelas redes para que as pessoas que os levaram vissem a dor que eles me causaram e, assim, me devolvessem eles. A partir daí, muitas mães que, como eu, tinham filhos desaparecidos e não tinham apoio nem das autoridades, nem da família para procurá-los, começaram a me ligar, dia após dia, para se juntarem à minha luta. Elas ajudam a procurar meu filho, e então eu as ajudo a procurar os delas. Em 10 de maio de 2019, me ligaram para dizer que iam me dar um presente de Dia das Mães. À meia-noite me mandaram o endereço de uma localidade para que eu buscasse meu filho menor de 16 anos, e ele estava vivo. Só que Marco Antonio não foi devolvido e aí decidi formar as Madres Buscadoras de Sonora, e formamos um grupo”, explicou a fundadora da organização.
As Madres Buscadoras ganharam volume, projeção e respeito pela luta dilacerante que travam a partir de tragédias pessoais que foram transformadas em um objetivo a ser perseguido. Elas cavam, diariamente, por todos os cantos, procurando encerrar o sofrimento causado pela incerteza de ter um desaparecido na família.
“Hoje somos uma grande família de mais de 2 mil mães. Lutamos incansavelmente para trazer nossos filhos de volta para casa, sem buscar culpados ou justiça, apenas buscando a paz que um dia alguém nos levou. No momento, não consegui recuperar meus outros dois filhos, mas apoiei nas buscas que resultaram no encontro de 800 pessoas em covas clandestinas. Fazemos o trabalho de remeter todos esses corpos para seus locais de origem, em diferentes partes do México, e o fazemos com recursos próprios. Lutamos diária e incansavelmente para que consigamos levar esses filhos de volta para casa, de preferência vivos, mas seja lá a forma como os encontramos, os mandamos de volta para suas famílias para dar paz, que alguém um dia nos tirou, em nossas vidas”, concluiu a mãe mexicana.