Mario Jorge Lobo Zagallo, treinador da seleção brasileira de futebol nas copas de 70, quando foi tricampeão, e 74, quando ficou em quarto lugar, morreu na última sexta-feira (5), aos 92 anos. Entre inúmeros elogios, descrições de títulos fabulosos – como o de único cidadão tetracampeão do mundo do planeta (dois como jogador e dois na comissão técnica) – ele não escapou de algo desabonador que o persegue desde então: ter compactuado com a ditadura militar.
O fato tem uma origem indiscutível. Zagallo substituiu o técnico João Saldanha 100 dias antes da copa de 70, no México. O polêmico Saldanha avisou a todos, assim que foi contratado, que montaria um time de feras. O conhecido ataque com Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino, todos meias de origem, foi coisa dele.
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Ele havia feito com a seleção uma campanha extraordinária nas eliminatórias. Foram seis vitórias seguidas em seis jogos, garantindo a vaga com extrema facilidade. Não havia, enfim, nenhuma razão para a sua demissão. Pelo menos dentro de campo.
Fora dele, Saldanha chamou o então ditador de plantão, Emílio Garrastazu Médici, de "maior assassino da história do Brasil". Em janeiro de 1970, no sorteio dos grupos da Copa, no México, ele entregou a representantes de diversos países um dossiê citando os mais de 3 mil presos políticos e centenas de opositores torturados e assassinados pelo regime. O Brasil vivia, então, o período mais violento da ditadura militar, com o Ato Institucional 5 (AI-5) estava em pleno vigor.
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Foi quando ele soltou sua frase mais famosa. Um jornalista sondou o então técnico sobre a vontade de Médici de ver o atacante do Atlético-MG Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha, convocado para a seleção brasileira. Saldanha afirmou, sem papas na língua: "O presidente escala o ministério, e eu escalo a seleção".
O dirigente da Confederação Brasileira dos Desportos (CBD), Silvio Pacheco, comunicou então a decisão do presidente da entidade, João Havelange, de "dissolver" a comissão técnica, semanas antes da viagem para a Copa do Mundo do México.
Saldanha reagiu à notícia com a sua peculiar ironia: "Dissolver, não, porque não somos sorvetes", disse ele. "O que aconteceu é que fomos demitidos", concluiu, antes de dar a partida em seu Volkswagen no estacionamento da entidade.
Chegada
Quatro dias depois da sua demissão, duas novidades chegavam para o treino da seleção brasileira: Zagallo e, é claro, Dadá Maravilha. O próprio jogador reconheceu isso numa entrevista de 2014 à Rádio Gaúcha. "O presidente falou que eu tinha que ser convocado e mandou tirar o Saldanha. Quem me contou isso foi o João Havelange, então presidente da CBD. Aí, o Havelange botou o Zagallo e ele disse: ‘eu conheço a fera, ele merece’. Fico triste em falar que o presidente me convocou. Mas o presidente pedindo a convocação me ajudou muito, isso eu tenho que reconhecer. Médici, descanse em paz".
Zagallo foi tricampeão com as Feras do Saldanha. Ele ainda ficou na seleção para a copa seguinte, em 1974, na Alemanha, quando ficou em um melancólico quarto lugar. Logo a seguir, deixou de treinar o time.
João Havelange deixou a presidência da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) - atual CBF - um ano depois e, em seu lugar, assumiu o almirante Heleno Nunes. Com o recrudescimento do regime, o uso do futebol como marketing político passou a ser cada vez mais frequente. Dentro dos clubes e na comissão técnica da seleção havia um endurecimento de regras com a invasão de militares via CBD. Os modelos de treinamento físico e técnico, a medicina esportiva, a nutrição e a preparação psicológica foram conceitos introduzidos naquele período, segundo informa o jornalista Thiago Nogueira em um artigo de 2012.
Na mesma ocasião, ele perguntou a Zagallo sobre as acusações que pairavam sobre ele de ter pactuado com a ditadura. O Velho Lobo ficou bravo e se esquivou:
"Eu sou técnico de futebol; o lado da ditadura eu não falo, não é do meu alcance. O meu problema era dentro das quatro linhas."
Tostão, o centroavante do time inesquecível de 70, considerado por muitos como o maior de todos os tempos, define tudo com uma frase lapidar:
"Zagallo jamais teve a generosidade de citar o Saldanha pelo tri."