Comediante e ator famoso desde os anos 2000, Volodymyr Zelensky começou sua ascensão política alguns anos depois de assumir um papel de protagonista na sátira “Servant of the People”, que começou a ser exibida em 2015. No programa, ele é um humilde professor de história cujo discurso anticorrupção em sala de aula é filmado por um aluno, se torna viral e lhe rende um cargo nacional. Três anos depois, ele foi eleito presidente da Ucrânia, com mais de 73% dos votos.
Em um mundo moldado por Youtube, TikTok, Twitter, Instagram e Facebook, não é surpreendente que Zelensky tenha ganhado com uma campanha feita inteiramente pelas redes sociais, história parecida com a de Jair Bolsonaro (PL) no Brasil. Na guerra contra a Rússia, o presidente ucraniano segue com a postura que fez sucesso e o levou à vitória.
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Diariamente, faz pronunciamentos que são publicados em sua página no Instagram e alimenta seu perfil no Twitter com vários posts em diversos idiomas. Assim, vem se tornando um herói de guerra, respeitado e alçado ao estrelato no mundo ocidental. Segundo uma pesquisa da Europe Elects, organização com sede na Alemanha que se dedica a fazer pesquisas políticas no continente europeu, 94% dos ucranianos aprovam as ações de Zelensky, enquanto apenas 6% desaprovam.
Segundo o doutorando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas, Gustavo Oliveira, a popularidade de Zelensky vinha em queda, sobretudo por causa dos problemas acarretados pela pandemia da Covid-19 e a elevação das tarifas de gás e serviços. No entanto, o cenário mudou com a guerra contra a Rússia, principalmente pela postura adotada pelo presidente ucraniano, que decidiu ficar em Kiev e contribuir para a resistência do país.
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"Ele se comportou de forma contrária ao que muitas pessoas pensavam. Eu acredito que a Rússia subestimou a liderança do Zelensky, que tem se mostrado mais evidente do que muita gente acreditava. A postura dele, de certa maneira, está em sintonia com a maioria da população. Foi subestimada a vontade e a capacidade de resistência também da população ucraniana", explica o especialista.
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e professor de relações internacionais na UFABC, Mathias Alencastro afirma que a "heroificação" de Zelensky é algo comum em conflitos como esses, que precisam de personagens. "A forma como a população projeta as suas emoções é muito clássica, encontrando heróis, vilões. E por que Zelensky? Porque ele representa a soberania da Ucrânia", pontua.
Para o especialista, "qualquer outra pessoa no lugar dele teria recebido essa simpatia", mas o fato do ucraniano ser um antigo ator de televisão contribui para o estrelato. Ele traça um paralelo com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, que tem uma comunicação "ditatorial", "de guerra", que coage as pessoas a lutarem pelo país. "Zelensky não tem a capacidade de coagir pessoas. Então ele está mobilizando elas da maneira que sabe: pelas redes sociais", complementa Alencastro.
Guerra de narrativas e apoio da mídia ocidental
A guerra entre Rússia e Ucrânia alimenta também um duelo de narrativas e uma guerra paralela da informação. Enquanto a mídia ocidental proíbe sites russos como Sputnik e RT News para que "não espalhem suas mentiras", contribui para a alçada de Zelensky ao heroísmo. Imagens, discursos, tudo é direcionado de forma que o ucraniano seja visto como o "salvador".
Segundo Oliveira, há uma visão idealizada da Ucrânia desde 2014, quando foi iniciada uma guerra civil com a Rússia depois que Putin anexou a Crimeia.
"A Ucrânia é vista na maioria dos países ocidentais como posto de defesa contra a Rússia, uma resistência do Ocidente. As potências ocidentais fecharam os olhos para questões mais autoritárias [de Zelensky]. Esse conflito é visto como ponto de pressão contra a Rússia, uma continuidade da postura das potências ocidentais de idealizar a Ucrânia como uma vítima de agressão", diz.
Para Alencastro, há um endosso do Ocidente em relação à "heroificação" de Zelensky. "O principal fenômeno é que os europeus acham que isso é uma guerra europeia, e não ucraniana", afirma.