Em 1924, os Jogos Olímpicos de Verão realizados em Paris introduziram uma novidade que mudaria o cenário das competições para sempre: a primeira Vila Olímpica. Um século depois, as acomodações feitas pela cidade-luz para receber atletas que representam seus países estão envoltas em polêmicas.
Nesta edição dos jogos, foram construídas três Vilas Olímpicas: em Saint-Denis, Saint Ouen e L'Île-Saint-Denis. Essas áreas, que fazem parte do departamento de Seine-Saint-Denis ao norte de Paris, foram escolhidas para abrigar cerca de 4.250 atletas durante os Jogos Olímpicos e outros oito mil durante as Paralimpíadas.
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Embora haja um esforço considerável para tornar essas vilas sustentáveis, transformando antigas zonas industriais degradadas em instalações modernas para os jogos, o processo tem seus críticos. Muitos residentes locais, incluindo imigrantes, foram forçados a desocupar suas casas, buscando abrigo em escritórios e armazéns abandonados e muitas vezes em condições precárias.
Além disso, ativistas de direitos humanos têm acusado as autoridades francesas de promoverem uma forma de "limpeza social", despertando debates sobre o custo humano desses grandes eventos esportivos e suas supostas melhorias urbanas.
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Há potencial para que as Olimpíadas revitalizem rapidamente áreas urbanas. Por outro lado, essas melhorias podem também promover gentrificação - processo de transformação urbana em que a chegada de residentes com maior poder aquisitivo em áreas anteriormente menos valorizadas causa um aumento nos preços de aluguel e propriedades - e causar deslocamento forçado das populações vulneráveis.
Durante um evento recente, o diretor da consultoria Useful Projects e ex-chefe de legado e sustentabilidade da Autoridade Olímpica nos Jogos de Londres 2012, Dan Epstein. Ele destacou a importância de integrar políticas de habitação social e oportunidades de emprego para os residentes locais no desenvolvimento das Vilas Olímpicas. Argumentou ainda que essas medidas são cruciais para garantir que o legado dos jogos seja positivo para a comunidade local.
As cidades que desejam sediar os Jogos Olímpicos devem demonstrar ao Comitê Olímpico Internacional (COI) a sustentabilidade de seus projetos, incluindo planos convincentes de revitalização urbana.
A conversão das instalações olímpicas em moradia social após os jogos é um exemplo de estratégia eficaz para expandir a oferta habitacional e contribuir significativamente para o bem-estar da comunidade.
Francês criou o conceito de Vila Olímpica
Idealizada pelo historiador francês Pierre de Coubertin, fundador do COI em 1894, a primeira Vila Olímpica foi projetada para oferecer acomodações, alimentação e leitos especificamente para os atletas.
Ao longo do último século, as Vilas Olímpicas evoluíram de instalações básicas para complexos modernos e bem equipados. A primeira acomodação olímpica era uma estrutura rudimentar situada próxima ao Estádio Olímpico. Composta por cabines de madeira espartanas, cada uma alojava três camas, refletindo a simplicidade da época.
Além das acomodações básicas, a Vila de 1924 oferecia algumas comodidades como casa de câmbio, serviço telefônico, lavanderia a seco, cabeleireiro, uma banca de jornais e uma agência de correios. Essas facilidades eram consideradas adequadas para atender às necessidades dos atletas daquela época, marcando o início de uma tradição que se expandiria e modernizaria significativamente nas décadas seguintes.
Antes dessa inovação, os atletas se hospedavam em hotéis, hospedarias, escolas e até em navios. Coubertin, reconhecendo não apenas a economia que a construção de estruturas temporárias traria em comparação com os altos custos de hotéis, viu também uma oportunidade de fomentar um senso de comunidade entre competidores de diferentes nacionalidades.
Evolução das Vilas Olímpicas
O conceito de Vila Olímpica evoluiu significativamente ao longo dos últimos 100 anos. Essas transformações refletem não apenas mudanças arquitetônicas, mas também socioeconômicas e políticas, adaptando-se ao contexto de cada era enquanto moldam a experiência olímpica global.
Paris 1924: A primeira Vila Olímpica oficial foi criada, oferecendo acomodações simples em cabines de madeira. Localizada perto do Estádio Olímpico, servia principalmente aos atletas masculinos, enquanto as mulheres ficavam em hotéis.
