Eliminada nesta segunda-feira (24) da Eurocopa 2024 após perder por 1 a 0 para a Espanha e ser a última colocada do Grupo B da competição, a Albânia encerra sua breve e histórica participação no mais importante campeonato europeu de seleções com mais polêmicas do que gols ou pontos somados. Alguns desses episódios chegam a ser engraçados, como o ocorrido na estreia contra a Itália. Outros, considerados discursos de ódio, geraram punições à federação e despertaram a curiosidade do público acerca dos conflitos geopolíticos da região dos Bálcãs.
Falando em futebol, a Albânia tem pouquíssima tradição em nível internacional, ainda que este seja o esporte preferido dos albaneses ao lado do halterofilismo e das lutas. A seleção nacional, fundada em junho de 1930, só fez a sua primeira partida oficial em 1946, contra a Iugoslávia.
Te podría interesar
A Albânia jamais participou de uma Copa do Mundo. Em 1934 chegou a ser convidada para participar do mundial, mas por problemas internos de organização do time não pôde levar o projeto adiante. Já em relação às Eurocopas, a única que havia participado antes da atual foi em 2016. Na ocasião também acabou eliminada na fase de grupos.
Os principais feitos da seleção albanesa ao longo da história foram vitórias e empates suados contra seleções mais tradicionais nos torneios qualificatórios para a Eurocopa e nas eliminatórias da Copa do Mundo. Nas eliminatórias de 2010, por exemplo, a seleção albanesa ficou marcada por ter conseguido empates com Suécia e Portugal.
Te podría interesar
Dessa vez, na sua segunda Euro, foram 2 derrotas para a Itália (2 a 1) e Espanha (1 a 0), além de um empate em 2 a 2 com a Croácia pelo Grupo B. Já na estreia contra os italianos, um torcedor albanês viralizou nas redes sociais em brincadeira com os rivais. Ele foi filmado quebrando um pacote de 1 kg de macarrão tipo spaghetti diante dos italianos.
Para os italianos, que têm justamente o spaghetti como um 'prato nacional', o macarrão deve ser colocado inteiro na panela. Quebrá-lo, como muitas vezes é feito fora da Itália, é como se fosse uma espécie de 'sacrilégio culinário' para os italianos.
Com esse contexto em mente, o albanês primeiro ameaça o rompimento da massa, que segura com as duas mãos. Os italianos reagem como que implorando para que ele não faça isso e, quando se dão por convencidos de que a massa permanecerá inteira, o albanês a rompe sem mais, nem menos. As imagens viralizaram nas redes sociais.
Nacionalismo, geopolítica e conflitos nos Bálcãs
Se quebrar o spaghetti diante dos italianos é uma polêmica leve, uma brincadeira, o que se segue não está exatamente na mesma sintonia. Na última quarta-feira (19), a Albânia jogou sua segunda partida contra a vizinha Croácia e o empate em 2 a 2 foi mero detalhe.
Durante a partida, torcedores croatas e albaneses se juntaram e cantaram “morte aos sérvios” durante a partida disputada em Hamburgo, na Alemanha. Após os lamentáveis cânticos, a Associação de Futebol da Sérvia ameaçou abandonar a competição. Os dirigentes sérvios encaminharam uma carta para a entidade que comanda o futebol europeu, em que pedem punições para albaneses e croatas.
“O que aconteceu foi escandaloso e pediremos punições à UEFA, mesmo que isso signifique não seguir na competição”, declarou Jovan Šurbatovic, secretário-geral da Associação de Futebol da Sérvia, em entrevista à TV pública do país.
“Estamos certos de que haverá punição, porque eles [a UEFA] já responderam ao nosso pedido de retirar a credencial de um dito jornalista da Albânia. Pediremos à UEFA que puna as duas federações. Não queremos ter que interferir, mas se a UEFA não puni-los, pensaremos em como proceder”, acrescentou o dirigente.
Ainda conforme a associação sérvia, um jogador da seleção da Albânia teria utilizado um megafone para dizer as mesmas palavras ofensivas junto com os torcedores, depois do jogo. Trata-se do atacante Mirlind Daku, que, mesmo pedindo desculpas depois nas redes sociais, acabou suspenso por dois jogos pela UEFA e não jogou contra a Espanha nesta tarde. A Federação Albanesa de Futebol também foi punida, com multa de 47,2 mil euros.
“A Associação de Futebol da Sérvia acredita que, no momento em que aconteceram os cânticos das duas torcidas, o jogo deveria ter sido interrompido e o procedimento de ‘três passos’ deveria ter sido iniciado. Isso está explicitamente previsto no regulamento da UEFA e estamos surpresos que não tenha sido aplicado pelos funcionários da UEFA no jogo. Essa regra foi corretamente aplicada em casos de muito menos intensidade. Portanto, estamos surpresos que ela não tenha sido aplicada neste jogo”, completou a entidade.
Em jogo da Sérvia
Os conflitos nos Bálcãs, região ao norte da Grécia onde estão a Albânia e as antigas repúblicas que compunham a Iugoslávia – entre elas Sérvia, Croácia e Kosovo – remontam à dissolução daquele país. Após a morte de Tito, em 1980, começou o processo de fragmentação da Iugoslávia que desembocou na vitória dos separatistas croatas em plebiscito de 1991.
Após anunciarem sua separação, um enorme conflito se deu, com o território croata sendo invadido pelo exército federal iugoslavo, de hegemonia sérvia no comando. A intervenção seria para resguardar as minorias sérvias presentes no território croata. O conflito fratricida se estendeu até 1999, mas a Croácia já era considerada independente desde 1992, com ajuda de intervenção humanitária da ONU.
Os albaneses, por outro lado, têm diásporas registradas na sua história desde o século XV, seja por conta de guerras ou por condições econômicas adversas. Durante a Guerra Fria, a Albânia foi um país do bloco soviético, mas tinha soberania em relação à União Soviética e à própria Iugoslávia. Àquela altura, apesar da unidade territorial, as diversas diásporas já haviam deixado albaneses espalhados por uma série de países da Europa, incluindo a vizinha Sérvia. É por isso que boa parte os atletas da seleção comandada pelo brasileiro Sylvinho nasceu em outros países que não a própria Albânia.
É dentro da Sérvia que está o pequeno Kosovo, país que declarou sua independência em 2008, prontamente reconhecida pela França e pelos EUA. A população kosovar é de origem albanesa e a Sérvia ainda reivindica o território, apoiada no não reconhecimento da independência por países como a Rússia (que simpatiza com os sérvios por não terem aderido à OTAN) e a Espanha (que desapoia novas independências por conta de semelhantes problemas internos). Na Albânia, o conflito desperta a simpatia pelos kosovares e a antipatia pelos sérvios entre a população.
E foi durante uma partida da Sérvia que o jornalista kosovar Arlind Sadiku, de 34 anos, foi flagrado “fazendo a águia albanesa” com as mãos. O gesto nacionalista albanês é utilizado pelos kosovares e visto como uma ofensa pelos sérvios, que pediram punições. Em resposta, a UEFA decidiu descredenciar o profissional na cobertura da Euro.
Por fim, as federações de Sérvia e Albânia acabaram multadas pela UEFA em 10 mil euros cada uma por conta de torcedores que levaram bandeiras aos estádios que estampavam mapas nacionalistas dos seus países. Os mapas dos albaneses estendiam a Albânia para dentro da fronteira de países vizinhos, especialmente da Sérvia. Os mapas sérvios, por outro lado, ignoravam a independência de Kosovo e traziam o slogan “não à rendição”.