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Acordo Itália-Albânia: gestão de migrantes na Europa ofende o direito internacional

Uma entrevista com Giuseppe Cataldi, professor de direito internacional. Università di Napoli l’Orientale, Coordenador da Rede Europeia Jean Monnet MAPS (Sistemas de Políticas de Migração e Asilo)

Giuseppe Cataldi, professor de direito internacional. Università di Napoli l’Orientale, Coordenador da Rede Europeia Jean Monnet MAPS.Créditos: Arquivo pessoal
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Por Paolo Vittoria*

O acordo entre o governo italiano e a Albânia prevê a criação de dois centros de repatriamento de migrantes que deverão acolher até 3000 pessoas definidas "irregulares" por mês, sob jurisdição italiana, mas vigilância externa pelas autoridades albanesas. Embora a Primeira-Ministra italiana Giorgia Meloni defenda este acordo com tons de propaganda triunfalista, teme-se que possam ser novos centros de detenção e, além disso, não respeitem a obrigação de levar os imigrantes resgatados em mar para um local seguro. Nada foi comunicado sobre os métodos de repatriamento e sobre as autoridades que serão responsáveis ??pela realização dos acompanhamentos forçados, tampouco sobre quem realizará as transferências escoltadas dos pontos de desembarque na Albânia para os centros de detenção “sob jurisdição italiana”. Certamente, a partir do momento do desembarque na Albânia, os migrantes, já considerados “ilegais”, serão totalmente privados de liberdade pessoal. Direitos humanos expropriados em nome da terceirização da gestão de migrantes e da criminalização de ONGs. Mas a Itália não é nova nem está sozinha na União Europeia nesta política de protecionismo nacional. Conversamos sobre isso com Giuseppe Cataldi, jurista especialista em direito internacional e dos migrantes.

“Ainda não temos um texto sobre o acordo entre Itália e Albânia para ser avaliado, mas apenas notícias", afirma o jurista. Embora a cooperação no domínio da gestão migratória seja sempre bem-vinda pelo direito internacional - pensemos em convenções internacionais como a Tratado de Hamburgo de 1979 sobre resgate no mar - o que preocupa é sempre a tentativa de terceirizar e delegar a gestão dos migrantes. Se pensarmos no acordo feito por Boris Johnson com o Ruanda para a gestão dos migrantes, foi um fracasso total. A ideia de que um Estado mais bem equipado e mais rico como a Itália procure a colaboração de países economicamente mais fracos para fazer o trabalho “sujo” levanta dúvidas, tal como o fato que a medida seja excluída para sujeitos frágeis: menores e mulheres grávidas.

A exclusão de sujeitos frágeis sugere que estes centros não forneceriam garantias de direitos humanos?

Claro, e neste caso já começamos mal... porque não existiriam as condições mínimas para o respeito dos direitos fundamentais. Além disso, o desembarque deve ocorrer no chamado “local seguro” - ou seja, numa situação em que a pessoa não só não corra risco de vida, mas possa ser assistida, tratada, reanimada e tenha plena possibilidade de ter seus direitos fundamentais garantidos. Assim, um Estado que mande migrantes num outro país confunde essencialmente cooperação com falta de responsabilidade. Se há pessoas em perigo, isso não significa que a Albânia seja o porto mais seguro. Então precisaríamos entender onde eles seriam resgatados. Se forem salvos no canal da Sicília, por exemplo, a Albânia não é certamente o porto mais próximo e, portanto, não é um “lugar seguro”.

Poderá a exclusão dos mais vulneráveis, além de lançar sombras sobre os direitos humanos, causar divisão nas famílias? Se um pai de família, por exemplo, for levado para a Albânia, para um destes centros, quem garante que ele voltará a reunir-se com a sua família?

Se a separação for funcional para um melhor tratamento imediato da questão, do ponto de vista jurídico, também poderia ser admissível, mas deveria ser temporária. O princípio é o “Melhor interesse da criança” - ou seja, o interesse do menor deve ser o guia que deve ser respeitado, tal como, de acordo com a Convenção dos Direitos Humanos, o princípio da unidade familiar: estes devem ser dois pontos de referência indispensáveis. Portanto, se for do interesse do menor, pode ser feito temporariamente, mas a família deve ser recomposta imediatamente. Se houver uma ação que vise manter separadas partes de uma unidade familiar, estamos numa situação de ilegitimidade política ou judicial.

Quem garante que estes direitos sejam respeitados e que as famílias seriam reunidas?

Obviamente os imigrantes têm difícil acesso à proteção jurídica, se pensarmos do ponto de vista privado, mas existem associações como a “Comunità di Santo Egidio”, a “Amnesty International” ou gli “Avvocati Senza Frontiere” que trabalham para garantir tutela judicial para imigrantes. A sentença mais significativa foi em 2012, quando a Itália foi condenada por trazer de volta para a Líbia pessoas que tinham fugido daquele país. A ação judicial partiu de um grupo de advogados que tinham contatos com um pároco próximo dos imigrantes e assim ganharam o caso judicial. Foi rejeitado pelos juízes o fato de forçar um navio a trazer pessoas para o país ou porto de onde provinham, mas apesar disso tentaram novamente levar os imigrantes de volta para a Líbia, especialmente quando o ministro do interior era Matteo Salvini, e continuam tentando. Claro que a Albânia não é a Líbia, é um país que aspira aderir à União Europeia, mas isso não garante por si o respeito dos direitos humanos.