Los Angeles 1932: Em Baldwin Hills, a vila era composta de estruturas temporárias para homens e hotel para mulheres. Foi a primeira vila a incorporar comodidades como sala de jantar e instalações de treinamento.
Berlim 1936: A vila era mais sofisticada, com dormitórios de dois andares e diversas instalações, incluindo um hospital e corpo de bombeiros. A vila também serviu como ferramenta de propaganda para o regime nazista.
Londres 1948: Após a Segunda Guerra Mundial, os jogos utilizaram instalações existentes, como um acampamento militar, para acomodar os atletas, refletindo o orçamento restrito da época.
Helsinque 1952: As vilas foram projetadas para preservar espaços verdes e foram posteriormente transformadas em bairros residenciais, exemplificando o conceito de legado olímpico.
Roma 1960: Transformou um bairro degradado em um complexo de moradias modernas, que permaneceram como habitações após os jogos.
Tóquio 1964: Introduziu uma vila moderna com várias comodidades, incluindo uma variedade de instalações recreativas, refletindo o crescimento econômico do Japão pós-guerra.
Munique 1972: Conhecida por sua arquitetura avant-garde e pelo trágico massacre de Munique, a vila foi projetada para ser reutilizada como residências e acomodações estudantis.
Montreal 1976: A vila enfrentou muitos problemas financeiros e técnicos, mas acabou sendo convertida em condomínios e apartamentos residenciais.
Moscou 1980: Foi construída em um estilo que refletia a arquitetura soviética da época, focando em funcionalidade e acomodação de um grande número de atletas.
Los Angeles 1984: Marcada por uma arquitetura mais leve e festiva, refletindo o espírito otimista da época.
Seul 1988: A vila foi construída com o objetivo de demonstrar a capacidade tecnológica e o desenvolvimento da Coreia do Sul.
Barcelona 1992: Transformou uma área industrial em um próspero bairro residencial, mostrando o uso eficaz do legado olímpico para revitalizar uma parte da cidade.
Atlanta 1996: Focou na eficiência e na expansão da infraestrutura da cidade para acomodar os Jogos.
Sidney 2000: A vila era altamente ecológica, com sistemas de gestão de água e energia, refletindo um forte foco em sustentabilidade.
Atenas 2004: A vila foi parte de um esforço maior para modernizar a infraestrutura de Atenas.
Pequim 2008: Ofereceu instalações de ponta, incluindo um centro de serviços completo para atender às necessidades dos atletas.
Londres 2012: Focou na sustentabilidade e no legado, transformando a vila em um bairro residencial após os jogos.
Rio de Janeiro 2016: A vila foi parte de um esforço de revitalização urbana, transformada posteriormente em habitação residencial.
Tóquio 2020 (realizado em 2021 devido à pandemia): Continuou o legado de vilas sustentáveis com tecnologia avançada e foco em eficiência energética.
O caso brasileiro
A Vila Olímpica do Rio de Janeiro, construída para os Jogos Olímpicos de 2016, era um complexo residencial grandioso destinado a acomodar mais de 17 mil atletas e oficiais durante os Jogos Olímpicos e seis mil durante os Paralímpicos. Localizada na Barra da Tijuca, próximo ao Parque Olímpico, a vila consistia em 31 prédios de apartamentos, alguns com até 17 andares, oferecendo 3.604 apartamentos ao todo.
Essa Vila Olímpica foi projetada não apenas como um local de alojamento, mas também como um centro de conveniência completo, contendo serviços como lavanderia, floricultura, lojas de conveniência, banco, correios, bilheteria, salão de beleza e um salão de beleza. O refeitório operacional 24 horas, capaz de servir mais de 60 mil refeições por dia, além de áreas de lazer com jogos, instrumentos musicais e espaços de oração para diversas religiões.
Após os Jogos, os apartamentos da Vila Olímpica foram transformados em habitações residenciais, como parte do legado dos Jogos para a cidade, proporcionando novas opções de moradia na região. Este uso pós-jogos reflete um aspecto importante da sustentabilidade e do legado dos eventos olímpicos, integrando a Vila ao tecido urbano do Rio de Janeiro.