NA CRISTA DA ONDA

Surfe nas Olimpíadas muda de patamar com os Jogos de Paris

Após ter sido realizada na praia de Tsurigasaki em Tóquio 2020, com ondas menores, competição chega a um templo sagrado no Taiti; pesquisadora fala sobre participação das mulheres e analisa como o esporte rejuvenesce as Olimpíadas

Tati Weston-Webb continua na luta por medalha nos Jogos olímpicos de Paris Créditos: William Lucas/COB
Taina Hinckel em uma das ondas em Teahupoo Créditos: William Lucas/COB
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Os primeiros dias da disputa do surfe olímpico tem trazido surpresas, belas imagens e alegrias para os brasileiros, com cinco atletas nas quartas de final do masculino e feminino. Um contexto diferente do cenário da competição em Tóquio 2020.

No Japão, além das ondas menores na praia de Tsurigasaki, o último dia contou com a chegada de um tufão. E se no início dos confrontos havia ondas maiores e limpas, depois elas se tornaram inconsistentes, dificultando as ações.

Já em Teahupo'o — que significa "monte de cabeças" em taitiano —, uma vila na costa sudoeste do Taiti, a história tem sido diferente. A ilha da Polinésia Francesa faz parte da França e fica ao sul do Oceano Pacífico, a mais de 16 mil quilômetros de Paris, sede dos Jogos Olímpicos. A competição, desta vez, é realizada em um local sagrado para o surfe, considerado por muitos como o lugar com as melhores ondas do mundo.

A transição abrupta de águas profundas para o recife raso concentra a energia das ondas (que por quebrar em um recife são chamadas de reef break, fazendo com que elas sejam mais potentes. Assim, o surfista tem à disposição ondas muito rápidas e ocas, ideais para manobras radicais e os famosos tubos.

Outro ponto que favorece a prática do esporte é a recorrência dos swells, ondas geradas pelo vento que sopram sobre longas distância no oceano, o que faz com que o atleta possa surfar várias vezes em um período curto de tempo, como fez Gabriel Medina na bateria em que derrotou o japonês Kanoa Iagarashi.

"Paris tinha várias opções para o evento de surfe. Inicialmente, acreditava-se que seria em uma piscina de ondas. Depois, há as praias da Costa Oeste, especialmente a área de Biarritz e Hossegor, onde já foram realizados eventos da WSL [Liga Mundial de Surfe]. A decisão de ser no Taiti é complexa e aparentemente é uma tentativa de mostrar o surfe em sua forma mais espetacular", explica a professora de ciências sociais da Universidade de Waikato, na Nova Zelândia, Belinda Wheaton, em entrevista à Fórum

Mas se a França tem a possibilidade de contar com uma praia assim em seu território, outras sedes poderão ter dificuldades no futuro. "Tanto Brisbane quanto Los Angeles terão opções para o surfe. No entanto, para outras cidades subsequentes, haverá desafios. As piscinas de ondas são caras para construir e consomem muita energia, e seu uso também tem sido bastante contestado entre os surfistas."

Vitória do surfe feminino

Teahupo'o já faz parte do circuito mundial de surfe profissional, mas não eram permitidas competições oficiais com atletas mulheres entre 2006 e 2022.

A suspensão do evento foi justificada pelo temor de que as atletas tivessem ferimentos sérios, mas a surfista australiana e três vezes campeã do Tahiti Pro Melanie Redman-Carr foi taxativa: "É uma decisão bem sexista", disse, à época. "Se os homens podem ir lá, por que nós não podemos?"

Em 2022, elas conseguiram retornar, em uma competição que contou com uma nota dez dada à brasileira Tatiana Weston-Webb, que, mesmo assim, caiu na semifinal diante da vencedora do evento, Vahine Fierro.

"Não tenho certeza de qual foi a justificativa da WSL para a proibição das mulheres. No entanto, a WSL, de forma mais ampla, até bem recentemente, marginalizava as mulheres no nível de elite. Os competidores e comentaristas observaram que as mulheres eram enviadas em condições precárias, não podiam ir aos mesmos lugares que os homens, além de todos os outros problemas, como prêmios menores em dinheiro, pouco patrocínio, sexualização etc. Definitivamente, houve um maior apoio às mulheres nos últimos anos", pontua Belinda Wheaton.

Mas a conquista veio após muita luta e organização coletiva por parte das atletas. "Também houve um trabalho importante feito por mulheres ativistas, como a Womens Surf Alliance nos EUA, que fez lobby com sucesso para que as mulheres fossem incluídas nos eventos de surfe de ondas grandes em Mavericks, inicialmente", aponta. "Notei que na época em que o Taiti foi confirmado como sede, houve alguns comentários sobre as mulheres não conseguirem participar, mas, como visto nos últimos eventos da WSL, lá, as mulheres estavam atacando as ondas."

Para Belinda Wheaton, o surfe também representa uma tendência de renovação das modalidades que fazem parte do programa olímpico. "O COI já está de olho nos e-sports e isso fica claro olhando seus sites. O YOG - Jogos Olímpicos da Juventude - tem sido um importante campo de testes para eles, e muitos dos esportes que estamos vendo agora já estão no YOG há alguns anos (como parkour break, breaking skateboarding, BMX etc.)", destaca.

"Nossa pesquisa sugere que estas são tentativas do COI de se tornar relevante para um cenário de consumo de mídia que muda rapidamente. Não se trata apenas da popularização de diferentes esportes, mas também do fato de que os esportes tradicionais sofrem muita concorrência de uma gama cada vez maior de atividades de lazer, e o digital e o on-line desempenham um papel importante nisso. Poucas crianças assistem mais à TV. No entanto, há definitivamente muita resistência em algumas partes da organização do COI, portanto, teremos que observar e ver como isso se desenrola."