Falando das relações com a Líbia, os acordos internacionais anteriores não foram certamente modelos de humanidade. Pensemos no Memorandum Itália-Líbia de 2017 e apenas renovado. Nos últimos cinco anos, mais de 85 mil pessoas foram interceptadas no mar e trazidas de volta para a Líbia: homens, mulheres e crianças sujeitos a detenção arbitrária, tortura, tratamento cruel, desumano e degradante, violação e violência sexual, trabalho forçado e assassinatos ilegais.

É evidente que a Líbia não é um porto seguro, não ratificou a convenção dos refugiados e há provas de que os migrantes são tratados de forma desumana. Neste sentido o Memorandum Italia Libia è totalmente fora da ética e da justiça. O decreto do atual Ministro do interior Piantedosi também é muito questionável, bem escrito para que as armadilhas não sejam perceptíveis: essencialmente a nível operacional tende a impedir os chamados resgates "inúteis" e isso vai contra a mais antiga lei do mar. Além disso, nega o direito de poder fazer um segundo resgate. Prevê também multas e detenções administrativas, intensificando os controlos técnicos nos navios (que também diziam respeito à gestão da ministra Lamorgese). Os controlos são importantes, mas porque não os fazem a todos? Obviamente são pretensiosos em inibir a ação de resgate em mar. Usados para criminalizar as ONGs que resgatam em mar pessoas em perigo.

A deslegitimação das ONG atinge, portanto, o resgate de migrantes, mas também a salvaguarda do direito internacional

Durante a fase de resgate atuamos junto às pessoas em dificuldade. Qualificá-los, dar-lhes um status é uma atividade pós-resgate. Primeiro salvamos as pessoas e depois verificamos se são requerentes de asilo, migrantes económicos ou qualquer outra coisa. Digo isso porque querem anexar imediatamente o rótulo “migrante” para já dar uma certa abordagem à atividade de resgate e criminalizá-la. Certamente a estratégia da Itália, coerente entre os vários governos de direita e de esquerda, , é externalizar, por um lado, e deslegitimar, por outro, também porque a atividade de proteção legal das ONG parece ser um obstáculo à política de proteção a respeito da migração. Em essência, evitar aplicar as regras de direito às quais o nosso país está vinculado. É preciso dizer que este fenômeno não diz respeito apenas à Itália, mas à União Europeia em geral, que se distanciou das responsabilidades e se preocupa apenas com transferências secundárias em coerência com a aplicação da lei de Dublin, pela qual o primeiro país de desembarque dos imigrantes é responsável pela primeira hospitalidade e isso vai contra Itália, Espanha e Grécia. É evidente a falta solidariedade europeia. A gestão é complexa, mas não pode onerar apenas um país de primeira entrada. Basta pensar que o governo polaco escreveu numa sua declaração de defesa que é um país “mono-etnico”. A falta de colaboração internacional é, portanto, utilizada pelo governo italiano como pretexto para externalizar e criminalizar, mas ela existe.

Os Estados defendem-se das obrigações que assumiram a nível internacional, fechando-se no modelo de nações do século passado.

Esta condição é geral, e é global. Os tratados são estipulados para depois ignorar às mesmas regras que são assumidas e isso dá-nos um sinal dos tempos em que vivemos.

Passando ao cenário de guerra, o IUS IN BELLO não é apenas violado, mas totalmente ignorado. É uma área do direito internacional que serve em determinadas situações para “humanizar” a guerra. Obviamente que "humanizar a guerra" é um oxímoro - mas faz-nos pensar que tudo remonta ao século XX ou até XIX e envolveu duas questões: por um lado, pensar nos civis e nos feridos, por outro, proibir as armas mais perigosas. Após a Segunda Guerra Mundial, a guerra foi legitimamente proibida. Vejamos o que se passa com o hospital em Gaza. Uma terrível regressão é bombardear os hospitais. O Internacional Criminal Court existe, mas até agora tem sido totalmente ignorado.

No entanto, questionaram o International Criminal Court quando deveriam, com razão, ter detido Putin pelos seus crimes. Isto sugere que também é uma ferramenta para estratégias de guerra.

É preocupante que o International Criminal Court seja também utilizado como parte de estratégia de guerra e não como instituto e órgão "super partes". As Nações Unidas deveriam intervir, se estiverem unidas, e não me parece que estejam. O direito internacional foi violentamente expropriado, mas isso não significa que não valha nada, pelo contrário. Penso também que deve ser fortalecido por um discurso cultural e educativo: voltemos à paz. Vamos trazer a pedra para o prédio da construção da paz, tentando evitar o pensamento polarizado (um contra o outro, como fanáticos torcedores de futebol), mas compreendendo, aprendendo e ensinando que existe uma complexidade e que as regras, as leis existem, mas é necessária vontade política para aplicá-las.

O professor e jornalista italiano Paolo Vittoria

*Paolo Vittoria é Professor de pedagogia Università di Napoli Federico II- Diretor da revista internacional Educazione Aperta. Jornalista d Il Manifesto

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